No romance “A Náusea”, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre evidencia, através da figura de Antoine Roquentin, um aspecto fundamental da modernidade: a angústia. A narrativa gira em torno de um jovem historiador que, de forma repentina, se vê invadido por um vazio interior ao ser confrontado com suas experiências, memórias e acontecimentos ao redor, desenvolvendo perturbações emocionais que o acompanham durante toda a trajetória.
Mesmo que tenha sido escrita em 1938, a obra de Sartre é a representação absoluta de uma sociedade hodierna cada vez mais perdida diante de uma realidade repleta de tragédias e maldades em ascensão. A náusea sentida por Roquentin ao refletir a respeito de si mesmo ressurge no século XXI quando, percebendo o caminho que a humanidade vem tomando nos últimos 50 anos, fazemos a constatação: o mundo está acabando e não há nada a ser feito.
De acordo com o The Washington Post, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) informou, em junho de 2024, que “no final de maio, mais de 1,5 bilhão de pessoas – quase um quinto da população do planeta – suportaram pelo menos um dia em que o índice de calor superou 103 graus Fahrenheit, ou 39,4 graus Celsius, o limite que o Serviço Nacional de Meteorologia considera fatal”. Simultaneamente, pesquisadores do clima preveem que a Terra atingirá um aumento na temperatura de 3ºC até o final do século, o que ocasionará o derretimento quase total das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental e um consequente aumento exponencial do nível do mar.
O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que cerca de metade da população global vive atualmente em situação de escassez grave de recursos hídricos durante pelo menos um mês por ano, enquanto as altas temperaturas médias facilitam a proliferação de doenças endêmicas como dengue e malária. Pelo mesmo motivo, a produção agrícola sofre sérias dificuldades: na África, um continente conhecido por já enfrentar problemas severos de fome, o crescimento da produtividade diminuiu um terço desde 1961. Graças a enchentes e tempestades extremas vindas de alterações significativas na atmosfera, desde 2008, mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo foram obrigadas a deixarem suas casas. Com o aumento máximo de 1,5ºC exigido pela Conferência de Paris de 2015, as espécies terrestres com alto risco de extinção atingirão 14% de toda a biodiversidade e os custos com subsídios para as principais culturas alimentares ultrapassará os 60 bilhões de dólares. E o que é pior: a situação do aquecimento global chegou em um ponto evolutivo irreversível.
No âmbito político, a experiência atual é marcada pelo renascimento do fascismo. Em seu primeiro discurso no Congresso norte-americano durante o segundo mandato, Donald Trump reafirmou suas posições contra a diversidade cultural e contra o suposto “privilégio” conferido às minorias no país, apelidado de “agenda woke”. Com base nessa negação institucional da pluralidade humana, a Secretaria de Educação do governo determinou o corte de verbas federais para colégios e universidades que promovam debates sobre variedade racial e sexual dentro do ambiente acadêmico. Entretanto, Trump não é um fenômeno isolado.
Segundo o jornal Le Point, o retorno de Trump ao poder “não é um acaso. Ele faz parte de uma onda autoritária em ascensão, representada de forma ainda mais rígida por líderes como Xi Jinping, na China, Vladimir Putin, na Rússia, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia.”
Na Alemanha, em 2024, o partido AfD (Alternative für Deutschland ou Alternativa para a Alemanha), classificado na extrema-direita, comemorou um “sucesso histórico” com a vitória no Estado de Turíngia, no leste do país. Nas eleições para o Estado da Saxônia, o mais populoso, a sigla chegou ao segundo lugar. Embora o partido já tenha até mesmo sido multado por fazer uso de um slogan nazista e defenda amplas medidas anti-imigração, nada foi capaz de cessar sua onda de popularidade entre os jovens alemães.
Exemplos não faltam. Independentemente do local, essa dinâmica demonstra um fato: a opressão ganha força no cenário moderno e, com ela, o ódio.
Diante de todo o panorama aqui abordado, surge uma pergunta: como é possível evitar a “náusea” de Roquentin em um mundo cada vez mais caótico e violento?
A resposta é simples, mas importante: o medo se enfrenta com a esperança.
Paulo Freire, patrono da educação brasileira, nos dá um conselho fundamental nesse sentido: “Para mim, é impossível viver sem sonho. A vida na sua totalidade me ensinou como grande lição que é impossível assumi-la sem riscos”. Isso significa que, onde há resistência, sempre existirá também a opressão. O que cabe a nós é não sucumbir perante as forças da tirania moderna: se organizar politicamente, desenvolver um estudo crítico do corpo social, ampliar as visões de mundo e lutar, ainda que minimamente, por uma conjuntura mais justa, acende em cada coração, jovem ou não, a chama da mudança.
Através de muita luta política e, primordialmente, de muito conhecimento sociológico, poderemos entender que o amanhã é um dia que vale a pena ser vivido.
Vitória Alvarenga Pistore - 1º ano - Direito (Matutino)