Enfim, é aqui que tudo termina. Todas as publicações do ano se encerram com esta, uma análise de Marx. O tema, “O Direito como liberdade”. Aparentemente simples, mas problematizar nunca foi uma dificuldade para a sociologia. Em tom de despedida, escrevo as humildes linhas que encerraram minhas publicações neste blog.
Em uma visão marxista, o Direito é uma forma de exploração de uma classe por outra, superior. As leis sempre criam privilégios e marginalizações. Se determinada atitude é criminalizada ou não, isso depende dos interesses da elite dominante. Algum fronteiriço pode assim interpretar a descriminalização da maconha, do crimes de “colarinho-branco” e outras práticas reprováveis; como também as políticas de tolerância zero em regiões dominadas por facções criminosas. Enquanto os primeiros atingem um determinado grupo de status, esta última está praticamente restrita às classes inferiores. É o que marxistas fazem. Fato é que tal afirmação nem sempre é real, restringe-se muito a alguns casos emblemáticos da época em que Marx desenvolveu seu pensamento e apenas alguns poucos casos isolados em nossos dias, no qual, os supra-citados não se encaixam. São conceitos penais que exigem muito mais reflexão e conceitos muito mais avançados do que podem sonhar as mentezinhas tão limitadas à religião comunista.
Em sua introdução à "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", Marx fala de emancipação do proletário, total destruição das bases da sociedade atual, secularização dos bens, fisco de propriedades privadas, etc. Seu fundamento inicial é a crítica à religião. A partir dela surgem todas as demais críticas. O Direito, escrito por burgueses elitistas e interesseiros, tem todo o seu fundamento posto em xeque. E esse Direito ainda resistiria por mais algum tempo. Em “A Ideologia Alemã”, Marx mostra que o pensamento filosófico alemão estava muito a frente da realidade em que o país vivia. Enquanto Hegel debatia assuntos moderníssimos até para países como Inglaterra e França, a Alemanha permanecia sob um regime atrasado. Os alemães em comparação aos ingleses e franceses, eram seus “contemporâneos filosóficos” sem serem “contemporâneos históricos”, nas palavras de Marx. Além desse atraso, Marx diz que o proletário na Alemanha ainda estava em formação. Ele explica: Na Alemanha, o proletariado está ainda só a começar a formar-se, como resultado do movimento industrial; pois o que constitui o proletariado não é a pobreza naturalmente existente, mas a pobreza naturalmente produzida. (...)” Quando o proletário estivesse pronto e conscientizado, então a revolução transformaria completamente a sociedade. Toda forma de exploração seria destruída, todo privilégio de classe abolido, porque os sofrimentos do proletário são “universais”.
Este é basicamente o conceito marxista do Direito e uma síntese das obras estudadas (“A Ideologia Alemã” e a introdução à “Crítica a Filosofia do Direito de Hegel”). Uma interpretação do Direito a partir disso é que todo o Direito é opressor. A sociedade só se tornará justa quando vier a revolução, acabar com toda desigualdade e o Estado tiver fim (comunismo). Enquanto houver Estado, haverá repressão. Quando este se tornar desnecessário e deixar, progressivamente, de existir, o homem será realmente livre. Liberdade é inversamente proporcional ao sistema legislativo.
Porém, a pergunta que me faço frente a tudo isso é: para que serve o Estado? De acordo com os marxistas, o Estado é um instrumento contrário à liberdade e ao pleno desenvolvimento do homem. Se este fosse tão prejudicial, por que então todas as sociedades, por mais igualitárias que fossem, sempre possuíram uma liderança, uma concentração de poder, e um conjunto de normas que mantivesse todos os indivíduos submetidos a forças externas? Não faria o menor sentido.
Montesquieu dizia: “A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, ele não teria mais liberdade, porque os outros teriam o mesmo poder”. (De l’esprit des lois, Livro 11, Cap.3). A liberdade é assim fruto do Direito. As leis assim estabelecem parâmetros e dentro destes se pode atuar como aprouver. Liberdade não é então não estar submetido ao poder, mas ter condições de, como definiram os “pais da nação” americana em sua constituição, “buscar a felicidade”. Como está em uma canção popular, “Livre pra poder buscar o meu lugar ao sol”. Ainda há uma forma de submissão, porém, como define Manuel Gonçalves Ferreira Filho em sua obra “Estado de Direito e Constituição”, a sujeição não é a outrem, mas à lei. A lei é importante tendo em vista que sempre, e isso é da natureza humana, um indivíduo tentará se aproveitar de outro. O desejo, a cobiça, são coisas naturais do homem, infelizmente. Abolir completamente todo tipo de controle sobre o homem é deixá-lo livre para que este siga seus instintos. Toda vida em sociedade, até mesmo entre animais, possui regras de convivência.
E esse respeito às leis, a fim de que da ordem surja - não apenas o progresso, mas uma real isonomia entre os seres - é tão importante, que toda norma exige uma sanção. É a pena que garante a respeitabilidade da norma. É através da punição que se reprime o instinto. Penas equivalentes e justas fazem com que o indivíduo considere suas atitudes antes de efetuá-las. Tal constatação chega a ser vergonhosa, por expor a limitação de nossa consciência social. Uma pessoa só é capaz de respeitar outra, quando a consequência de seu ato é potencialmente danosa para si mesmo. O balanço entre prós e contras de determinada postura é feito apenas com elementos próprios (seus próprios prós e seus próprios contras). Antes de entendermos a liberdade social, precisamos nos lembrar que cada indivíduo é escravo de si mesmo, de seus vícios, suas falhas, etc.
Como meu último texto do blog, não pretendo tecer conclusão alguma. Encerrar a última reflexão seria dizer que não há mais nada a se discutir em matéria de sociologia do Direito. Apresentei a visão de Karl Marx, criticando-a, e expus a visão que creio eu seja a mais correta. Em todas as minhas postagens, busquei uma solução para a questão proposta. Mas agora, não. Creio que cada um possui um conceito de liberdade, que aprofundado é suficientemente frustrante, pois jamais seremos totalmente livres como imaginávamos antes. O Direito criado para proteger a liberdade é o mesmo que a limita. Qual a solução para isso? Termino, novamente, citando uma opinião muito melhor do que qualquer resposta vinda da minha limitada capacidade de escrever.
“Porém, não busqueis poder no amor
Que só quem da sua lei se sente escravo
Pode considerar-se realmente livre.”
(Fernando Pessoa)