Total de visualizações de página (desde out/2009)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Lado Bom (e esquecido) das Coisas

O Direito como ferramenta de emancipação seria o sonho de qualquer minoria oprimida e necessitada de opções para lutar de maneira "legal e ordenada" por seus direitos e aspirações, uma saída eficiente, dentro do âmbito jurídico nacional e em tese bem vista pelos demais setores da sociedade por estar dentro das famosas "regras do jogo".Porém há um sentimento de utopia quando se fala disso, com muitas lembranças de decisões favoráveis aos já dominantes e exploradores e pouco voltada ao elo mais fraco da corrente.
Contudo, parece ser um tanto precipitado, derrotista e até mesmo proposital o esquecimento de exemplos de sucesso do Direito emancipatório, a tão esperada luz do fim do túnel que já apareceu, e não é um trem! São julgados e mais julgados relacionados a moradia, questões de gênero, ofensas a minorias, cotas e ações contra o estado cobrando direitos assegurados por lei, mas quase nunca requeridos e menos ainda lembrados.
Quando se fala de minorias há uma grande tendência a se lembrar tão somente do movimento LGBT e da discriminação dos negros, porém há outros setores também de minorias que têm obtido sentenças favoráveis e direitos assegurados. Os deficientes físicos e mentais, sejam eles de baixa renda ou não, têm direito a um auxilio do governo, e o tem conseguido, além de 5% de cotas em Concursos Públicos, um avanço e uma conquista excelente e muito esquecida.
A luta contra o fascismo social falada por Boaventura de Souza Santos, se não está sendo vencida, e realmente ainda falta muito, tem muitas batalhas ganhas. O julgado da vara de Jales, a decisão sobre as cotas, várias liminares concedendo financiamento de tratamento de saúde e pensões para quem precisa, uma incipiente, porém continua ação de magistrados embutidos de um ideal menos punitivo e mais construtivo e uma jurisprudência favorável, fatores que formam sim uma forma de luta emancipatória e que devem ser lembrados.
Se Boaventura apontava o caminho da legalidade cosmopolita, com as várias faces do conhecimento em coexistência e constante choque, criando uma tensão dialética que em fins do século XX fez virar a mesa do controle, do Estado, para a Sociedade, e há nesse cosmopolitismo um fator que deve ser exaltado, se o modelo liberal é o alvo principal das criticas, o Marxista também não é poupado e deve se modernizar, pois os desafios de emancipação e as lutas do Século XXI não são as mesmas de 1848.
Afinal, há vários exemplos de lutas emancipatórias pelo Direito, e nossa legislação, ainda que deva avançar muito neste campo, é avançada e tem dado vários motivos para se esperar dias melhores. Apenas lembrar as coisas ruins e os julgados pró-status quo é relativamente fácil, se espelhar em decisões pioneiras e exaltá-las como modelos a serem seguidos sempre parece ser mais complicado do que é de fato.

Emancipar para Compreender, Compreender para Solucionar

    Ao analisarmos o quadro universitário do Brasil, seja por parcela de primeiro-anistas, seja ainda mais por número de alunos que de fato obtêm o diploma, encontramos uma curiosa – e, nem por isso, surpreendente – discrepância entre a taxa de pessoas que se declaram brancos e a de que se declaram negros ou pardos. Existem diversas perspectivas de observar tal fenômeno social – sim, pois ocorre em sociedade, envolvendo a população e seus contextos, devendo assim ser caracterizado –, e encontramos três pontos marcantes de visão sobre o tema no artigo de Boaventura de Sousa Santos, “Poderá o Direito ser Emancipatório?”, os quais são debatidos numa linha de transição entre o extremo ponto direito, os conservadores; e o diametralmente oposto à esquerda, os revolucionários.
    Para iniciar a contextualização da obra do português, precisa-se invadir a esfera do Direito emancipatório, ou seja, um Direito visto além do modelo encontrado nos padrões liberais, que procura contemplar somente o corpo do texto legislativo e ser assim eficiente. O Direito que segue o cosmopolitismo subalterno – definido pelo autor como um conjunto de realidades de segmentos excluídos pela sociedade capitalista por diversos motivos – se adéqua à contraposição da globalização hegemônica, por isso sendo contra-hegemônica, ou seja, uma ferramenta contestadora das situações de abandono de direitos desses segmentos – num espectro mais amplo, questionadora do próprio capitalismo e do contrato social.
    Dessa maneira, temos que uma grande parcela da sociedade se encontra à margem do Direito, de seus direitos, e, uma vez assim colocada – propositalmente pela minoria de detentores do poder –, não conseguirão fugir desse estigma de outra forma que não a ação estatal, daí a importância do Estado como figura social. Existem, então, como citado anteriormente, perspectivas variadas de se ler tal deficiência de acomodação social – a coexistência de sociedades civis e incivis –, e o autor cita três modelos de pensamento: O conservador, que se fundamenta na manutenção do direito às minorias que detêm capital e poder; o reformista demo-liberal/demo-social, baseado na ideia de que pequenas mudanças providenciais são suficientes para tal acomodação; e o revolucionário, o qual prevê grandes alterações estruturais na forma como a sociedade orgânica funciona.
    Segundo essas três maneiras, compreendemos a problemática acima – discrepância entre número de estudantes universitários brancos e negros/pardos – também sob três lentes: O conservadorismo enxerga a divergência como algo distante do Estado, pois é responsabilidade civil, algo próximo do que chamamos de “meritocracia” – ou seja, o estar em uma universidade é somente mérito de estudos e competência; o reformismo reconhece o problema, porém oscila entre resolvê-lo e não o fazer, e, quando o faz, não é algo além de uma medida paliativa; por fim, o posicionamento revolucionário percebe nessa situação um erro grave de estrutura, que foi herdado do passado, mantém-se no presente, e será visto também no futuro caso não haja uma política capaz de alterar sua raiz: as desigualdades sociais.
    Isso nos possibilita chegar à conclusão de que o texto de pedido de arguição de descumprimento de preceito fundamental, movido pelo Partido Democratas, sobre a implementação de um programa interno de cotas a estudantes declarados negros, versa a respeito de semelhante questão – políticas afirmativas que venham atuar no contra-fluxo do conservadorismo meritocrático –, citando e argumentando a respeito no sentido de reiterar a ideia de que cotas raciais reafirmam o preconceito, além de serem anticonstitucionais.

    O texto, que requere a anulação dessa implementação, baseando-se em artigos da Constituição Federal e notas científicas, é contrário às vagas especiais por acreditar serem falhas e insuficientes, meramente paliativas – o que não deixa de ser verdade. O grande problema é acreditar que, somente por serem paliativas, ou contemplarem também uma parcela mínima de negros/pardos que possuem renda superior à imensa maioria da classe, não devam existir, posto que necessárias a um início – mesmo que extremamente irrisório – de mudança no sistema educacional nacional, ou a uma quebra no estigma que carregam esses homens e mulheres fadados à escassez de opções no âmbito acadêmico e, posteriormente, profissional. Aí se manifesta a importância do Direito Emancipatório, ao fim das barreiras e impedimentos do acesso à sociedade civil por todos, e por completo.  

Valsa da procrastinação

Poderá o direito ser emancipatório? Boaventura de Sousa Santos coloca essa indagação como título de seu artigo que abrange diversos aspectos da sociedade, desde o colapso da estratégia revolucionária, à crise do contrato social e mesmo o surgimento de um fascismo social. A tentativa de tornar o Direito uma ferramenta de emancipação encontra diversas barreiras e obstáculos, como a instabilidade social necessária para estabilização da economia (corte de verbas do setor social para pagamento de juros da dívida externa, por exemplo), hiperflexibilização das relações, sejam elas sociais (laços volúveis no contato interpessoal), econômicas (alterações dos paradigmas contratuais, sendo elas boas ou ruins para os trabalhadores com o intuito de adaptar-se à necessidade do mercado) ou políticas (tanto acontece que gera uma desideologização dos partidos e inclusive perda de apoio popular pelas medidas tomadas pelo desvínculo com o povo).
A própria sociedade está em risco ao possuir parcelas de si vagueando entre as zonas de inclusão e exclusão com boa parcela dela semi-incluída e temerosa de cair na zona menos favorecida, influenciada por um fascismo social que se mostra na segregação dessas zonas; no impedimento da liberdade de circulação em certas áreas; nas privatizações geradoras de insegurança e inclusive nas agências internacionais que regulam indiretamente a economia do país. Dessa forma, o Direito visto como algo hegemônico e conservador assim o é por sua utilização como tal. Uma ferramenta múltipla, dependente de seu dono para conceber certos fins apenas visíveis para aqueles cujo horizonte não se restringe ao próprio ego de girar infinitamente em círculos para atender a interesses particulares, ou mesmo de manter a desigualdade social, um dos impedimentos para a economia ascender que não se considera. Tenta-se, e é natural, manter essa ordem já estabelecida.
No entanto, como parte de um processo dinâmico de transformação do meio, ele também servirá como combatente do lado contra-hegemônico, como mecanismo de emancipação social para garantir direitos. Com cautela, contudo, deve-se verificar sua utilização já que um direito não-hegemônico, parte não constituinte do direito dominante, pode servir para ampliar e fortificar este segundo.
O caso das cotas raciais estudado mostra uma política pública conjugada com o direito de acesso à educação lançada pela instância máxima do poder judiciário, como forma de superar a hegemonia gerada pelo elitismo econômico que muitas vezes cerceia o conhecimento propositalmente para evitar seu acesso por outros que não correspondentes de sua classe. Possibilitar o acesso de negros que, por motivos derivados da história encontram-se em grande parte em condições socioeconômicas mais baixas que o geral, possuindo assim uma possibilidade de ingresso em universidade pública e também de melhora de vida. Uma política interessante de inclusão, mas que não atinge a causa real do problema: uma educação básica deficitária, aliada a um desincentivo à permanência no âmbito escolar e cimentada com o medo dos docentes em lecionar em um meio hostil a sua presença. O primeiro passo foi dado. Agora falta um pouco mais de direito contra-hegemônico para romper essa valsa de procrastinação que tanto dificulta a formação intelectual de um povo brasileiro.

Leonardo Eiji Kawamoto - 1ºAno Direito/Matutino

Para além da manutenção do status quo.

  Boaventura realiza um importante questionamento em sua obra, "Pode o direito ser um instrumento de emancipação social?", tal tipo de questionamento vem com o que ele denomina "transição epocal", porque o direito, que até então, vinha como instrumento hegemônico por excelência, cuja função primeira era a de impedir a emancipação social e manter a ordem, o status quo, passa a ser pensado como forma de transformar a realidade social.
  Por adição, nesse período de transição, em que novos problemas, novas demandas vem surgindo e os instrumentos utilizados até então não se mostram mais suficientes, Boaventura vem propor uma nova forma de pensar o direito, como uma legalidade que ultrapassa uma legalidade estreita e monolítica, e seja uma legalidade cosmopolita, que traga toda uma nova perspectiva, reconhecendo o que é diferente, os diversos valores, saberes e que busca conhecer e interpretar as realidades sociais em toda a diversidade e complexidade da sociedade e anexar as pluralidades.
  Ao analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal no Acórdão me veio logo à mente a questão da legalidade cosmopolita abordada por Boaventura, pois os ministros não realizam uma análise do caso colocando de lado os excluídos, como se o racismo não existisse na sociedade ou fosse algo sem solução, ao contrário, eles não fecham os olhos à realidade, e a interpretam em toda a sua complexidade para poder pensar o direito numa perspectiva transformadora.
  E levando em conta  as necessidades e exigências da sociedade, eles não decidem seus votos pensando em manter a ordem e o modelo hegemônico, no qual há uma esmagadora maioria branca nos corredores e bancos das universidades, mas sim buscando um modelo contra-hegemônico, lutando pela participação dos diversos elementos que compõem a sociedade brasileira, para que possa haver uma heterogeneidade.
  Por adição, nessa luta contra a homogeneidade, o direito assume papel de destaque no enfrentamento dos preconceitos, como arma de combate contra a opressão e dominação. Sendo utilizado como instrumento contra-hegemônico, ao lado de políticas públicas (como o desenvolvimento de um ensino de qualidade das escolas públicas, pois ao defender as cotas em nenhum momento estou negando o problema do ensino, porém é algo que levaria anos e não se pode mais ficar de braços cruzados, as demandas estão aí, há uma tensão a todo momento exigindo que o direito se manifeste), para a concretização de mudanças sociais. Prova disso é que em todo o acórdão os ministros fazem uso das leis para afirmar as cotas, citam que nos arts. 215 e 216 da Constituição Federal, é reconhecido e protegido, expressamente, o caráter plural da sociedade recuperando o espaço ontológico da diferença, no sentido de como o Direito está relacionado ao ser humano. E muitos outros artigos que compreendem nossa Constituição, como o art 3°. 
  Dessa forma entendo que no caso do racismo o direito vem sendo um importante instrumento de emancipação, que é a luta das minorias pelos seus direitos de igualdade ou pelos seus direitos políticos enquanto cidadãos, luta pela libertação dos preconceitos e opressão ainda existentes na sociedade. 
  Focando na questão das cotas raciais, tem-se uma importante ação afirmativa de combate ao racismo e seus efeitos na sociedade, ao promover o desenvolvimento de um ambiente plural, diversificado, consciente e tolerante às diferenças democráticas, ao conceder espaço para participação das minorias e dar esperança para aqueles que não possuíam nenhuma expectativa de fazer parte do sistema universitário, e fazer com que no futuro, coisas que eles nem esperavam se tornem vivência social propriamente dita. Porém muitos veem a implantação de tal política como uma forma de racismo, estabelecendo uma espécie de apartheid, contudo, ao meu ver é justamente o contrário, pois tal ação visa por fim à situação das universidades que são altamente segregadas. 
  Por adição, afirmam que o vestibular deve ser algo "justo", com igualdade para todos, e o que for melhor conseguirá a vaga, já que supostamente se esforçou mais que os outros, usando como exemplo homens que constituem raras exceções, como Joaquim Barbosa, um em quantos milhões de negros que existem no Brasil? Porém, convenientemente, se esquecem que sendo a maioria da população negra pobre, não possuem as mesmas oportunidades de estudo, muitas vezes precisam trabalhar ao mesmo tempo, ou seja, não há uma disputa de igual para igual para a realização da prova, então nesse caso a igualdade exigida só gera desigualdade, por isso não se pode tratar da mesma forma no momento do vestibular se anteriormente só foram tratados de forma desigual.
  Além disso, é essencial ressaltar, para quem argumenta que não existe apenas pobres negros, que a intenção do estabelecimento das cotas raciais é o combate ao preconceito racial e não à pobreza, buscando reverter o quadro histórico  de desigualdade racial e democratizar o ensino superior, o que ocorrerá quando forem eliminadas todas as restrições ao acesso de certas categorias sociais à universidade. O ponto desse argumento, é que nesse mundo capitalista em que estamos inseridos, as pessoas não conseguem dissociar o capital de todo o resto (ponto abordado por Boaventura, sobre o fascismo financeiro, um valor, que é o econômico, está servindo de medida para todas as relações sociais), desse modo acabam saindo da questão do racismo e entrando no ponto sócio-econômico, que como já foi dito, não é o objetivos das cotas RACIAIS.
 



Karen Yumi Saito - 1° Direito Noturno