"Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade."
O trecho acima faz parte da Declaração de Independência dos Estados Unidos, redigida em 1776, documento que é um dos maiores exemplos do chamado Direito Natural incorporado ao discurso político e jurídico. O jusnaturalismo que surge nos séculos XVII e XVIII afunda suas raízes principalmente na compreensão do homem aliado ao Humanismo e ao Renascimento, confiante na legitimidade de seus direitos individuais. Assim, predomina a ideia de que o homem é naturalmente dotado de certos direitos, inalienáveis, que precedem a tudo que é organização. A Revolução Americana e a Francesa (esta última ainda mais acentuadamente) são as primeiras a se apropriar desse discurso, enriquecido pela filosofia iluminista, e a defender os direitos intrínsecos de todo ser humano, como o direito à vida e à liberdade.
Dessa maneira, associada ao conceito de Direito Natural surge a ideia de "revolução", visto que esta se baseia na evocação dos preceitos daquele como maneira de legitimar seus projetos. Basicamente, o significado e a essência de um processo revolucionário é a perspectiva de uma transformação efetiva, e de fato isso ocorreu nos exemplos citados, principalmente na Revolução Francesa. Esta é verdadeiro triunfo da civilização burguesa, que se revoltou contra a ordem absolutista vigente e legitimou a criação de um novo direito. A Declaração de Independência dos EUA, por sua vez, já pregava a noção de que os homens tinham todo o direito de repudiar e lutar contra um governo que os oprimia, noção esta que não ficou circunscrita à América. Esse foi o ponto de partida de várias revoluções ao redor do mundo, não apenas na Europa, mas inclusive no Brasil, onde alguns movimentos foram altamente influenciados pelo processo de Independência dos EUA e posteriormente pela Revolução Francesa, adotando os preceitos inovadores e libertadores do Direito Natural.
De fato, que povo conseguiria resistir a um discurso tão rico que defendia, entre outros, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade (tal era o lema da Revolução Francesa) e se opunha a qualquer tirania e arbitrariedade do poder? Não há como negar que tudo isso propiciou um campo fértil para revoluções em defesa de uma reforma efetiva da organização social da época. O conteúdo das leis deveria ser, então, a "razão", pois o direito não era criado, mas sim descoberto racionalmente, pois já existia antes de ser declarado, e essa existência não podia ser negada.
Tudo isso nos leva à discussão do significado de uma revolução na atualidade. Ouvimos falar de revolução tecnológica, revolução ambiental, revolução disso, revolução daquilo, e acabamos por nos desligar do verdadeiro sentido que essa palavra tem, de tão distorcida que ela já foi. Será que tudo que se diz "revolucionário" realmente pode ser chamado assim? Será que certos acontecimentos que não são considerados "revolucionários" não o deveriam ser? Infelizmente, a ideia que se tem hoje de revolução é frequentemente preconceituosa, sendo confundida com desordem, bagunça, e até mesmo vandalismo, sendo que praticamente nada do que vemos nos dias de hoje realmente configura uma revolução, simplesmente pelo fato de não alcançar uma mudança efetiva, ou por representar interesses de uma minoria e culminar no surgimento de um direito particularizado, "sob encomenda". Nem a Revolução Francesa, por muitos considerada a maior de todas, foi igualitária, por exemplo. Foi, antes de tudo, uma estratégia da burguesia para se perpetuar no poder, exercendo-o apenas para si mesma. É evidente que, apesar da defesa de preceitos do Direito Natural, que foram positivados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, nem as mulheres, nem os negros e em vários locais nem mesmo as minorias religiosas ou de outra ordem conseguiram obter direitos iguais, principalmente de participação política. A princípio, portanto, o Direito Natural na época foi incorporado somente em parte, à medida que não afetasse a supremacia burguesa. Entretanto, acabou com a ordem absolutista tradicional e alcançou uma nova ordem, que seria novamente contestada pelas classes insatisfeitas.
Assim, vemos que foram poucas as revoluções que de fato ocorreram ao longo da História, ou seja, que realmente proporcionaram uma transformação radical. Mas isso não quer dizer que elas não existam. Existem, sim, e quando conseguem realmente mudar as coisas de lugar, esse caráter não lhes pode ser questionado. Não há dúvida de que as máximas do Direito Natural permanecerão sempre influenciando de forma sensível a vida jurídica prática, e esse sentimento de justiça "espontânea" nunca entrará em crise, mesmo que seja visto como adversário do direito "artificial". Os homens nunca pararão de lutar contra aquilo que os faz insatisfeitos, e é por isso que nossa sociedade está constantemente sujeita a mudar e a legitimar as ordens revolucionariamente criadas, não só no âmbito jurídico, mas também no cultural, no social, no tecnológico e assim por diante. O espírito do lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", portanto, continua ainda hoje nos influenciando e acendendo nosso instinto revolucionário. É de se esperar, apenas, que esse instinto caminhe para o lado certo, o da modificação efetiva e benéfica.