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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Epistemicídio, denúncia e poesia

 “Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”

1500, senhor do engenho? Dessa vez (e em muitas outras) não. Magistrada, 2019


Juridiquês apartado do cotidiano sulista


É preto, é África, é sul, vigarista…


Silenciam as vozes, corrompem a justiça


Apaguem o selvagem, salvem a raça ferida


Apreciem a dicotomia ocidental, “anacronista”


Por fim, selecionem o palco, a vista: ofuscamento nortista


O padrão pede por mais! Seja branco, fale inglês, use ternos caros, aprecie o xadrez… 


Até lá, caso arquivado… “não há como fazer exame psicológico na juíza pra saber se ela é racista” 


Só há como saber sobre a inferioridade dessa raça, burros, oportunistas! 











-Camilla Rosa; 1 ano - noturno

As deficiências de uma aplicação puramente técnica do Direito

 Ao propor uma Revolução Democrática do Direito, Boaventura de Sousa Santos trata sobre questões problemáticas do universo jurídico. Entre elas, a visão e ação puramente técnico-burocrática que a maioria dos operadores têm frente ao Direito, o que torna o processo jurídico menos justo e eficiente, uma vez que não conseguem analisar profundamente todas as perspectivas que envolvem os litígios a que são apresentados. O Direito, porém, tem a função de resolver os conflitos dentro de uma sociedade, buscando a melhor solução para ambos os lados. Deve servir para aliviar sofrimentos, não os causar ou intensificar. Portanto, jamais pode se ausentar de um estudo profundo sobre a realidade social de cada caso e cada parte envolvida nele, para resguardar-se a uma posição de ciência exata e puramente técnica que decreta automaticamente a norma prescrita sem nenhuma adaptação específica para cada situação. Esta conduta fere os princípios e as intenções do exercício do Direito. Mesmo assim, é comum que aplicadores, ajam de tal maneira, como veremos ao analisar o caso da reintegração de posse da fazenda Pinheirinho em São José dos Campos.


   A magistrada do caso Pinheirinho, Márcia Faria Mathey Loureiro, defende que deve fazer uma execução puramente técnica da lei e que não cabe ao judiciário atuar sobre as questões sociais e a luta pelo direito à moradia, a ele não cabe agir por tais causas, nem ao menos com um olhar solidário por elas. Para ela, ele deve apenas assegurar o direito da propriedade.Entre as formas de manifestação dessa cultura jurídica, Santos cita a desresponsabilização perante os maus resultados do julgamento. Os juízes impõem a norma da forma desejada e afastam-se, já que não viverão as consequências do cumprimento da ordem e é quase nula a possibilidade de sofrerem alguma sanção por uma má aplicação. Ou seja, não importa se milhares de famílias ficarão desabrigadas, morando na rua, enquanto a juíza e o proprietário milionário do terreno continuarão em suas casas e vidas confortáveis. Para a magistrada, isso não é questão a ser tratada. A única coisa que ela deve fazer é proferir a sentença sem analisar a fundo a realidade vivida e o grande impacto que sua decisão terá na vida de pessoas em situação de vulnerabilidade.


    Porém, em realidade, a aplicação nunca é desvinculada de uma ideologia. Quando os operadores do direito desejam se afastar das demandas e movimentações sociais, acabam replicando o pensamento da classe dominante, o senso comum influenciado pela mídia que esta controla. Nesse caso, a juíza agiu sob a influência da ideia de que os trabalhadores do assentamento Pinheirinho - assim como todos os integrantes dos movimentos que lutam pelo direito básico da posse da terra, como o MST - são invasores, insuflados por interesses externos, que roubam propriedades que foram, de forma árdua e honesta, compradas pelos donos. Quando, na verdade só estão ali pois a posse original do terreno foi adquirida de forma ilegal e porque não havia mais nenhuma opção para conseguirem um lugar para se abrigarem que não fosse por meio da ocupação daquela área abandonada. Ao agir sob estas concepções, a juíza trabalha para favorecer membros da burguesia, mesmo que estes também estejam em situação de ilicitude, e criminalizar a luta de trabalhadores por dignidade.


  Em contrapartida a este comportamento de muitos operadores do direitos, que se torna tão prejudicial para o exercício democrático, Boaventura de Sousa Santos exemplifica a ação das defensorias públicas. Estas, por estarem vinculados à causa para além de interesses puramente econômicos, conseguem operacionalizar além desta lógica. Podem estar em contato real com as bases sociais, escutando, incorporando e lutando pelas demandas das populações marginalizadas; sendo uma das poucas oportunidades de defesa dessa classe frente aos abusos sociais e estatais. Assim, as defensorias públicas têm a capacidade de atuar na sociologia das ausências e enxergar além, identificando novos conflitos e maneiras para lidar com eles, de forma que o Direito tradicional e enrijecido em tribunais e escritórios particulares ainda não consegue. Foi o que aconteceu no processo de Pinheirinho. Quem fez uma excelentíssima defesa dos moradores do bairro, os orientou sobre seus direitos e sobre os abusos que sofriam, levou as causas de pessoas cotidianamente invisibilizadas e silenciadas até as instâncias federais e quem, mesmo depois da reintegração de posse, continuou lutando pelas famílias do assentamento e denunciando as atrocidades que foram cometidas contra elas, foi inteiramente a defensoria pública. É essa sensibilização que ocorre quando se trabalha diretamente com os movimentos sociais e as classes oprimidas que Sousa Santos defende para melhorar a qualidade da justiça, tornando-a mais democrática - e justa. Por isso, para ele, deve haver uma reformulação do ensino jurídico que faça com que estudantes e formados estejam continuamente em contato com as demandas da população e que vejam o Direito e sua execução como um campo essencialmente de luta pelo atendimento delas, não apenas como um espaço elitizado - pensamento que muito ilude e atrai novos operadores. 

Sofia Moreira Pinatti


Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no 06 dez. 2021, 12h38

Análise de julgado à luz de Boaventura de Sousa Santos

 O presente texto busca correlacionar a perspectiva de Boaventura de Sousa Santos ao julgado Resp. N° 1936078-SP (2021/0130875-7), concernente a um furto famélico: quando o indivíduo é motivado a cometer o furto por não ter o que comer.

Primeiramente, é importante notar que o pensamento traçado por Boaventura de Sousa Santos é caracterizado pela amplitude de seus aspectos. Ele pauta a sua abordagem pela ideia de acesso à justiça, sinalizando que a facilitação desse acesso advém de uma pluralidade de alterações, destacando que a inovação começa no ensino jurídico. A linguagem ininteligível, já tão associada ao campo do Direito, precisa ser desconstruída se é buscada uma maior abertura do Direito ao cidadão comum e à sua realidade. Para o pensador, essa transformação pode implicar certas rupturas com o que é tido como tradicional, estabelecido e imutável, mas não se deve impor limites aos possíveis novos moldes jurídicos que se apresentam, unicamente pela viabilidade apresentar empecilhos de início, pois isso acarretaria uma estaticidade do Direito incapaz de acompanhar as urgências contemporâneas. Ademais, dentro desse contexto estático (que, na prática significa regresso) existiram dois tipos de morosidade: sistêmica, ligada ao excesso de burocracia e juridificação e a ativa, que está ligada à falta de coesão no sistema.

No julgado em questão, são perceptíveis diversos elementos desses retromencionados. A começar, trata-se de um julgado relativo a uma pessoa em situação de vulnerabilidade, no caso, pela condição famélica, e isso faz com que constitua um dos grupos vulneráveis para os quais a Justiça deveria ser mais aberta, segundo a visão de Boaventura. Todavia, como pode se notar, os principais empecilhos para que isso aconteça são os fatores de morosidade. A morosidade sistêmica, devido a fatores burocráticos que fazem com que pequenas quantias furtadas, em uma situação anormal como a de pandemia, sejam levadas a se tornarem litígios judiciais. Já a morosidade ativa, pela falta de coesão entre o Judiciário que faz com que, em instâncias inferiores, não seja seguida a jurisprudência que considera o princípio de insignificância.

Em conclusão, existe um abismo entre o ensino jurídico hoje no Brasil e a realidade exemplificada por esse julgado. Qualquer ideal de amplificação do acesso à justiça é abalado por essa realidade tão desconexa e disfuncional. Tendo isso em vista, Boaventura de Sousa Santos é um defensor do maior papel de movimentos sociais em prol da defesa de grupos vulneráveis.


Isabela Mansi - matutino

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 12h

A injustiça de uma democracia em risco

  “A revolução democrática da justiça nunca poderá ocorrer sem a revolução democrática do Estado e da Sociedade. Mas esta, por sua vez, tão pouco será possível sem a revolução democrática da justiça.” A democracia e a justiça são devaneios diante a sociedade atual, o que pode ser identificado no trecho escrito pelo professor Boaventura, não existe um sem outro, para que haja justiça verdadeira é necessário que a democracia seja uma realidade e a sociedade só será democrática quando for justa a todos que se encontram diante a ela.

Em diversos momentos da história brasileira a democracia foi posta em risco ou até mesmo excluída, se considerarmos que a democracia sequer existiu nesse país que ainda é racista, homofóbico e misógino. As mais de 434 mortes e desaparecimentos políticos reconhecidos entre 1964 e 1988, além dos casos não reconhecidos, expõe de maneira sucinta essa ausência de justiça perante a instabilidade do sistema político, que por sua vez se tratava de uma ditadura militar.

Outrossim, o discurso de Boaventura não se limita apenas a tempos em que a democracia não se estendia como cenário político, em 2016 a ex-presidente Dilma Rousseff foi vítima de um golpe de estado por meio de um impeachment que a tirou do poder e entregou o país a um governo de direita que teve como consequência a impossibilidade do ex-presidentre Lula se eleger e a posse presidencial de Jair Bolsonaro, o qual o governo vivenciou a volta do Brasil ao mapa da fome, mais de 600 mil mortes durante uma pandemia e irresponsabilidade estatal. 

Por conseguinte, a frase de Boaventura, retirada da obra “Para uma revolução democrática da justiça” é mais uma vez comprovada tendo em vista que colocar a democracia em ameaça ocasiona inúmeras pequenas e grandes injustiças, essas que, infelizmente, têm como maior vítima a população de baixa renda, fato que demonstra ainda mais tamanha injustiça diante a um governo elitista e antidemocrático. A democracia e a justiça só existem juntas e qualquer desvio a isso é quase um massacre a população pobre.


Referências: 

Santos, Boaventura de Sousa, Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, 120 p. https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2021/08/cinco-anos-golpe-impeachment-dilma/ 


Maíra Janis de Sousa

1º ano - Direito Matutino Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h58


Araújo e Ferreira

 Sara Araújo esquematiza seus estudos em uma linha abissal entre o Norte e o Sul em uma análise epistemológica, em que o Norte representa a hegemonia enquanto o Sul encontra-se voltado a discussões mais abrangentes, como sexualidade e gênero, até mesmo questões étnico-raciais. A partir disso, é construída uma crítica em relação a razão metonímica, em que se confere a monocultura em diferentes sentidos. “Monocultura jurídica despreza os direitos locais e os universos jurídicos que regem formas de produtividade não capitalistas e classifica como irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas as formulações jurídicas não modernas”. 

Preta Ferreira, cantora e militante do Movimento Sem Terra do Centro, foi presa em 2019 por ser ativista política em razão de indivíduos em vivência de rua em grandes centros urbanos, principalmente na grande São Paulo. Podemos considerar Preta como o Sul e as autoridades que a levaram até a sua prisão como o Norte. “O Sul foi duplamente silenciado: porque alegadamente não tinha nada para dizer e porque não tinha linguagem para o fazer”. a fim de não ser silenciada duplamente após sua primeira silenciação, Preta redige um livro em forma de diário em que relata seus dias vividos enquanto privada de liberdade e a forma como quem fala (e luta) sobre essas questões étinico-racias é censurado.

Em muitos de seus relatos Preta expõe que o tratamento dado a ela e as demais detentas do presídio feminino pelos funcionários só se torna minimamente humano após a ativista receber visitas de senadores e políticos importantes e conhecidos na capital e no estado. Esse relato pode ser usado como comprovação do discurso de Sara Araújo em relação à linguagem, “(...) a questão da linguagem é crucial quando falamos de uma ecologia de direitos e de justiças, porque, ainda que estejamos disponíveis para reconhecer outras realidades jurídicas, tem sido difícil pensar outro meio de estabelecer pontes, sem que os termos em que se desenvolve o debate sejam definidos pelo direito moderno”.

Tendo a mulher preta, sem teto e ativista como o Sul, silenciada, e os políticos, ricos e conhecidos, que a visitam como Norte, é quase impossível não diferenciar o respeito atribuído a eles, a linha abissal que os separa entre quem é merecedor de respeito e direito e quem não está explícita diante a esse cenário. E assim o sul segue, infelizmente, sendo não apenas duplamente, como infinitamente silenciado.


Referências:

Ferreira, Preta. Minha carne: diário de uma prisão. Boitempo - SP, 2020.


Maíra Janis de Sousa
1º ano - Direito Matutino

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h58

O PODER DE REQUISIÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA: ADI 6.582

De acordo com Boaventura de Souza Santos, as defensorias públicas se distinguem de outras instituições do sistema de justiça pelo fato de possuírem melhores condições “para desvelar a procura judicial suprimida”. É o que o autor ilustra ao afirmar que os defensores, em seu cotidiano profissional, aplicam a “sociologia das ausências”. A obra em tela afirma a relevância da assistência jurídica gratuita, judicial e extrajudicial, prestada pela Defensoria Pública, mas alerta sobre os desafios enfrentados pela instituição, sobretudo quando estes apresentam os “contornos de uma verdadeira luta política e de confronto com outros órgãos do Estado e instituições do sistema de justiça”. É o que se verifica na ADI 6.852.

A ação constitucional foi proposta neste ano pela Procuradoria-Geral da República e questiona o poder de requisição dos defensores, sob a alegação de que essa prerrogativa feriria a isonomia entre estes e a advocacia. Em síntese, a Procuradoria-Geral sustenta que o poder de ordenar autoridades a expedirem documentos desequilibra a relação processual, dando um poder exacerbado aos defensores, sobretudo no que diz respeito à produção de provas.

A ADI é alvo de críticas. O Grupo Prerrogativas, em nota, afirma que o poder de requisição dos defensores “não viola a isonomia, mas sim, a torna efetiva, em sustentação a direitos historicamente relegados à desigualdade e em cumprimento aos desígnios de que foi investida pela Constituição, visando à construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, em que o acesso democrático à justiça seja meio eficaz de afirmação da dignidade e emancipação cidadã”. Defensores ainda reforçam a imprescindibilidade de tal prerrogativa, pois, dada a hipossuficiência dos usuários dos serviços das defensorias, é frequente que a reunião de documentos probatórios seja dificultosa. Nesse aspecto, o poder de requisição seria uma ferramenta essencial na ampliação do acesso à justiça.

Santos afirma que as defensorias “estão permanentemente ameaçadas por um risco de afunilamento”. A investida da Procuradoria-Geral da República é interpretada, pelo grupo citado acima, como disputas de poder no registro no qual “se reafirmam as desigualdades que privam o Brasil de futuro”.  Portanto, para além da questão da isonomia e da paridade de armas, a análise da prerrogativa não pode ignorar a realidade social na qual se inserem aqueles cuja procura judicial é sistematicamente suprimida.

Pedro Olivatto Zanutto

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail 06 dez. 2021, 11h56

CAPACIDADE CIVIL DO CIDADÃO INDÍGENA: SUPERAÇÃO DO INTEGRACIONISMO HEGEMÔNICO DO ESTATUTO DO ÍNDIO

 A temática do multiculturalismo reverbera na seara do Direito, sobretudo quando se discute a dicotomia pluralismo versus monismo jurídico. Pretensões universalizantes derivam, muitas vezes, de um ideal civilizatório ditado por epistemologias hegemônicas. Nesse contexto, insere-se a questão da capacidade civil do cidadão indígena. 

Em breve síntese, cumpre destacar que, no ordenamento jurídico pátrio, o Código Civil de 2002 dispõe somente que “a capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial”. Ocorre que a legislação especial vigente é o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/1973), diploma que antecede diversos documentos importantes sobre o tema, como, por exemplo, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), a Convenção n. 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em julho de 2003, e a própria Constituição Federal de 1988. Todos esses documentos citados possuem uma clara diferença em relação ao Estatuto do Índio: aqueles consagram a auto identidade dos povos nativos, este adota uma perspectiva integracionista. 

Esse integracionismo pode ser visto, por exemplo, no art. 1º, quando este dispõe que o objetivo da lei é integrar os índios, “progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”. Também pode ser observado no art. 4º, que classifica o indígena conforme seu “grau de integração” em três categorias, a saber: isolados, em vias de integração e integrados. O que nos interessa, porém, é o art. 8º, que diz que são nulos quaisquer atos praticados entre um “índio não integrado” e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena. Este, e outros dispositivos do mesmo diploma, evidenciam uma noção que permeia todo o Estatuto, sobretudo quando este condiciona o indígena a uma tutela específica e limita o exercício de sua capacidade civil. A noção de que a condição de índio é uma categoria transitória, fadada a eventual assimilação pelo padrão civilizatório considerado como ideal. 

A negação de uma organização cultural que não segue padrões hegemônicos é, de acordo com Sara Araújo, justificada por uma linha abissal imposta pelas pretensões universalizantes e pelos parâmetros de sociedade civilizada conforme definidos pela ciência moderna. A autora ilustra isso quando sugere uma monocultura do universal, na qual as peculiaridades das sociedades indígenas seriam invisibilizadas pela lógica global, ou seja, pelas formas de organização social conforme as “epistemologias do Norte”. O Direito não é 

alheio a esse fenômeno, tal como se verifica na perspectiva integracionista do Estatuto do Índio, que institui um regime tutelar específico para “auxiliar” o indígena a se inserir nessa lógica global. 

Ocorre que essa perspectiva foi superada pelos documentos internacionais citados anteriormente, e, sobretudo, pela nova ordem constitucional instaurada com a Carta Magna de 1988. Apesar disso, os dispositivos do Estatuto do Índio que limitam a capacidade civil do indígena e veiculam essa lógica integracionista permanecem em vigor. Diante da inércia legislativa, os tribunais têm sido mobilizados a se manifestarem sobre o tema, sobretudo na última década. As decisões vão no sentido de afastar a responsabilidade do Estado por atos de indígenas e de não condicionar o acesso à justiça do índio à representação da FUNAI. É o que se verificou em decisões como a do TRF da 3ª Região que, em 2017, na Apelação Cível 0001099-58.2010.4.03.6006 MS, afirmou que o regime especial tutelar do Estatuto do Índio, que limita a capacidade jurídica plena do indígena, não foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988. No mesmo sentido, o STJ, em 2020, no REsp 1685058, afirma que os índios possuem plena legitimidade processual, em decorrência de sua capacidade civil, contrariando, mais uma vez, as disposições limitantes do Estatuo do Índio.

Portanto, verifica-se que os tribunais têm consagrado a perspectiva multicultural trazida na atual Constituição e nos documentos internacionais referentes ao tema. Ao negar a noção de índio como categoria transitória, não o condicionando a qualquer forma de integração como requisito para o exercício de direitos, reconhece-se válida, ainda que de forma tímida, uma forma de organização não hegemônica. 


Pedro Olivatto Zanutto

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h56

Sociologia das ausência, na concepção de Boaventura de Sousa Santos, e o caso Pinheirinho

 Segundo Boaventura de Sousa Santos, a aplicabilidade e a eficácia da sociologia das ausências estariam atreladas, predominantemente, ao papel desempenhado pela Defensoria Pública e à capacitação jurídica dos membros das localidades econômica e socialmente mais desfavorecidas. Por meio dessa experiência de justiça comunitária, esses membros locais seriam capazes de interpretar juridicamente os litígios de seus cotidianos e levar à esfera judicial suas pretensões e tornar visíveis as violações aos seus direitos fundamentais. 

A experiência da justiça comunitária seria responsável por consolidar a sociologia das ausências nas resoluções de conflitos judiciais e por, estando em consonância com os princípios democráticos, tornar plenamente eficazes os direitos constitucionais, como o acesso à justiça. Essa premissa é ilustrada pelo caso denominado Pinheirinho, em que a juíza Márcia Loureiro concedeu a liminar de ação de reintegração de posse pela massa falida da empresa Selecta, violando o direito fundamental à moradia (art. 6º da Constituição Federal), das famílias que ali residiam. A decisão foi objeto de agravo, mas nota-se que, sem esse aparato jurídico desenvolvido por órgãos jurídicos como a Defensoria Pública e o Ministério Público, esses indivíduos não teriam seus direitos de acesso à justiça contemplados. 

Sem qualquer experiência de justiça comunitária, não apenas o direito de acesso à justiça dessas famílias seria violado, mas também não seria possível evidenciar as violações de direitos humanos a que foram submetidas. No caso em tela, por meio da atuação do CONDEPE, foram ouvidos 507 relatos de casos de violência física, moral, violação de direitos e danos materiais que serviram como base para a instrução de inquéritos no âmbito da Defensoria Pública. Ou seja, por meio da atuação de órgãos que possibilitam e ampliar o espaço de acesso à justiça, que essas famílias puderam ser ouvidas e terem as pretensões de sua luta levadas ao poder judiciário, podendo questionar a perspectiva contra-hegemônica. 

Como evidencia Boaventura de Sousa, a luta democrática é, antes de mais, a luta pela construção de alternativas democráticas, e, no caso exposto, a luta para que a sociologia das ausências seja evidenciada nas decisões judiciais. 


REFERÊNCIAS 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2011. [Cap. 2: “O acesso à justiça”, p. 31-47; Cap. 3 “O ensino do direito e a formação profissional”, p. 54-66”]

Camila Marcelo de Toledo

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h27

 Sara Araújo em seu trabalho, explicita de forma muito inteligente e interessante a desigualdade abissal presente na sociedade. Abismo esse que se configura tanto de forma jurídica como epistemológica, tal diferença conceituada como sul e norte, onde o norte é dominante e sempre atuando para excluir o sul das ideias age de forma para garantir a ordem colonialista.

As sociedades ao redor do mundo todo sempre elegeram seu norte ideológico, jurídico, moral etc., sempre segregando quem esta as margens da ideia dominante, Sara justifica que temos que inverter essa lógica e rever conceitos, mudar cânones e principalmente descontruir o primado da ideia nortista que sustenta o colonialismo e o capital, ou seja, avanços precisam ser feitos. O indeferimento da ação de reintegração de posse da fazenda primavera nos dá um horizonte que mudanças podem ser feitas (mesmo dentro do capitalismo) para fortalecer ideias do sul e garantir direitos frente a investida colonialista.

Tal horizonte de vitorias mesmo dentro do capitalismo é referenciado por outros autores além de Sara, Alysson Mascaro é um claro exemplo. E qual vitória é essa? Essa vitória chama “função social” que está presente em nosso ordenamento jurídico desde 1934. Antes de 1934, principalmente durante as constituições de 1824 e 1891, o colonialismo interno e oligarquias preenchiam todo o direito e deixava as margens todos aqueles que não faziam parte do grupo dominante. Trabalhadores poderiam passar gerações em um pedaço de terra sem ter seus direitos ou proprietários poderiam deixar grandes latifúndios parados mesmo que milhares precisam dessas terras. Na época o direito à propriedade era absoluto e isso perpetuava a sociedade excludente e colonial, mesmo após a independência.

As lutas campesinas e dos trabalhadores resultou na lei de função social da propriedade, mesmo dentro do sistema colonial, a população conseguiu uma luz, um dispositivo anticolonial, contra hegemônico para fazer de suas lutas um pouco mais justas. E é através da luta pela função social que os proprietários Plinio Formiguieri e Valéria Dreyer Formiguieri perderam suas propriedades para trabalhadores por não cumprirem com a função social da propriedade no artigo 5 da constituição de 1988. Tal artigo expõe a vitória do sul jurídico frente ao pensamento jurídico burguês colonial, como diz Sara “Se a justiça social global depende da justiça cognitiva global e se esse objetivo envolve um exercício de ecologia de saberes que combate o desperdício da experiência (Santos, 2007), exige, também, um exercício jurídico epistémico que permita o reconhecimento da pluralidade jurídica e dos seus 

significados políticos sem sobrepor diferença e desigualdade.”

Na parte do voto de indeferimento do desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior ele demonstra sensibilidade em fazer justiça e desafiar o norte ideológico, remetendo a fala de Sara quando diz “Nessa atividade, muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com a interpretação jurídica tradicional. Periodicamente é necessário revisar conceitos, adequando-os aos novos fatos, de nova época, e sob contexto diverso daqueles existentes não apenas ao tempo da criação da norma, mas principalmente quando da fixação da exegese sedimentada.” 

Em geral ainda existe um abismo abissal entre o sul e norte jurídico, entretanto votos como o de Carlos no caso da fazenda primavera mostra que a luta e ocupação do direito pode render bons frutos. O importante é não nos darmos de satisfeitos, precisamos continuar a preencher o direito com nosso sul epistemológico para que novas funções sociais sejam angariadas.

João Vitor Pereira de Oliveira- direito diurno

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h25

 Boaventura em seu trabalho “Para uma revolução democrática da justiça” mostra uma serie de conceitos, dispositivos, e ações para ampliar os horizontes do direito, mudando o foco do hegemônico e colocando o foco sobre o novo, o diferente.

O caso da vitória judicial para a cirurgia de transgenitalização pelo SUS encaixa de forma simbiótica nas ideias do intelectual português. Boaventura explicita várias ideias, entretanto aqui vamos focar em como os tribunais promovem transformações no Estado, o acesso à justiça e por fim os tribunais e os movimentos sociais.

As decisões jurídicas tomadas pelos tribunais mudam a forma como o Estado e seu funcionamento se dá, o autor nos traz o exemplo da corte italiana que durante a década de 1990 mudou o sistema político italiano com a operação “mãos limpas”. No caso da decisão da cirurgia da comarca de Jales, isso altera a noção de Estado que temos, que é sempre conservador, positivista e dá novos contornos de liberal, de tolerante ao novo.

A questão posta por Boaventura sobre o acesso à justiça e que devemos a universalizar é principalmente importante em casos como este. A pessoa transgênero sempre foi excluída da sociedade e consequentemente do direito, mas quando decisões como esta são dadas, isso fortalece as pessoas desses grupos a buscar a justiça. Em períodos anteriores nunca essa causa seria ganha, pessoas transgênero se sentiam invisíveis pois mesmo que tentassem o acesso à justiça, sua causa seria negada. Por isso novidades judiciais como a de Jales abrem novas jurisprudências e encorajam minorias antes excluídas e buscar o judiciário.

Santos por fim; “No âmbito da revolução democrática que vos proponho, o sistema judiciário vai ter que buscar outro tipo de relacionamento com os movimentos sociais. As queixas do movimento negro, do movimento dos sem-terra, do movimento indígena em relação ao sistema judicial, são justificadas, em grande medida, pela grande insensibilidade que sentem em face dos seus problemas, dos seus direitos...” o posicionamento do judiciário de Jales contribui para revolução democrática proposta com Boaventura. O aumento da sensibilidade dos operadores de direito frente as reinvindicações dos movimentos sociais, como o LGBT reflete numa verdadeira revolução. A decisão de Jales põe em xeque o positivismo frio dos juristas e inicia um momento de maior razoabilidade do judiciário frente aos movimentos sociais.

João Vitor Pereira de Oliveira- direito diurno.

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h25

Palestras Professor Jonas Rafael dos Santos – Achille Mbembe


O Professor Doutor em História Jonas Rafael dos Santos discorreu palestra no dia 02/12 a respeito das ideias do intelectual camaronês Achille Mbembe. Abaixo, discorreremos a respeito das ideias apresentadas:

- O brutal assassinato de George Floyd escancarou o racismo como instituição que construiu a história para consolidar relações de poder. A escravidão de africanos negros no continente americano foi a base econômica para dominação europeia e as consequências sociais são evidentes até hoje nas relações de trabalha e nas oportunidades de educação que a raça negra pode obter, consolidando o conceito de raça um balizador e organizador do sistema capitalista;

- De acordo com Mbembe, os Estados Unidos praticam a necropolítica para legitimar sua democracia. O assassinato de George Floyd não foi um “acidente”. A necropolítica de Mbembe trata o racismo como um vírus, por meio da predação de corpos das pessoas negras. O racismo da sociedade estadunidense propicia que os “acidentes de George Floyd” sejam estruturais e que enormes reparações fazem-se necessárias.

- No Brasil, os assassinatos ocorrem de forma “oficial”. O fim da escravidão não foi permeado de políticas de inclusão. Como os acessos às escadarias de boas escolas e universidades, bem como de boas oportunidades de trabalho e renda, fez com que a sociedade se tornasse racista. Especialmente em relação ao Poder Judiciário, em que o restrito e elitista acesso a cargos de magistratura são marcantes, o racismo não tem importado muito ao direito. A Constituição de 1988 elencou diversos direitos sociais e liberdades públicas, mas alguns TJs estaduais têm desprezado tais preceitos. As Defensorias Públicas, muitas vezes, sofrem com disputas orçamentárias com outros 

órgãos do Judiciário, fazendo com que atividades burocráticas tomem tempo de efetivas políticas inclusivas. O desdém praticado por TJs em relação a associações populares revelam que a estrutura técnica do direito tem sido posta em prática de forma exclusiva, com linguagem hermética para dificultar acessos e minimização de injustiças.

- Mbembe lança mão dos conceitos de Michel Foucault de biopolítica e biopoder. Este pode ser compreendido como uma política sobre o corpo, em que o poder constituído extrai do ser humano regularidades para manutenção de sua força produtiva por intermédio de instituições, como colégios, cárceres e indústrias. Aquela volta-se ao controle e à regulação das massas, lançando mão de rotinas e práticas para comandar aspectos humanos como epidemias, deslocamentos e migrações e natalidade. Mbembe “acrescenta” o componente racista como organizador do capital aos conceitos de Foucault. A Globalização e o Neoliberalismo atuam como deveres para moldagem dos indivíduos negros à primazia do capital. O termo "negro" é uma invenção da Europa para legitimação da superioridade branca e o transporte dos africanos para a América ao longo de séculos foram "criptas vivas" do capital. Mbembe defende que o conceito de raça para os negros é uma significação de não-ser, assim como a África é um não-lugar que funcionou de forma eficaz para a acumulação de capital. Por fim, o Neoliberalismo influencia o conceito de raça, pois provoca danosa mutação na instituição do racismo: raça não é somente a conversão em objeto, transcendendo a aparência, tornando o conceito de racismo não somente biológico. 

- O Professor Jonas Rafael ainda discorre sobre o 11/09/2001 como um divisor de águas na “criação de inimigos”. Em um mundo de fronteiras informacionais cada vez mais diluído, o Estado Neoliberal, cuja simbologia máxima são os Estados Unidos, lançou mão do ataque às torres gêmeas como um fator de criação de inimigos. 

- Ao tratar do Rio de Janeiro, apresenta-se a ideia de que as favelas são laboratórios estatais da necropolítica. A Favela é um típico exemplo do não-ser: aos olhos das telas de celulares e de TV, ficam escondidas e tornam-se um não lugar pela lógica da inexistência dos que vivem lá. Inexistência para o mundo espetacularizado da globalização, mas de enorme utilidade para a exclusão que o capital proporciona. 

 - Como relacionar o Direito às ideiias de Mbembe e à sociedade brasileira? A ciência social do Direito é consequência dos processos históricos pelos quais passa uma sociedade. E a estrutura socioeconômica brasileira foi construída pela expropriação de 

riquezas (ou pela inclus]ão de riquezas úteis para a Europa), pela exploração de corpos e mentes para aumentar tais riquezas e organização política para manutenção da exportação da mesmas. Sendo assim. o reflexo escravocrata vemos hoje: não-emprego, não-moradia, não-renda, não-dignidade, não-direitos sociais, não-juízes, não-promotores,  não-lugar e não-ser para muitos indivíduos negros.


CURSO: DIREITO – Período Noturno

Disciplina: Sociologia do Direito

Ricardo Camacho Bologna Garcia – Número UNESP: 211221511

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 10h37

O conflito entre interesses locais e atividade econômica-empresarial na perspectiva de Sara Araújo

 Este breve texto pretende realizar uma análise crítica relacionando o julgado da Ação Popular n.º 0015215-83.2016.4.01.3300 e o texto de Sara Araújo intitulado “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”. Primeiramente, cumpre destacar que a discussão jurídica desse julgado consiste no conflito entre os interesses de determinada comunidade local e a atividades de uma empresa petroquímica na mesma localidade. 

Segundo o autor popular,  a obtenção, pela a empresa petroquímica, de licença ambiental para instalação de um porto na região violaria o direito de lazer da comunidade local, direito fundamental assegurado pela Constituição Federal. Não obstante, alega o autor que a possível instalação de um porto naquela localidade estaria colocando em risco a saúde dos indivíduos daquela comunidade, à medida que haveria intenso deslocamento de produtos químicos e extremamente nocivos para a população. Analisados os autos, o juiz, utilizando-se de um viés econômico, compreendeu que não havia, nesse caso, qualquer violação de direito e julgou improcedente as pretensões do autor popular. 

Esse julgado ilustra a premissa de Sara Araújo de que tudo o que é local ou particular é invisibilizado pela lógica global. No caso em tela, é perceptível a prevalência da lógica econômica-produtivista, aliada ao direito técnico, em detrimento dos interesses e direitos fundamentais da comunidade local. Nessa perspectiva, não há espaço para visualizar, compreender e proteger os direitos fundamentais dos indivíduos locais, mas apenas para atender a lógica econômica da empresa petroquímica que se 

sobrepõe à noção de localidade e, de certo modo, torna-se global. 

Como enfatiza Sara, “esse modelo jurídico, que se apresenta como técnico e não político, respeita mais os mercados do que as pessoas, atropela ordenamentos jurídicos que regem outras culturas e outras organizações políticas e cria uma sociedade civil incivil”. Essa sociedade incivil se constitui pela impossibilidade de compreender que, mesmo que se trate de interesse local e direitos de uma minoria, para os indivíduos daquela localidade são aspectos sociais, como o lazer e a saúde, fundamentais para a organização social tradicional e o respeito à dignidade humano e aos preceitos constitucionais. 

Por fim, cabe ressaltar que, da mesma forma que conclui Sara em sua análise, o direito técnico aplicado a esse caso em tela, ao assumir os interesses da empresa petroquímica como tudo o que importa na resolução do caso, está sendo responsável pela imensidão de experiência desperdiçada. Experiência essa que só seria possível em um contexto de coexistência de interesses da comunidade local e da empresa, de modo que um interesse não viole o outro, e, para isso, seria necessária a aplicação de um direito não somente técnico, mas também político. 


REFERÊNCIAS 

ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.º 43, set/dez 2016, p. 88-115. 

Camila Marcelo de Toledo

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 10h18

Direito Brasileiro: um instrumento para o privilégio burguês

 Durante o colonialismo, como afirma Sara Araújo em seu artigo “O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, o Direito ocidental e eurocêntrico serviu como forma de legitimar o acúmulo irrestrito de terras em nome do crescimento e estabilização do capital. Foi este Direito, escrito pelo colonizador, que, ao ditar os limites da legalidade - o que é o “correto” e o “justo” dentro de uma sociedade, que ações [e que categorias sociais que as cometerem] serão punidas pela mão estatal - viabilizou, por séculos, a estrutura colonial que assegurava os privilégios de uma classe, raça e nacionalidade dominante (a burguesa, branca e metropolitana) de enriquecer sobre o subjugo de outros humanos e seus direitos pessoais e comunitários. O Direito não só permitiu, como outorgou ações como a escravidão e - como aqui tratado majoritariamente - o acúmulo fundiário às custas da dizimação das populações indígenas originárias que ali viviam e produziam seus meios de sobreviência. Alegando o terras nullius e invalidando o Direito indígena, invocando apenas o por eles definido para os favorecer, ilegalizavam a posse da terra por quem realmente a trabalhava, para torná-las, muitas vezes, improdutivas, servindo apenas para aumentar o patrimônio de quem as toma.


   Da mesma forma - e sendo, os problemas atuais aqui tratados, herança direta dessa forma de colonização e organização agrária brasileira e do Direito eurocêntrico subserviente ao projeto capitalista - expressa-se a ação para a violenta reintegração de posse da fazenda Pinheirinho em São José dos Campos, onde cerca de 10 mil pessoas viviam há mais de 8 anos, onde famílias haviam se estruturado e casas haviam sido erguidas, sendo, aquele enorme terreno abandonado, o único meio destes milhares de trabalhadores e trabalhadoras conseguirem ter um lar para se abrigarem, viverem e sobreviverem. Neste contexto, o Direito, expresso principalmente pelas ações da juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, agiu novamente como um braço da ordem burguesa, buscando favorecê-la. A juíza declarou que ela e a legislação consideram equiparável o direito à propriedade improdutiva e que serve apenas para  assegurar o lucro da especulação fundiária ao direito básico à moradia, à ter um teto - mesmo que em condições precárias - para um trabalhador proteger a si e à sua família. Porém, além de expressar este aspecto “pró hegemônico” do Direito nesta aplicação superficial da lei, ela o evidenciou na própria ação dos magistrados, já que a juíza buscou ativamente trabalhar para que a reintegração ocorresse de qualquer maneira, cometendo, para isso, irregularidades dentro e fora dos tribunais. Márcia indeferiu liminares, ignorou as tentativas de conciliação e ainda fez propaganda midiática contra a ocupação, violando todo o princípio de impessoalidade e imparcialidade, com o único objetivo de usar o Direito para fortalecer o projeto capitalista neoliberal e matar suas alternativas, por mais sutis que sejam. 


   O Direito como uma ferramenta para expansão e legitimação do projeto capitalista também se faz presente ao determinar quem terá suas atitudes (muitas vezes sendo a única alternativa para a sobrevivência) consideradas ilegais e sofrerá as consequências da violência, privação de liberdade e desamparo estatal e quem terá suas ações ilícitas, frequentemente cometidas em proporções muito maiores, perdoadas e abafadas pela justiça. O terreno em que a ocupação se estabeleceu estava em situação de ilegalidade mesmo  por parte do alegado proprietário à quem a justiça concedeu a causa. A propriedade estava abandonada há décadas, nunca havia pago impostos e possivelmente foi fruto de grilagem. Além disso, o dono estava envolvido em diversos processos de lavagem de dinheiro que nunca tiveram consequências efetivas. E mesmo assim, foram considerados infratores e violadores da lei que ferem direitos, os trabalhadores que residiam no assentamento pelo cumprimento do princípio constitucional da função social da propriedade. Soma-se a isto a questão de que, ao fechar-se para as vozes das minorias, o Direito perde a oportunidade de se enriquecer. Ao ignorar e combater as formas como estas comunidades tradicionais se organizam e resolvem litígios - já que muitas vezes não podem recorrer à justiça formal por conta de sua situação irregular ou por falta de recursos - o Direito perde experiências jurídicas e a chance de incorporar novas e melhores formas de conseguir solucionar os conflitos que superlotam o sistema judiciário (questão que a juíza alega para justificar sua decisão desumana). Deslegitimar outras formas de direito, diferentes daqueles posto somente para atender aos interesses hegemônicos o torna limitado, ineficiente para atender às novas demandas sociais (como a questão da reforma agrária no Brasil) e enfraquecido epistemologicamente. 

Sofia Moreira Pinatti

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail 06 dez. 2021, 08h46

O caso Lula sob a ótica de Boaventura de Sousa Santos

 Segundo Boaventura de Sousa Santos, o direito pode ser mobilizado para transformar-se em uma grande ferramenta para o combate de injustiças e desigualdades. Para o autor, o Direito precisa ser mobilizado para assumir uma perspectiva cada vez mais emancipatória, tornando-se um aparato para que o povo possa reivindicar seus direitos dentro do campo social. Em seu texto ‘’Para uma revolução democrática da Justiça’’, Sousa Santos destaca a necessidade do indivíduo aproximar-se do conhecimento jurídico que trata de seus direitos enquanto cidadão, pois este saber é uma força potencializadora da autonomia jurídica e política daquele indivíduo, visto que muitas vezes esse sujeito acaba se distanciando de um mundo que fala ‘’juridiquês’’ justamente por não entender e acompanhar o linguajar que já tornou-se comum - embora arcaico - nos espaços da Justiça. Quando não adaptados de acordo com as realidades populares, o entendimento sobre o que é o Direito torna o acesso a ele quase impossível, dificultando a participação política e social de indivíduos que podem ser agentes transformadores, pois possuem demandas sociais que são manifestadas de maneira particular e/ou coletiva no meio social.


A necessidade de uma nova face jurídica é o ponto de partida para fazer o Direito perder o caráter mecanicista e elitista para assumir um tom mais humanista, levando em consideração questões que estão além das normas positivadas e que fazem parte de uma sociedade que é atravessadas por diversas narrativas que se encontram e diferenciam-se sob os mais variados aspectos. A ideia de uma revolução que democratize o acesso à Justiça é fundamental para Boaventura, pois sinaliza que os indivíduos sociais poderão atuar na sociedade não somente de forma passiva, mas de maneira ativa e interventora. 


Para explicar diversos acontecimentos sob o argumento do não reconhecimento das regras que regem o Brasil, é possível analisar um caso famoso no qual o um dos princípios básicos da Constituição que prega que ‘’todos são inocentes até que se prove o contrário’’ foi severamente desrespeitado em função de artimanhas políticas. 


Por exemplo, no ano de 2018, foi decretada a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi um preso político solto depois de 580 dias encarcerado, recebendo sua soltura em 2019 após o Supremo Tribunal Federal(STF) ter considerado inconstitucional a prisão de segunda instância que condenava o político pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Para muitos, a prisão de Lula foi um ato louvável que partiu da decisão do juiz Sérgio Moro e estava em conformidade com a Lei Maior. Entretanto, por falta de conhecimento acerca do mundo jurídico, a massa da população foi condicionada por fake news e fanatismos fundamentados no conservadorismo, de que aquela prisão que acontecia, era até então um dos maiores feitos da justiça brasileira sem notar que o caso, na verdade, estava sendo tratado de maneira totalmente arbitrária e inconstitucional. 


 Após muitas tentativas da defensoria de Lula apresentar as inconstitucionalidades no processo, o caso do ex-presidente tornou-se famoso mundialmente por exemplificar de modo direto e óbvio que o cerceamento da liberdade do ex-metalúrgico foi uma prisão política. A decisão parcial de Moro nada relacionava-se com as normas jurídicas do país, servindo apenas aos interesses de uma classe política que tinha como plano orquestrar a prisão de Lula para tirá-lo da corrida presidencial, pois sabiam que assim facilitariam o caminho da vitória para o atual representante da República.


Por falta de conhecimento jurídicos acerca dos direitos que são intrínsecos a todo e qualquer cidadão, muitos brasileiros foram manipulados e direcionados a acreditar que uma prisão que ia contra a Constituição do país estava amparada na legalidade. Após o caso sofrer muita pressão popular com o movimento ‘’LulaLivre’’ que tomava conta do Brasil justamente por reconhecer ilegal a prisão do famoso político, Lula foi absorvido das acusações e solto. A liberdade do petista foi fruto de uma insistente manifestação que crescia cada vez mais e estava tomada pela consciência e clareza que o processo contra Lula, era um processo injusto. Assim, é possível perceber a importância de ter conhecimento de direitos básicos que envolvem a noção de dignidade humana, pois quando os indivíduos começam a perceber o poder político e jurídico que carregam em seus corpos, o acesso à justiça deixa de existir somente no mundos da ideias e começa a concretizar-se de forma sólida nos espaços sociais. A análise de julgado do caso Lula é a prova de que quando a população tem conhecimento do funcionamento do ordenamento jurídico, ela pode mobilizar o Direito e usá-lo como ferramenta democrática.


Seguindo as ideias do autor, promover a expansão do Direito de forma a combater a vontade e os interesses hegemônicos, é uma constante batalha que precisa ser travada por diferentes grupos nas mais diversas situações. Além disso, o intelectual também discute o papel dos operadores do Direito, destacando a necessidade de formar a consciência de que os advogados não podem ser meros reprodutores do Direito, mas sim cientistas que precisam buscar compreender cada vez mais a formação sociocultural do contexto em que estão inseridos, impulsionando sua atuação jurídica em prol das urgências sociais que fazem parte de um projeto popular que tem a função de lutar por aqueles que são injustiçados e marginalizados. Possuir conhecimento acerca dos direitos e reivindicá-los, é uma estratégia de luta que aponta para desenvolvimento de uma justiça democrática que emancipa os indivíduos, colocando-os de frente com uma possível chance de reestruturar o ensino, o entendimento e a prática jurídica na sociedade.


PEDRO OLIVEIRA SILVA JÚNIOR -  DIREITO / NOTURNO

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail dia 06 dez. 2021, 04h22


O embate entre o Sul e o Norte na Bienal do Livro


Sara Araújo apresenta um debate emblemático acerca de como o mundo jurídico está comprometido a apresentar e valorizar um olhar etnocêntrico que se apoia em ideais eurocêntricos. A autora aponta em seu raciocínio o fato do Norte sempre posicionar o mundo de acordo com suas visões, ignorando e menosprezando experiências que estão ao Sul, evidenciando como existe um monopólio do Norte em diversos setores sociais, inclusive no meio jurídico. Nesse sentido, Sara demonstra em seus estudos na obra ‘’ O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone'' como a hegemonia do Norte tomou conta de espaços que deveriam ser plurais, sistematizando o modo com as relações jurídicas, culturais, pessoais e coletivas estabelecem-se e configuram-se no meio social. Assim, é possível perceber que a problemática exposta busca discutir como o Norte se comporta de maneira hegemônica negando outros saberes, experiências e realidades que vem do Sul, ao mesmo tempo que também discute a necessidade de se pensar o mundo jurídico fora da forma como ele é apresentado e executado na sociedade, segundo Sara: "Do outro lado da linha, múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos.”


Para adentrar o pensamento da estudiosa e relacioná-lo com situações concretas, é possível desvendar esse olhar hegemônico em uma análise de julgado que refere-se ao caso da proibição de uma HQ que possui entre suas páginas dois personagens do mesmo sexo que relacionam-se de maneira amorosa. O caso que aconteceu em 2019 na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, despertou debate nacional quando o até então Prefeito Marcelo Crivella decidiu fazer uma ‘’caça às bruxas’’ para retirar o livro em quadrinhos de circulação, pois segundo sua visão de mundo, tal conteúdo ofende setores da sociedade e expõe o relacionamento homoafetivo, algo que segundo Crivella, não é correto, já que os livros são destinados ao público jovem. Nesta situação descrita podemos considerar que o posicionamento do prefeito está alicerçado em um posicionamento que poderia ser interpretado como o Norte, pois este impõe suas vontades e crenças, descartando e crucificando outros modos de relacionamentos. E a circulação e existência das revistas em quadrinhos pode ser encaixado como uma ação que advém do Sul, pois apresenta uma relação que não segue os critérios de relacionamento estabelecidos num viés conservador, desafiando uma lógica moral imposta.  É possível entender que a dinâmica apresentada coloca em combate dois lados: O Norte, com o pensamento de que tudo que desvie do convencional é descartável e inferior; E o Sul, com a apresentação do novo, valorizando questões que envolvem a dignidade de grupos minoritários e apresentado para a sociedade relacionamento que existem e não podem ser invisibilizados no espaço social, pois qualquer tipo de censura é um ataque direto a ideia de liberdade que está intimamente relacionada à noção de dignidade humana, direito este que consta positivado na Constituição Federal.


Ao reverberar que questões de gênero prejudicam uma determinada moral já instituída, o Prefeito nega e repudia qualquer comportamento que não esteja aliado à heterossexualidade. Logo, temos aqui uma atitude que tenta se fazer valer hegemônica para prejudicar e condenar outras experiências que não se enquadram nessa lógica. Entretanto, apesar da grande movimentação para condenar os livros de temática LGBTQIA+, Crivella nada conseguiu fazer, pois o STF posicionou-se contra o ato antidemocrático e conservador do gestor público, alegando que tal decisão vai contra o Estado democrático de Direito.


 Em uma situação como essa, Sara Araújo discute então a ideia de potencializar um meio jurídico que tenha como direcionamento o pluralismo, pois só assim será possível desenvolver uma sociedade democrática que leve em conta a vida de todos os indivíduos, fazendo valer seus direitos enquanto respeita as particularidades de cada existência. Descolonizar pensamentos e criar novas fronteiras, segunda a autora, é abrir novos caminhos para que as ideias do Sul também possam exercer seus direitos de existência, pois desafiar o cânone hegemônico é uma ação que busca valorizar, compreender e respeitar outras vivências enquanto nega seguir experiências apresentadas como únicas e corretas. 


PEDRO OLIVEIRA SILVA JÚNIOR - DIREITO / NOTURNO 

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail 06 dez. 2021, 02h33

O acesso à justiça e a defensoria pública

É fato notório que no Brasil o acesso à justiça não é universal. Segundo a pesquisa Justiça em Números, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em relação à procura pelos serviços da Justiça, no ano de 2018, a cada 100 mil habitantes, apenas 11.796 fizeram uso do judiciário com uma ação judicial ou extrajudicial (1). Ou seja, apenas 11,7%.


O acesso de todos à justiça está expresso na constituição, tanto no Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou Direito de Ação, assim como no Princípio Constitucional de Acesso à Justiça, que está previsto como direito fundamental, individual e coletivo. A Constituição de 1988 (2) em seu artigo 5º, inciso XXXV, dispõe ainda que: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito.


Esses dados vão de encontro com as análises feitas pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, ao colocar que a democratização da justiça só pode ser concretizada se ocorrer o aumento do acesso à justiça, no sentido de sua universalização.


Naturalmente, os que mais sofrem com os obstáculos do acesso à justiça são os indivíduos em situação de vulnerabilidade, social e econômica, que muitas vezes têm acesso à justiça por intermédio de organizações não governamentais, instituições que prestam assessoria jurídica gratuita, ou a defensoria pública.


No caso da defensoria pública, houve ainda a expansão de suas possibilidades de atuação, em consonância com sua importância social, pelo ato da Lei n° 11.448/2007, que a possibilita a entrar com ações civis públicas, tutelando direitos coletivos e individuais.


Como exemplo dessa atuação, temos o Habeas Corpus nº 699572 – SP (3), impetrado pela defensoria pública do Estado de São Paulo, no STJ, que buscava a soltura de um indivíduo que estava em estado de prisão preventiva por ter furtado bens de consumo que somavam pouco mais de vinte reais. Como descrito no Habeas Corpus, foram furtados “dois refrigerantes, um refresco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo”.


No caso, o defensor expõe que o indivíduo passava fome, morava na rua e possuía cinco filhos. Por fim, o magistrado acatou o pedido e determinou a soltura imediata e o fim da prisão preventiva.


Caso a defensoria não agisse neste caso e em milhares de outros, injustiças como essa não seriam trazidas à tona e se alastrariam no ambiente da sociologia das ausências, onde os direitos de indivíduos e grupos vulneráveis não são garantidos, em um sistema de justiça que não os acolhe.


REFERÊNCIAS

(1)   Relatório Justiça em Números, CNJ, 2019.

(2)   FEDERAL, Senado. Constituição. Brasília (DF), 1988

(3) BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 699572 - SP. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Pualo. Relator: Min. Joel Ilan Paciornik. Data do julgamento: 13 out. 2021.


Miguel F. C. Rodrigues - Direito NOTURNO - 2° Semestre

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail. 06 de dez. de 2021, 00h23

A epistemologia do sul e a linha abissal

 No texto-estudo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, de Sara Araújo, a autora traz diversas colocações intrigantes a respeito da construção e da constrição do Direito, atribuindo a agentes em locais geográficos a autoria e os louros dessa lógica. Para a autora o Direito, junto a ciência, segue axiomas ditados por grupos hegemônicos, que constrangem e limitam o mesmo, fazendo-o cumprir unicamente uma epistemologia e colocando “pra lá da linha abissal” outros Direitos – locais, específicos, improdutivos, diferentes, atrasados, não evoluídos.


Contra essa lógica surgiria a epistemologia do sul, que em contraposição ao Direito nortenho e eurocêntrico, seguiria princípios que visam estabelecer uma horizontalidade das tradições jurídicas, fazendo-as coexistir e dando visibilidade às diversas civilizações e povos.


Vemos essa quebra de paradigma no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132.


Neste caso foi julgado o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar, visando a aplicação do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro para qualquer tipo de união estável, e não somente para a união entre homem e mulher.


Os efeitos dessa decisão foram imediatos e de fato fez-se efetivo um direito básico para uma parcela da população antes excluída e não atendida. Nos últimos 10 anos, foram registradas no brasil 21,6 mil escrituras de uniões estáveis homoafetivas. Só em 2020, foram 2.125.


Dessa forma, o fenômeno descrito por Sara Araújo se vê materializado em diversos casos no Direito brasileiro, principalmente nas últimas duas décadas, que inovam e positivam direitos e conceitos antes não atendidos no ordenamento.


Porém, vale-se ressaltar possíveis limitações. O norte geográfico compreende diversas culturas e civilizações, dentre elas muito diferentes. Devemos evitar o maniqueísmo e a simplificação de sistemas jurídicos, culturais e políticos, de forma a os entender em uma lógica limitada e generalizada, a servir muitas vezes um projeto político, como no caso da própria autora. Vemos, por exemplo, teorizações e tradições no Sul geográfico (igualmente diverso e multicultural), que vão em consonância a preceitos tidos como hegemônicos.


Assim, podemos dizer que devemos evitar “jogar o bebê com a água do banho” (ditado anglo-saxônico, com origem alemã, que assim como suas tradições jurídicas e científicas, tem muito a nos ensinar).


Miguel F. C. Rodrigues - Direito NOTURNO - 2° Semestre

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail dia 06 de dez. de 2021, 00h21

Massacre do Pinheirinho e as revolução democrática da justiça

Relação do caso em tela com o texto de Boaventura de Souza Santos: 

No livro “Para uma revolução democrática da justiça”, Boaventura de Sousa Santos discorre a respeito do modelo do Direito Europeu praticado sob a ótica da  ocidentalidade e os efeitos danosos que o discurso falsamente equânime como gerador de desigualdades decorrentes de um poder quase inquestionável: “ a uniformidade, a igualização e a homogeneização dos indivíduos facilita o exercício do poder absoluto em vez de impedi-lo.” 4 Se as promessas da modernidade continham em si um vigoroso potencial emancipatório, o afunilamento deste projeto político-cultural, a par do avanço e da consolidação do capitalismo como modo de produção, transformou a emancipação e a regulação social em duas faces da mesma moeda.”

Além do exposto acima, Boaventura de Sousa Santos defende novos olhares para as práticas jurídicas. Tais práticas “requerem que se amplie a compreensão do direito como princípio e instrumento universal da transformação social politicamente legitimada, dando atenção para o que tenho vindo a designar legalidade cosmopolita ou subalterna. Noutras palavras, deve-se deslocar o olhar para a prática de grupos e classes socialmente oprimidas que, lutando contra a opressão, a exclusão, a discriminação, a destruição do meio ambiente, recorrem a diferentes formas de direito como instrumento de oposição. À medida que recorrem a lutas jurídicas, a atuação destes grupos tem devolvido ao direito o seu caráter insurgente e emancipatório.”

Ao tentarmos relacionar a sequência processual do caso do Pinheirinho, bem como a postura dos membros do Judiciário envolvidos, podemos relacionar com as ideias defendidas por Boaventura de Sousa Santos. Especificamente em relação ao 

massacre do Pinheirinho, a relação é de não prática ou de desdém das ideias do autor português por parte dos membros do TJ-SP:

- Judiciário como possível medida de combate à pobreza e capaz de garantir interesses coletivos e difusos. No caso do Pinheirinho, nada disso aconteceu: o senso de urgência para a reintegração de posse foi, no mínimo, espantoso, a ponto de os juízes e desembargadores envolvidos no caso terem sido objeto de moção de repúdio e objeto de ação disciplinar no CNJ.

- Papel das defensorias e suas vantagens potenciais ao aplicarem a sociologia das ausências. Outro conceito de Sousa Santos desdenhado, especialmente pela juíza de primeira instância, que foi tratada como terceiro interessado no caso

 - Promotorias legais populares e o papel da advocacia popular como defensor de moradia popular urbana.  Especificamente, no caso do Pinheirinho, o papel da defesa dos interesses difusos, além de ter sido exercido pela DPU, associações também ampararam os moradores (Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais – ADMDS e CONLUTAS – Central Sindical e Popular).

- Advocacia popular como praticante de práxis própria como contraposição ao funcionamento tradicional da advocacia, com base no conteúdo epistêmico compromissado a causas populares e solidariedade social e pragmática. Infelizmente, no caso do Pinheirinho, as associações populares e a Defensoria Pública não conseguiram subverter pressupostos de imparcialidade e neutralidade de profissões jurídicas de alguns membros do TJ-SP.

- Formação profissional não foi por completo criada para responder a novas demandas sociais. As decisões do TJ-SP foram céleres para que houvesse exclusão dos moradores do local. Teria sido uma medida higienista? 

- Cultura generalista do direito em exercício do privilégio do poder e cultura autoritária dos privilégios do acesso à justiça para alguns indivíduos em detrimentos de outros.  A velocidade de decisão favorável à reintegração de posse à massa falida da empresa, bem como a truculenta forma de expulsão dos moradores deu o tom do exercício do poder.

-  Conhecimento do direito como sistema e ordenamento sem conectar à realidade e às práticas de resolução de problemáticas sociais. O terreno do Pinheirinho já estava servindo como morada já há sete anos, no mínimo. Desprezo à função social da propriedade.

-  Faculdades de direito propõem hermetismo ao dialogar com grupos sociais. Não é possível afirmar que as formações jurídicas dos componentes do TJ envolvidos no caso praticam tal hermetismo. Mas preceito constitucional foi desprezado. E a violência injustificada para retirada dos habitantes deu a medida do “tratamento jurídico”.  

CURSO: DIREITO – Período Noturno

Disciplina: Sociologia do Direito

Ricardo Camacho Bologna Garcia – Número UNESP: 211221511

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 5 de dez. de 2021, 11h14

Massacre do Pinheirinho e as exclusões abissais pela primazia do Direito

 Resumo do caso real: A massa falida da empresa Selecta impetrou ação de reintegração de posse de terreno localizado em São José dos Campos/SP. A ação julgada procedente pelo TJ-SP, que organizou, com os braços armados da Polícia Militar Estadual e apoio da Guarda Civil Municipal local (cidade que não recebeu durante 11 anos), a expulsão de 6 mil pessoas pobres (1/3 de crianças). De acordo com o Sindicato dos Advogados de São Paulo, a barbárie foi também jurídica: não se sabe como o terreno cambiou-se em propriedade da Selecta (pertencente à família de Naji Nahas), a empresa não exerceu em nenhum momento a posse do terreno (confusão nos conceitos de posse e propriedade), a ordem de reintegração de posse foi deferida em período inadequado processualmente e em nenhum momento foi possível identificar a função social da propriedade.

Adiciona-se aos pontos acima elencados que tramitava a regularização fundiária nas três esferas, bem como a União promoveu ação para que não houvesse o desalojamento das famílias do local. Mas a juíza estadual e o presidente do TJ-SP autorizaram a pancadaria policial nos moradores do terreno. No dia da ocupação, nova ordem federal impedia a reintegração, ordem esta descumprida pelo TJ Estadual. Raquel Rolnik, urbanista e observadora da ONU para assuntos relacionados à moradia urbana, promulgou apelo urgente pela injustiça do caso.

Por fim, o Sindicato dos Advogados de São Paulo informa que o caso do Pinheirinho não é isolado – sem teto ocupando imóveis na região da Cracolândia em São Paulo e terrenos indígenas invadidos por fazendeiros no Mato Grosso do Sul guardam semelhança pela truculência dos donos do poder econômico e pela conivência do Judiciário em não exercer de forma responsável a função social do Direito. 

Na decisão favorável à massa falida pela reintegração de posse, a juíza invoca um direito inviolável da propriedade esbulhada pelos moradores, pertencentes a um movimento invasor, bem com que não cabe ao Judiciário negar à massa falida o direito de esta dispor do terreno. A decisão, ainda, despreza as negociações federais de tornar o terreno de interesse social para fins de desapropriação. 

A decisão, de forma adicional, discorre a respeito dos direitos de propriedade e de moradia em nível hierárquico igual. E manda oficiar, com urgência, Prefeitura Municipal, todos os juízes de São José dos Campos, Polícia Militar local e Ministério Público.

Posteriormente à decisão em primeira instância acima tratada, o TJ-SP negou provimento ao recurso impetrado pelo espólio invocando a propriedade do imóvel por parte da massa falida da Selecta. A Defensoria Pública Estadual, via Agravo de Instrumento, invoca a importância do MST (Movimento dos Sem Teto) como norteadores de organização social dos necessitados, bem como a função Estatal prevista no artigo 5.º da Constituição de amparo e defesa destes, bem como seu interesse é social, não jurídico. Além disso, argumenta que a Defensoria Pública jamais deveria ser terceiro interessado no processo. Pedidos indeferidos.

A Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais – ADMDS, em conjunto com a CONLUTAS – Central Sindical e Popular, impetrou junto ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, Reclamação Disciplinar contra a juíza de primeira instância, contra o Presidente do TJ-SP e desembargadores do caso. OS argumentos de tal petição foram:

- ocupação de área abandonada por famílias organizadas, o que denota a força dos desamparados em relações comunitárias a lutarem pelo direito de moradia;

- tumulto processual por trás do massacre promovido pela Polícia Militar Estadual a mando do presidente do TJ-SP, com mortos e feridos;

- violação dos direitos humanos;

- violações processuais da juíza de primeira instância e imparcialidade na condução do processo;

- a conduta ética do presidente do Tribunal, Ivan Sartori;

- incompatibilidade de despejos forçados com o Pacto Americano de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

- necessidade de diálogo institucional diante do tratamento do Judiciário de casos de conflitos fundiários;

- pedido para transferir o caso para a PGR.


Relação do caso em tela com o texto de Sara Araújo: 

No texto “O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, Sara Araújo discorre a respeito do modelo de estudo e de prática do Direito Europeu como excludente e colonialista, promotor de exclusões abissais tanto do ponto de vista jurídico como epistemológico, desprezando a pluralidade do Direito e opressor da ampliação de sua aplicabilidade como fator indutor de justiça social. Discorre também que o cosmopolitismo da legalidade do direito é subalterno ao modelo capitalista excludente, sob as óticas econômicas, sociais e do usufruto de direitos fundamentais.

O caso do Pinheirinho ou, de forma mais específica, o senso de “urgência” da juíza de primeira instância, o massacre promovido pelo TJ-SP, as discussões éticas e processuais promovidas pelo Judiciário paulista, o desprezo pela função social da propriedade e pelos trâmites em instância federal das tratativas de tornar o terreno útil para desapropriação revelam a exclusão social proposta pela autora Sara Araújo. Vejamos algumas ideias do texto com o caso do Pinheirinho:

- O direito moderno é uma invenção ocidental adicionada ao mito organizado da noção de progresso. O século XIX, especialmente, nas suas últimas três décadas, foi marcado pelo talho dos territórios africano e asiáticos pelos países europeus, com o intuito de explorar seus recursos humanos e naturais, impondo visões preconceituosas e supremacistas, como o darwinismo social, por exemplo. Ou seja, impunha-se a tarefa civilizatória europeia a tais territórios. Na petição apresentada pela Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais – ADMDS ao CNJ, faz-se menção a “fúria que permeou as condutas dos atores das forças de repressão no Massacre do Pinheirinho, todos capitaneados pelo presidente do TJSP, é diametralmente oposta ao conteúdo que tais regras constitucionais de caráter 

     jurisdicional encerram – que “o Estado democrático ocidental continua a manter-se fiel a um nível civilizatório já alcançado. Percebe-se que o ocidental, conforme o Presidente do TJ-SP, é civilizatório, não importa se para alcançar tal “nível de civilização” sejam ceifadas vidas e cometam-se desvios éticos e processuais, em favor.... pasmem, de uma massa falida.

- Necessidade de reconhecimento do pluralismo jurídico como exercício jurídico epistêmico: tal conceito não envolveria, necessariamente o desprezo ao modelo colonial, mas sim deveria agregar a ampliação do cânone jurídico e expansão do primado do direito, especialmente pela ponderação da sociologia das ausências dos direitos dos oprimidos e pela necessidade do cosmopolitismo da legalidade. Neste ponto, o caso do Pinheirinho é um show de horrores. Juízes e Desembargadores desprezaram a importância da Defensoria Pública como parte do processo, desviaram a interpretação da função social constitucional da propriedade, desprezaram a situação de desdém produtivo sob a ótica econômica promovido pelos antigos proprietários e destacaram a importância do Judiciário como defensor do direito de propriedade, no caso de um terreno sem função econômica alguma para a empresa (processo de falência já em andamento).

 - Expansão do Primado do Direito e a colonialidade jurídica: evidenciados com cores fortes no caso do Pinheirinho. Nada mais colonialista que desprezar os oprimidos e desamparados de forma brutal e violenta em nome dos detentores de patrimônio. Para tanto, a juíza de primeira instância lança mão da neutralidade vernacular da técnica do direito de forma elegante, ao realçar a estrutura do Judiciário como argumento para o direito de propriedade ter mesmo “degrau hierárquico constitucional” que o direito de moradia. Nada mais subalterno à força do capital quando se tem famílias sem teto envolvidas no caso.

- Direito Ocidental como homogeneizador do mundo e Estado de Direito com conotação positiva associada à democracia: - como caracterizar de forma igual o Estado de Direito em um país com quase quatro séculos de escravidão e suas marcas, até então, indeléveis nas oportunidades de trabalho, emprego, renda e moradia para negros e pobres?

 - Ideologia das Instituições supera a ideologia dos indivíduos em ambiente capitalista colonialista europeu, que impõe estruturas marginalizadoras: o TJ-SP demonstrou isso ao dar regime de urgência a uma reintegração de posse a um terreno habitado há sete ou oito anos antes do massacre. Vale dizer que, desde o dia 05 de outubro de 1988, o Estado de São Paulo foi um dos últimos a efetivar e estrutura sua Defensoria Pública.

- Monoculturas do direito a serviço do rigor da ciência e da técnica: Sara Araújo trata de monoculturas como a do saber e da ciência, a da produtividade capitalista, da naturalização das diferenças e da própria técnica jurídica. Tais monoculturas assentam o direito em falácias quase deterministas, que expõem a colonialidade do pensamento moderno. A tentativa de interpretar a postura dos juízes de primeira instância e do tribunal à luz do texto de Sara Araújo podem desembocar em uma infame canastrice do Judiciário: a monocultura da produtividade capitalista, neste caso, nem era possível de ser argumentada – era um terreno de uma massa falida, de aquisição suspeita, e a monocultura da naturalização das diferenças pode distribuir a população por categorias. Nesse caso, a categoria dos “invasores”. Por fim, a monocultura jurídica despreza direitos locais e dos desamparados. 

- Imposição à força do Estado de Direito, desprezando pluralismo jurídico e eventuais possibilidades de justiça informal: A petição destinada ao CNJ e o repúdio da urbanista Raquel Rolnik são exemplos da necessidade de o Judiciário rever suas condutas em casos de conflito de posse de terras. De novo: no Pinheirinho, Estado de direito para quem?

-  Sistemas de justiça nem sempre resolvem quando a instrumentalização do Direito segue sua marcha excludente: resolver no sentido de se buscar a justiça social. O desapego ao pluralismo jurídico exigiria a atenção a todos os atores envolvidos. A indecência do caso em questão aloja-se no desprezo às tratativas da União no caso de cambiar a área em interesse de desapropriação.

- Justiça formal como violadora de direitos humanos e capaz de reforçar a discriminação: de forma irônica, o TJ-SP fez seu trabalho excludente de forma violenta. Clamou em senso de urgência a Polícia Militar Estadual e a prefeitura de São José dos Campos, de forma submissa, recrutou fileiras de sua Guarda Civil. 

- desprezo da necessidade de reforma jurídica diante da realidade óbvia do pluralismo jurídico: aqui o TJ, de forma irônica, “caprichou” – desconsiderou a história da ocupação do terreno, “desmemorizando” o processo; desprezou possíveis práticas de direito não estatal para resolução de conflitos, desprezando o papel da Defensoria Pública; desinteressou-se em contrariar interesses econômicos. 

- desprezo à ecologia dos direitos e, talvez, temor ao fato de que o pluralismo jurídico contribui a descolonização de ecologias jurídicas: TJ promoveu silenciamento diante do sofrimento humano, tratando os moradores como invisíveis, até “a hora de baixar o pau” no cumprimento da reintegração da posse. 

- promoção do cosmopolitismo subalterno diante do detentor do capital: TJ-SP desdenhou das formas de organização social dos moradores do terreno.

- utilização do Estado de Direito como modelo exportável que assegura hegemonia capitalista, promovendo silenciamento dos sujeitos: o TJ o fez ao convocar força repressora para expulsar do local os moradores. 

Por fim, façamos conexão do texto da Sara Araújo ao texto do Michael McCann. Este propõe que sociedades complexas têm apresentado fortalecimento político de Tribunais pela necessidade de manutenção dos direitos preconizados pela constituição federal. No caso do Pinheirinho, houve preocupação do TJ em tratar o caso com base no artigo 5.º da CF ou apenas uma subalterna atuação diante do capital?


CURSO: DIREITO – Período Noturno

Disciplina: Sociologia do Direito

Ricardo Camacho Bologna Garcia – Número UNESP: 211221511

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 5 de dez. de 2021, 11h14 



A necessidade de justiça nas demandas contemporâneas

  A justiça sempre esteve alicerçada, mesmo que implicitamente, na construção de qualquer forma de organização social. Isso se deve, porque a busca pela justiça é inerente à pessoa humana. Sobre isso, Mauro Cappelletti e Bryan Garth entendem “o acesso à justiça como “o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não só proclamar direitos”. É com base nessa premissa que casos injustos, como o do Pinheirinho, nos causa tanta inconformidade. O caso Pinheirinho foi a decisão judicial de despejar centenas de pessoas que ocupavam um terreno há quase 8 anos, porque uma empresa alegava ter a posse do terreno. Além da juíza fechar os olhos para a função social da propriedade, o despejo das pessoas do local ocorreu de forma totalmente violenta com inaceitáveis violações de direitos humanos. 

A partir disso, Boaventura reconhece que o sistema judicial não é capaz de sanar todas as injustiças sociais, isso só seria possivelmente realizável através de reformas, mesmo assim, adverte que o sistema judicial deve assumir responsabilidades na busca por soluções. Pois, se o Direito tem um papel na construção da democracia, deve assim atuar de modo articulado com as demandas sociais. E para além disso, sobretudo com núcleos sociais diversos e que buscam por uma ampliação da igualdade e do reconhecimento das diferenças. É a partir disso que o Direito pode transformar-se de um instrumento alienante e despolitizado para um Direito como ferramenta de luta contra a hegemonia. Um Direito envolvido com a realidade social e com a prática efetiva daqueles que demandam uma tutela da justiça. Sob essa perspectiva, se o Direito está ligado a uma ideia de justiça, o acesso à esta deve ser de forma ampla e irrestrita em uma sociedade democrática. 


Luisa K. Herzberg 

2º semestre Direito matutino 

Turma XXXVIII

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 4 de dez. de 2021, 23h36

Resistências e exceções contra um pensamento abissal

Em 15 de outubro, uma propriedade foi invadida por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Os proprietários da propriedade recorreram ao judiciário para uma ação de reintegração de posse, para que fossem restituídos na posse da área rural de sua propriedade. No entanto, o magistrado assentou a necessidade da demonstração do atendimento, pela propriedade, de sua função social. A decisão envolvia um conflito de direitos patrimoniais e pessoais, e o juiz, como intérprete da norma, aplicando o preceito abstrato à vida concreta, ponderou ser mais importante no caso a função social da propriedade. 

Apesar da função social da propriedade estar garantida na Constituição, com a finalidade de proporcionar um bem comum à toda coletividade, a decisão do caso citado acima ainda continua sendo uma exceção no mundo jurídico. Isso se deve ao fato de que o Direito se encontra inserido no modelo de pensamento moderno ocidental, a saber, o pensamento abissal. Trata-se de uma forma de pensamento que divide o mundo entre “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha” que desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. O mundo passa a ser compreendido por dicotomias impostas que invocam a ideia de caos/ordem, são pois, nutridas de uma lógica evolucionista, que sobrepõe diferença, inferioridade e anacronismo. E o Direito vêm ser uma das manifestações mais bem estabelecidas desse pensamento, no qual há uma linha abissal que separa o legal e ilegal, sendo estas as únicas formas de existência relevante perante a lei. Sobre isso Sara Araújo diz que “o Direito moderno ignorou ter um lugar de enunciação e reivindicou universalidade e poder para definir o futuro global”. 

Visto como o Direito é uma invenção ocidental, constitutiva do mito de ocidental do progresso, um localismo globalizado, as denominadas Epistemologias do Sul que são “o outro lado da linha”, não representam apenas o silenciamento, o sofrimento causado pelo capitalismo, colonialismo e patriarcado, mas também são a resistência, “em que cabe uma multiplicidade de conhecimentos excluídos do mapa e desperdiçados pela modernidade”. São as epistemologias do Sul que podem lutar por uma maior justiça. Justiça esta que é verdadeira, pois inclui na discussão  não apenas um visão, mas universos jurídicos e políticos excluídos, em que os dois lados são levados em conta, como na decisão tomada acima.


Luisa K. Herzberg 

2º semestre Direito matutino 

Turma XXXVIII

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 30 de nov. de 2021, 17h26

Feminismos plurais vs. monocultura do tempo linear: uma análise de julgado à luz de Sara Araújo

 No julgado da Ação Civil Pública atinente ao trote da Universidade de Franca que repercutiu no Brasil todo, é possível elencar e analisar pontos de reflexão a partir de uma abordagem relacionada à visão de Sara Araújo, intelectual estudada em sala. Em síntese, a Dra. Adriana Bonemer julga a ação improcedente, pautando sua argumentação na perspectiva de que o feminismo degrada a condição da mulher.


Em primeira análise, tem-se que o posicionamento da Dra. Bonemer se baseia em um viés eurocêntrico e ultrapassado enraizado na sua forma de pensar o mundo. Isso porque, em suas críticas, desvirtua especialmente a segunda onda do movimento feminista. Considerando que foi essa segunda onda a qual uniu a questão de desigualdade de gênero à desigualdade social, é possível aferir a sua importância para a História do movimento. Antes desse marco, as conquistas do feminismo eram muito mais restritas às pautas contratuais, como casamentos arranjados ou o direito à propriedade, e, portanto, o seu alcance e poder de transformação eram limitados a mulheres brancas, de raízes europeias e pertencentes à classe alta da sociedade.


Tendo isso em mente, é possível perceber que Bonemer, em pleno século XXI, pretende invisibilizar, com seu posicionamento, décadas de conquistas por mulheres em situações vulneráveis, intitulando (de forma distorcida) tais avanços como “vícios mais baixos”. O que se pretende é voltar à época na qual o feminismo lidou majoritariamente com questões contratuais, se alienando em relação às novas demandas sociais que constituem o Brasil contemporâneo, especialmente no tocante à liberdade e à expressão da sexualidade feminina sem ser subjugada, realidade que ainda está longe de ser concretizada plenamente, como ilustra a infeliz prática do trote em questão. Por meio disso, é perceptível o conceito de monocultura do tempo linear, trazido por Sara Araújo e que possui o significado de tentativa de retirar da contemporaneidade o que a constitui, isto é, suas urgências e aflições próprias de um tempo específico, visando a homogeneizar o tratamento de determinadas pautas da mesma forma que eram tratadas há muito tempo, mitigando qualquer atualização.


Nesse sentido, é muito contundente o trecho “sequer vislumbro a existência do pretendido “coletivo” de mulheres. Os indivíduos do sexo feminino não são iguais e não possuem os mesmos valores daqueles descritos na inicial, para serem tratados como um “coletivo”, a ensejar a pretendida tutela estatal, data venia.” Aqui, é evidente a falta de senso da juíza para reconhecer que há sim um “coletivo” de mulheres, e que, exatamente a partir daquela segunda onda do movimento por ela desvirtuada, foi possível abraçar, dentro desse todo, a pluralidade visível na realidade factual, conferindo voz a quem outrora jamais era ouvido, como, por exemplo, no caso de mulheres negras, que carregam consigo a pauta histórica de anos de escravidão de suas antepassadas e uma objetificação de seus corpos que é muito particular à sua vivência.


Ao fim e ao cabo, é nítido o profundo distanciamento da juíza em relação ao tempo presente em que se vive, negando atualização em sua atuação profissional para atender a pressões sociais relevantes e plurais de hoje em dia. Trata-se, enfim, da monocultura linear do tempo, artifício denominado por Sara Araújo e que é utilizado como forma de “fechar os olhos” para o que cerca o indivíduo, afetando, sobretudo, grupos mais vulneráveis, como as mulheres naquela situação humilhante do trote ou mesmo minorias específicas dentro da coletividade feminina, que precisam de uma tutela mais presente para suas aflições históricas.  


Isabela Mansi Damiski - matutino

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail, 29 de novembro de 2021, 14h47

Um Direito mais democrático

 

O sociólogo lusitano Boaventura de Souza Santos produziu muito para o entendimento do Direito. Além disso, foi, e ainda é, responsável pelo desenvolvimento de um pensamento para um Direito mais justo e igualitário. Nesse sentido, Boaventura compreende que para que haja uma real revolução democrática seria necessário um maior acesso à justiça.

Para tanto, Boaventura elabora uma sério de meio, tais quais: defensoria pública, a judicialização, a ação de promotoras legais publicas e dentre outras. Mas, de maneira geral, Boaventura identificou a necessidade de se ampliar o espaço dos possíveis dentro do Direito, isto é, reformular, desde o ensino jurídico, a maneira de se fazer o Direito para que, então, haja uma democracia, uma justiça.

Nesse sentido, trata-se de um movimento de reconhecimento de demais vivências, dos acontecimentos sociais que fazem o direito e, assim, realizar justiça.

A ampliação dos espaços dos possíveis é clara quando se analisa a ADI – CIDADANIA – Injúria racial como racismo.

Nesse caso concreto ficou explicito a movimentação do campo jurídico na tentativa de trazer maior dignidade a um grupo minoritário e que, no Brasil, sofreu com 388 anos de escravidão: a população negra.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece que todos esses anos de escravidão, somadas à abstenção de proteção do Estado a essa população após sua libertação cria um contexto de extrema marginalização de indivíduo de pele negra. Além disso, o STF entende que a injúria se trata de um ataque diretamente a um indivíduo dada a condição de pertencimento a um grupo minoritário. Em outras palavras, trata-se de um crime de ódio direcionado, nesse caso, a um determinado indivíduo devido ao seu fenótipo: a pele negra e outros traços afrodescendentes.

Nesse sentido, trata-se de uma ofensa que atinge diretamente a integridade e a dignidade da pessoa humana, ferindo, assim, preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Dessa forma, por se trata de uma ofensa motivada pela raça, deve ser considerado uma forma de racismo.

Desse modo, ao considerar que a injúria racial nada mais é que a expressão do racismo em uma de suas formas mais evidentes é, acima de tudo, o reconhecimento dos danos morais e psicológicos causados pela degradação e ofensa à dignidade da população negra. Isso trata de um aumento considerável do campo dos possíveis uma vez que a partir do momento que o reconhecimento dessa ação como um crime inafiançável é o reconhecimento da humanidade existente em corpos negros e, com isso, estando sujeitos a defesa pelo Direito.

Vítor Salvador Garcia Lopes - MATUTINO

Um passo a mais para se ultrapassar a linha abissal

A jurista Sara Araújo, em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” discorre sobre o Direito moderno ter sido criado para ser uma ferramenta de defesa e legitimação do Estado de Direito. Desse modo, uma ferramenta de defesa não apenas dos grupos dominantes, mas também de legitimação do pensamento capitalista neoliberal e colonialista que exporta a forma de conhecimento para o restante do mundo de modo a excluir qualquer produção de conhecimento contra--hegemônico. Em outras palavras, Sara Araújo compreende o Direito moderno como sendo o meio de reprodução daquilo que ficou conhecido como uma Epistemologia do Norte, ou seja, todo conhecimento produzido sobretudo pelas grandes potências capitalistas.

            Essas Epstemologias do Norte transcendem o Norte e atingem o Sul, tanto geográfico quanto social. Com isso, gera-se a exclusão de outras formas de conhecimento (as Epstemologias do Sul) que não condizem com aquilo posto pelo hegemônico. Isto é, a Epstemologia do Norte expande-se de uma forma falsamente global, uma vez que não abrange a universalidade das questões sociais, políticas e econômicas, sufocando e deslegitimando como ciências as demais formas de conhecimento. Nesse contexto, cabe às Epstemologias do Sul lutarem e serem mobilizadas afim de tornar o Direito uma ferramenta de justiça de fato, isto é, ser trabalhado para trazer dignidade e garantia de direitos a todos e não apenas aqueles que pertençam à classe dominante.

            Nesse sentido, quando se analisa a ADPF 467 MC/MG percebe-se claramente o confronto entre as Epstemologias do Norte e do Sul.

            Se por um lado encontra-se no Art. 2º, e 3º, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga a proibição da “educação de gênero”, por outro há uma mobilização do Direito por grupos LGBTQ+ pela suspenção desses artigos.

            Traduzindo para uma linguagem menos jurídica, por intermédio de lei acima citada, o Município de Ipatinga, em Minas Gerais, objetiva excluir da sociedade civil grupos que não se enquadrem na normatividade hetero e cis. Todavia, os grupos agredidos por essa lei passam a mobilizar o Direito na tentativa de se legitimar suas próprias experiências que são invisibilizadas pela regência dessa lei.

           De forma resumida, a Arguição chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) que defere o pedido de suspensão dos Arts. 2º e 3º da referida lei, a qual descumpre os seguintes preceitos fundamentais: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3o, I); o direito à igualdade (art. 5o, caput); a vedação à censura em atividades culturais (art. 5o, IX); o devido processo legal substantivo (art. 5o, LIV); a laicidade do Estado (art. 19, I); a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV); o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, I); o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II).

           Nesse sentido, apesar de a lei do Município de Ipatinga representar muito daquilo que se defende pelo Estado brasileiro atualmente, o STF proporcionou o entendimento de que tal lei fere muito daquilo que é defendido pelo Bloco de Constitucionalidade nacional, não sendo possível permanecer no ordenamento jurídico.

Vítor Salvador Garcia Lopes - MATUTINO