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domingo, 28 de novembro de 2021

ANALISE JULGADO SEGUNDO SARA ARAUJO

 

Em 8 de setembro de 2019, foi proferida decisão em medida cautelar na suspensão de liminar n° 1.248-RJ, pelo Ministro Presidente Dias Toffoli, na qual se discutiu, entre outras questões, a busca e apreensão de obras com conteúdo que tratam do homotransexualismo.

Trata-se de suspensão de liminar proposta pela Procuradoria Geral da República em face de decisão do Presidente do TJRJ, nos autos de medida de suspensão, mediante a qual suspendeu liminar que havia sido concedida nos autos do Mandado de Segurança n° 0056881-31.2019.8.19.0000, sob o seguinte dispositivo:

“(...) Desta forma, concede-se a medida liminar para compelir as autoridades impetradas a se absterem de buscar e apreender obras em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo. Concede-se a liminar, igualmente, para compelir as autoridades impetradas a se absterem de cassar a licença para a Bienal, em decorrência dos fatos veiculados neste mandamus. 2 – Notifiquem-se as autoridades a quem se atribui a prática do ato para que prestem as devidas informações, no prazo legal (artigo 7o, I, da Lei 12.016/2009), e para ciência da liminar deferida”.

A atuação judicial aqui trazida será discutida adiante. Antes, todavia, cumpre esclarecer alguns pontos teóricos trabalhados por Sara Araújo.

Sara Araújo nos traz que “o direito moderno eurocêntrico é um instrumento poderoso de reprodução do colonialismo, promovendo exclusões abissais e circunscrevendo o horizonte de possibilidades à narrativa linear de progresso”. (p. 88).

Nesse sentido, o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. (p. 95-96)

Para a autora, devemos pensar em uma epistemologia que não esteja dentro da essencialidade desse pensamento hegemônico, ou seja, que tenha a crítica ou confrontação da indústria cultural capitalista, da não produtividade capitalista como centralidade.

Para referida autora há uma necessidade de se pensar o direito para além de uma perspectiva hegemônica e convencional, ou seja, deve se fazer análise além de uma abordagem que considera apenas o direito estatal estabelecido como uma diretriz válida. 

Elucida ainda que “múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos” (p. 88), ou seja, tudo aquilo que foi o silencio do ponto de vista do conhecimento. Algo que não faz parte do que se convencionou chamar razão ou racionalidade.

Fundamental, ainda, ressaltar a existência de uma monocultura da produtividade, ou seja, “todo o outro conhecimento é invisibilizado, porque todo o outro tipo de produção é desvalorizado.”

Quando o “o outro lado da linha” fala, ele provoca abalo “deste lado da linha”, especialmente por fazê-lo através de uma linguagem que o “norte” não concebe como legítima, tendo em vista já ter estabelecido muito claramente o que é válido.

É com essa perspectiva que a discussão da Sara Araújo nos convida a pensar o conhecimento e o direito na modernidade, onde podemos perceber sua influência na leitura do inteiro teor desse importante julgamento.

Em suas razões, defende a PGR que o ato de busca e apreensão “discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero, ao determinar o uso de embalagem lacrada somente para obras que tratem do tema do homotransexualismo”.

No mesmo sentido, na fundamentação, o ministro argumenta que:

“a decisão cuja suspensão se pretende, ao estabelecer que o conteúdo homoafetivo em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade, uma vez que somente àquela específica forma de relação impôs a necessidade de advertência, em disposição que – sob pretensa proteção da criança e do adolescente – se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito.”

Sob essa perspectiva, ao considerar a fundamentação, ficou demonstrada uma tentativa de rompimento da perspectiva hegemônica de se pensar o direito.

Jéssica Maria Gregio - Noturno