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sexta-feira, 1 de julho de 2022

O direito positivado e os valores morais


Recentemente, a população brasileira se chocou com um caso judicial, que chegou a conhecimento do público, a questão de uma menina de onze anos que teve negada pela justiça catarinense o direito de aborto, sendo comprovado que havia passado por um estupro. As cenas, veiculadas por meios de comunicação da audiência ocorrida, são chocantes, a juíza em questão nega o pedido, e ainda diz para a menina que ela “deveria aguentar um pouquinho mais” e levar a gravidez a termo, para que a criança que nascesse, fosse entregue à adoção. A população sensibilizada com a situação da menina se indigna com o ato negligente e cruel praticado pela juíza, e demanda que o procedimento abortivo seja realizado, fazendo com que a lei seja cumprida.  

Considerando que a decisão tomada pela magistrada foi pautada, não no direito positivado, mas na moralidade, isso exemplifica, o que foi denominado por Weber de ação social, tendo por base a corrente sociológica compreensiva, e o dever do sociólogo de analisar ações e não as submeter à juízo de valor, mesmo quando estas são claramente absurdas, a sociologia proposta por Weber buscar entender qual o conjunto de valores que levaram a prática do ato. 

A referida juíza, está enquadrada no tipo-ideal de magistrados que se afastaram da realidade social, e que possuem um forte credo religioso o qual sempre está presente, mesmo que como plano de fundo em suas sentenças. Sua ação social, já não tem como força motriz o ordenamento jurídico brasileiro, se esse fosse o caso, o pedido para que o aborto fosse realizado seria concedido por ela, tem como base seus valores morais, religiosos, e esses empregam um discurso falacioso de proteção à vida, defendem com afinco a vida intrauterina, no entanto sempre negligenciam a vida que já nasceu. A saúde física e mental da menina não importa, se aquela gravidez for custar a vida dela por ser uma criança e não possuir estrutura corpórea capaz de vivenciar um parto, ou se o trauma da violência já vivida por ela for se intensificar causando um quadro de grave depressão por exemplo, isso pouca importa, desde que ela aguente mais um pouco e não realize o procedimento. A ação da juíza, mostra exatamente como a tomada de decisão por parte dos indivíduos é pautada nos valores morais e no comentado caso específico em valores religiosos, evidenciando como esses servem como propulsores para a ação social. 

Marina Cassaro 

"Tipo Ideal" weberiano

    Diferentemente de Émile Durkheim, o qual concede maior preponderância para o estudo da sociedade como um todo - frente ao indivíduo -, Max Weber coloca como posição central de suas análises o indivíduo - denotando um viés individualista para tal sociólogo. 

    Posto isso, Weber observa os valores e os sentidos (motivos) que impelem uma ação por determinado indivíduo. No entanto, tal análise é atrapalhada pela dificuldade de interpretar valores exteriores - a compreensão torna-se difícil quando valores divergem. 

    Outrossim, sintetiza o chamado “tipo ideal”, conceito que se baseia numa construção subjetiva realizada por meio da seleção de elementos da realidade a fim de construir um tipo - ou seja, é uma variação das possibilidades do real. Com isso, cria tipos que, por suas vezes, são comparados com fatos reais até que se chegue, por fim, na verdade científica (esse é o método weberiano).

    Ademais, explica os significados de “poder” e “dominação” - baseiam-se, sobretudo, na imposição da própria vontade em uma relação e na obediência e aceitação de algo “vindo de fora”, respectivamente (o último precisa de legitimidade). Nesse viés, finaliza declarando que o Direito é a racionalização entre poder e dominação, representando o “tipo ideal” de condutas humanas desejadas.

A sociologia compreensiva e os discursos de Bolsonaro

 Max Weber é reconhecido como o fundador da sociologia compreensiva, que busca uma compreensão interpretativa das ações sociais da realidade baseada na ideia de um tipo ideal - um padrão estipulado para a correção das ações sociais. Em um dos pontos de sua teoria, o sociólogo desenvolve a ideia acerca da racionalidade do trabalho e das relações sociais, que promoveu, no sistema capitalista, uma burocratização exarcebada da vida cotidiana e dos espaços coletivos. Tal condição gerou a ideia de “desencantamento do mundo” defendida por Weber, que afirma existir uma perda de espaço dos fatos religiosos e místicos em função da racionalização. 

Entretanto, ainda que haja em verdade uma racionalização sobre a organização de sistemas como o educacional, de saúde, alimentício, etc., esses valores religiosos ainda são muito presentes na sociedade, até mesmo em discursos políticos que buscam apoio na parcela religiosa da população. Nos slogans de campanha do então presidente Jair Bolsonaro - “Sem pandemia, sem corrupção e com Deus no coração, ninguém segura esse novo Brasil” ou “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” - percebe-se a sobreposição dos fatos religiosos sobre a racionalidade, em função de uma estratégia para obter o apoio daqueles que criticam essa burocratização da vida cotidiana, em detrimento da mistificação.

Assim, ainda que Weber defenda esse “desencantamento do mundo”, é preciso reconhecer que há um movimento contrário cada vez mais crescente na sociedade em relação a esse conceito. Esse fato, porém, dialoga com a noção de que, para a sociologia compreensiva, a cultura é o principal fator que condiciona as instituições e práticas sociais e, na contemporaneidade, os grupos religiosos tem obtido mais espaço no meio político e mais influência nas decisões públicas - como observado com a existência do PDC. Dessa alegação, retira-se o motivo da persistência de Bolsonaro em realizar discursos conservadores a fim de alcançar maior número de apoiadores e assegurar seu poder.


Mariana Medeiros Polizelli 

1° semestre - Direito Matutino