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domingo, 7 de novembro de 2021

Magistratura do sujeito no Poder Judiciário Brasileiro

Na sociedade do conflito podemos perceber a partir da leitura de Garapon que a demanda pela justiça é inédita e relativamente maciça, evidenciando que a sociedade intima o Judiciário a tomar decisões em prol da democracia.

A justiça moderna trouxe consigo a ideia de igualdade de condições, a qual ultrapassa os hábitos políticos e as leis, essa igualdade interfere na organização tradicional da sociedade e na hierarquia posta, nas palavras do jurista “desperta opiniões, faz nascer sentimentos, sugere usos e modifica tudo que é improdutivo”. Nesta perspectiva, a demanda da justiça se justifica na coletividade diversificada, que não corresponde à moral comum inserida pela religião, pela família tradicional, pela condição econômica, entre outros fatores.

Deste modo, os grupos vulneráveis precisam se apoiar nos movimentos sociais, já que há uma crise de representatividade político-partidária dessas minorias, tornando o Judiciário o meio utilizado para dar voz as suas petições e acolher suas necessidades. A justiça não é concebida a priori, o direito pertence ao amanhã, porque não há antecipação ou garantia do Estado, de forma que as leis não acompanham as transformações futuras do comportamento humano, estando sempre atrás dos anseios do corpo social.

Exemplo dessa função denominada por Antoine Garapon de “magistratura do sujeito” é a figura do “amicus curiae” ou amigo da corte, uma instituição que possui a finalidade de fornecer subsídios às questões dos tribunais, dando suporte as contrariedades das decisões relevantes de grande impacto.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 324, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho atuou no processo discutindo a eficácia e adoção da terceirização no mercado de trabalho brasileiro. O papel da associação foi exteriorizar as condições desfavoráveis que materializam a terceirização, como o empobrecimento do trabalhador, as condições precárias no ambiente de trabalho, e a falta de proteção social que resulta em acidentes e até em mortes na atividade laboral.

Os apontamentos do amicus curiae na ADPF 324, reforçaram o dever do Judiciário em assegurar a Constituição e unidade do ordenamento jurídico, demonstrando que a intervenção foi necessária pela vulnerabilidade dos trabalhadores em meio ao mundo capitalista que almeja o lucro acima da vida.

Assim, o protagonismo dos tribunais ganha espaço nos anseios sociais de grupos minoritários que buscam no sistema de justiça mobilizar seus direitos a fim de efetiva-los, vinculando à democracia solucionar os conflitos e proteger os indivíduos frágeis.

 

Joyce Mariano Santos - Direito Matutino

 

 


O OLHAR SOCIAL DO MAGISTRADO: ANÁLISE SOBRE O CASO DA XP INVESTIMENTOS

 

Sabemos que nasce dos eventos caóticos do século XX, conforme nos explica Lenza (2021)1, a admissão por parte de muitas democracias da enfatização de leis atreladas a temas como a solidariedade e fraternidade (direitos de terceira geração), passando o direito a se voltar muito mais para a sociedade em si. A dignidade da pessoa humana passa a ganhar destaque aqui, e assim, observamos a ascensão de grupos minoritários que passam a ganhar mais visibilidade e voz ante o Estado.

De fato, apesar de todas as suas deficiências, muitas leis foram forjadas atendendo os interesses desses grupos, no entanto, não somente do âmbito legislativo e executivo pautas sociais devem ser altivadas. Garapan, um dos autores estudados em aula, nos apresenta um juiz ativo em desempenho na realidade social, o qual leva em consideração todos os empecilhos e valores sociais em seus julgamentos e demais posições, passando o mesmo a se distanciar um pouco de uma atividade puramente mecanicista da legalidade.

Tendo isso em mente, analisa-se a aceitação da juíza titular da 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS) do processo contra a corretora Xp Investimentos e seu escritório credenciado Ável Investimentos. Foi o caso que a Ável publicou uma foto apresentando o “maior escritório de assessoria digital da Xp” (UOL, 2021)2, onde somente aparecia, em esmagadora maioria, homens brancos jovens. Contrariamente, entidades do movimento feminista e negro moveram uma ação civil pública.

 A juíza2 enfatiza a existência de um interesse público sobre o caso, e eis aqui a grande importância do poder judiciário no âmbito das questões sociais. Vemos como que, da forma colocado por Garapan, o olhar à sociedade dado pelo juiz fornece avanços à democracia, uma vez que ele faz com que o direito, em última instância, possa prover a membresia de uma dada identidade social considerados desprivilegiados, os protegendo.

Vemos como que a ação de uma juíza realmente faz a diferença ao lermos o comentário do advogado representante das entidades da ação, Márlon Reis: “as pessoas imaginam que a discriminação só acontece por palavras ostensivas. Mas não é só isso. Esse é um caso exemplar, que mostra como o processo de recrutamento nas empresas pode ser cruel” (UOL, 2021)3; e pareamos com as exigências feitas3 contra a Xp, como a obrigatoriedade de um plano de diversificação, cotas, entre outras.

 Concluindo, é preciso que estabeleçamos ao magistrado um novo perfil ajustado aos novos tempos, onde deverá se preocupar “com a totalidade para agir pontualmente” (Magalhães, 2017)4, para que assim, factualmente possa agir conforme a justiça e o respeito à dignidade da pessoa humana. Enfim, vê-se a importância dos tribunais atuais como verdadeiros agentes de transformação social, no sentido de empurrar a sociedade em direção ao progresso. Eis os magistrados que precisamos.

 1LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 46 p.

2OLIVEIRA, Isaac de. Justiça aceita ação contra XP por foto com homens brancos sem diversidade. UOL, 2021. Disponivel em: <www.economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/08/24/justica-do-trabalho-aceita-acao-sobre-falta-de-diversidade-contra-xp-e-avel.htm>. Acesso em: 31 de out. de 2021.

3OLIVEIRA, Isaac de. Após foto com homens brancos, ação pede indenização de R$ 10 mi a XP e Ável. UOL, 2021. Disponivel em: <www.economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/08/24/justica-do-trabalho-aceita-acao-sobre-falta-de-diversidade-contra-xp-e-avel.htm>. Acesso em: 31 de out. de 2021.

4MAGALHÃES, Wellington. Um novo magistrado para os novos tempos. Jus.com.br, 2017. Disponivel em: <www.jus.com.br/artigos/55144/um-novo-magistrado-para-os-novos-tempos#_ftnref5>. Acesso em: 31 de out. de 2021.

Fernando Carvalho,

Noturno.

O PROTAGONISMO DOS TRIBUNAIS NA ERA NEOLIBERAL

 O jurista francês, Antoine Garapon, disserta sobre o protagonismo dos tribunais na contemporaneidade através da obra intitulada "O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas". No referido livro, o autor argumenta que a judicialização é um fenômeno político-social que cresceu fortemente na atual era do neoliberalismo. Garapon expõe uma série de motivos e argumentos que explicam essa "judicialização de tudo", entre eles, cita o próprio modelo neoliberal, que solapou direitos sociais e trabalhistas, a ampliação de garantias e acesso à justiça após o término das ditaduras latino-americanas e a crise político-partidária. Não só essas questões, mas também a justiça se viu intimada a tomar decisões pois notou-se que a função tutelar foi e é mais solicitada que a arbitral devido ao ganho de consciência das classes exploradas, ao abandono das políticas públicas de um Estado neoliberal, e à mudança da arena política convencional para a arena judicial devido a crise de representação política-partidária.

A justiça e os tribunais se viram em uma situação de tutela do indivíduo moderno e "sofredor" que, desamparado pela situação política-social de seu país, no nosso caso Brasil, recorre ao poder judiciário para tentar garantir seus direitos, ou pelo menos lutar por eles em uma nova "arena". Esse fenômeno tutelar, acima proferido, foi designado, por Garapon, como "magistratura do sujeito". Nesse mundo neoliberal que vivemos, com a enorme legislação desregulamentadora (como exemplo temos as reformas da previdência que ocorreram nos últimos 30 anos), diversos atores sociais não tiveram outra escolha, a não ser travar sua luta por direitos constitucionais no campo judiciário ao invés do político tradicional.

De acordo com a professora alemã, Ingeborg Maus, a expansão do próprio campo de ação do Judiciário se deu por causa de estímulos sociais. Então, atores sociais, através da mobilização do direito, conseguiram se apropriar dos elementos necessários para a luta social através da "luta jurídica". Agora, partindo para uma análise de julgado (Caso número 70003434388), em que trata sobre a reintegração de posse de uma propriedade rural, podemos utilizar desse conceito de "magistratura do sujeito" de Garapon e do fenômeno do protagonismo dos tribunais na atualidade para realizar uma dissertação acerca do caso concreto.

Os desembargadores, em seus votos e argumentos, expuseram acerca do devido processo legal e da importância da segurança jurídica para a fundamentação de seus votos. Garapon dita que, com a judicialização e o protagonismo judiciário, há a possibilidade de um direito "feito" pelo juiz e isso inverte a carga normativa, em que a justiça é a posteriori e a lei é a priori. Dessa forma, constata-se a insegurança jurídica e complexidade de nosso mundo. Dessa forma, os juízes do caso analisado entendem (utilizam) o argumento da segurança jurídica em conformidade da jurisprudência (historicamente elitista) e se colocam como isentos (contraditório se entendermos que não há isenção dentro do direito; dentro de uma decisão judicial, isso é a base de uma decisão, no caso, escolher um lado).

A decisão judicial trazida dá ganho de causa para a parte contra indivíduos do Movimento dos Sem-Teto (MST) pois argumenta que os requisitos legais para a desapropriação por interesse social não foram cumpridos, ou seja, não houve o devido processo legal para que a ocupação torna-se legítima. È possível inferir que o MST, como ator social, utiliza a ocupação para destravar e desencadear um poder político e, após isso, provoca a justiça para que se cumpra a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal. Desse modo, houve uma judicialização, e o tribunal teve papel central nessa disputa política-legal. Esse preceito fundamental, embora já havia na Constituição de 1934 e 1967 (porém no título de ordem econômica e social nesta), está presente agora na de 1988 no título de direitos e garantias fundamentais. Visto essa ascensão de valor, de direito, houve uma judificação da sociedade (expansão de direitos) que culminou a entrada do MST e dos proprietários rurais em uma disputa judicial, trazendo protagonismo para os tribunais, ao invés de travarem a luta no falido sistema de representação política-partidária.

Vitor Raffaini Gheralde       1 ano       Dir. Matutino

A judicialização e a infantilização dos movimento sociais

 Não é difícil perceber a grande mídia que o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem recebido nos últimos tempos, desde de ataques daqueles que ferem deliberadamente a democracia, como também críticas daqueles que discordam da forte ação política que os ministros acabaram realizando nos últimos anos.  Aqueles que criticam o ativismo judicial ou a judicialização se encaixam, no segundo grupo.

A judicialização não é um fenômeno exclusivo do Brasil, sendo que pode ser observada inclusive em países da Europa. Os motivos pelos quais os tribunais são obrigados a assumir os papéis que deveriam inicialmente serem realizados por grupos políticos, são inúmeros, como: o avanço do neoliberalismo, a perda de direitos e a crise da representação política por partidos.  

Essa judicialização, na visão de Ingeborg Maus, acarreta em uma infantilização das lutas políticas que acabam por muitas vezes levando, suas questões e pedidos, para o judiciário, que acabam exercendo o papel de um “super-pai”.  Em suma, não acontece uma ação do poder legislativo, mas o encaminhamento direto ao poder judiciário. 

Já o ativismo judicial é definido como a ação deliberada do poder judiciário em situações que deveriam ser resolvidas pelas forças políticas, é uma postura proativa diante de questões sociais, econômicas e etc.  


Um exemplo interessante foi a decisão do STF em 13 de junho de 2019, que julgou a criminalização da homotransfobia ou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) nº 26/DF. Na visão de diversos juristas a decisão tomada pelo STF, apesar de ser considerada necessária por grande parte dos movimentos sociais, se mostrou para outros como a confirmação da infantilização da luta dos movimentos sociais.  


É evidente que as questões que envolvem a comunidade LGBTQIA+ são relevantes e devem de fato serem abordadas com o intuito de assegurar direitos para todos, contudo, o papel do STF diante desse caso não se mostra verdadeiramente como uma conquista, não que a criminalização não seja uma conquista. Mas, o caminho que teve de ser percorrido para  assegurar tal direito demonstra uma demora e um atraso para na conquista de direitos, que com frequência acabam tendo de ser submetidos ao poder judiciário. 


Mesmo que se mostre como uma forma de concretização de direitos fundamentais ainda é alarmante por evidenciar a incapacidade dos representantes eleitos pelo povo de efetivar os direitos fundamentais. A discussão é a respeito da extrapolação do Tribunal em suas funções, tomando por muitas vezes o papel que deveria ser exercido pelo Poder Legislativo.  Desta forma, a judicialização é uma forte questão a ser abordada no judiciário brasileiro, que se mostra cada vez mais sufocado com processos e casos à serem julgados e acaba por retirar do poder legislativo sua verdadeira função.  

 

*sobre sublinhados*

    Processos, processos, processos… Há algum tempo vemos um número enorme de casos sendo julgados todos os dias. E o poderio do Judiciário infla, infla, infla.. Esse fenômeno de expansão do Judiciário, conhecida como judicialização, é tratada na obra de Antoine Garapon, O Juiz e a Democracia.

  Segundo o autor, o descrédito da população nos representantes políticos e a intensa burocratização das relações sociais estão entre os fatores que ocasionaram o protagonismo desse poder. O problema desse cenário é o que ele chama de “governo de juízes”, que pode acontecer, caso a esfera política seja muito convertida à esfera jurídica.

 Tal conversão torna-se possível, pois, com a decadência das outras instituições responsáveis por resolver os conflitos, o Poder Judiciário passou a resolver problemas político-sociais (questões de liberdade e sanções), que antes não eram cargo seu, isto é: “o juiz deve colocar-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão”. (GARAPON,1999)

  Assim, no caso da realidade brasileira, vemos questões morais e políticas, de ampla discussão, serem trazidas à Justiça, através de ações. E, quando certa causa encontra-se de maneira mais vaga na Constituição, o poder do juiz quase torna-se legislativo, sujeitando a decisão à sua própria interpretação.

  Diante do exposto, temos como exemplo a liminar judicial contra o decreto do Prefeito de Franca, o qual impunha o fechamento de Lotéricas por conta do contexto de risco da pandemia. Apesar de tratar-se de uma questão de política e de saúde pública, o juiz achou pertinente ir de encontro aos critérios de saúde estabelecidos, questionando, inclusive, a eficiência do “lockdown”. 

    Além do mais, chama a decisão do prefeito de “ato impensado do executivo”, e, acaba por conceder “a liminar pleiteada, determinando à autoridade coatora que se abstenha de aplicar qualquer sanção aos impetrantes que optarem por abrir seus estabelecimentos nos dias e horários de costume…”. 

    Fica evidente, assim, a maneira como a judicialização se concretiza, nesse caso, conforme foi abordado na interferência do juiz em questões políticas e sancionatórias. Além de encontrarmos questões morais sendo debatidas, também, em sua decisão (como em “A própria Organização Mundial da Saúde, da qual há razões de sobra para se desconfiar..”).

  Portanto, como se certas incoerências não falassem por si só, as linhas sublinhadas destacam o problema que esse fenômeno de judicialização, abordado por Garapon, pode causar na sociedade, com decisões jurídicas em dimensões políticas, interpretadas particularmente, enviesadas.


Maria Júlia de Castro Rodrigues - 1º ano diurno



Injúria racial, racismo e Garapon

 

Ao observar a discussão do STF em relação a equiparação de injúria racial ao crime de racismo, também observamos que, quando não há iniciativas do Congresso para punir ações e falas racistas de forma mais severa e menos arbitraria, há uma tentativa de garantir os diretos à dignidade e bem estar por meio dos tribunais de justiça. Dessa forma, observamos a magistratura do sujeito, como elaborada por Garapon; na qual a população reconhece seu direito constitucional, porém não sente que o mesmo está sendo colocado em prática, e, portanto, recorre aos tribunais como um autor válido do direito o qual pode cumprir esse papel e garantir seus direitos.

Ou seja, de acordo com Garapon, inicialmente, o direito penal devia limitar-se a proibições claras e precisas, para que o juiz não tivesse a possibilidade de interpretar de maneira ampla a lei, entretanto, agora a norma se torna cada vez mais imprecisa e a função tutelar se torna mais solicitada do que a função arbitral da justiça. Isso acontece pois, diferente da comunidade cientifica ou do legislador, a justiça nos tribunais deve tomar uma decisão. Garapon afirma que é esta obrigação de julgar que constitui a particularidade do julgamento judiciário. Sendo assim, a população negra evitaria ficar num estado de incerteza esperando que os seus representantes políticos tenham boa vontade de apresentar leis mais eficientes, que os defendam de forma eficaz. Ou então, nas palavras de Garapon, “a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada”

Entretanto, a resposta que foi dada pelos tribunais apresenta características que Garapon afirma serem uma “auto-contenção”. Isso é explicitado no voto do ministro Kassio Nunes Marques, que afirmou que a decisão de tornar a injuria racial um crime imprescritível é papel do Congresso Nacional, e que, apesar de um indivíduo ter sido ofendido em sua honra individual por elemento racial, isso não seria suficiente para a caracterizar a conduta como racista.

Apesar disso, quando olhamos o panorama geral, observamos o tribunal praticando uma espécie de tutela social, que não passa pela representação política formal, mas é exercida pelo direito. Porém esse sistema não necessariamente afasta o indivíduo da democracia. O que Garapon chama de juízes se colocando no lugar da autoridade faltosa, não deixa de ser uma função do judiciário. Como dito anteriormente, a função do tribunal é justamente decidir; porém, não apenas isso, como comentado em aula pelo professor Agnaldo, Luís Roberto Barroso ressalva em sua obra que os juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica, deve-se extrair ao máximo o potencial do texto constitucional.

Vitoria Talarico de Aguiar

Direito matutino

O todo poderoso Judiciário

    Em um cenário onde as políticas públicas não conseguem sanar as necessidades do povo, os indivíduos buscam alternativas de sobrevivência dentro do sistema judiciário. No caso em questão analisado, trata-se de uma das ações do MTST ( Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). Esse movimento tem como principal objetivo a redistribuição de terras agrárias, sendo esse é um interesse político social, mas, como já mencionado, em uma realidade onde a política e sua representatividade não conseguem suprir as demandas da sociedade, os indivíduos recorrem ao campo jurídico para alcançar seus direitos. 

    Essa dinâmica social denomina-se judicialização, caracteriza-se pela invasão do campo do direito no campo da política para resolver conflitos sociais que não foram solucionados pelas políticas públicas. A necessidade da redistribuição agrária é gritante em nossa sociedade, apesar disso, dentro do campo político, esse discurso é pouco mobilizado. O acirramento das disputas políticas e dos conflitos territoriais que marcam a questão agrária brasileira não são novidade, entretanto, a ineficácia das políticas públicas em favor de terras mais democráticas não corrobora para a movimentação efetiva desse debate. Outro fato extremamente importante é a falta de representatividade política do MTST, a forte presença da bancada ruralista - que é contra a reforma agrária - é um indício de como é difícil levar adiante essa proposta dentro da política. 

    Na decisão judicial do processo em questão, no decorrer do voto do Des. Mário José Gomes Pereira é mencionado que “As invasões de fazendas que ocorrem hoje, organizadas pelos movimentos dos sem-terra, apresenta outra gênese, abertamente social, resultando daí a inadequação absoluta das atuais ações possessórias para solução judicial desses conflitos [...]”. Nesse trecho é possível analisar que a origem do conflito em si não é jurídica, e sim política social, ou seja, o processo é fruto da judicialização.

    Portanto, o debate transporta-se para o campo jurídico em busca de respostas e direitos. Sob a luz das análises feitas por Antoine Garapon, esse transporte de debates para o campo do direito fortalece o magistrado que passa a ser endeusado pela sociedade. O trecho “sob o pretexto de se proteger contra uma intervenção ilegítima, a sociedade se entrega ao controle do juiz” exemplifica esse fortalecimento do judiciário. 

    Para Antoine Garapon, a interiorização das normas é um reflexo do poder do judiciário. “O homem moderno torna-se jurista por necessidade: é o preço a pagar por sua autonomia”, nessa passagem de Garapon entende-se que o indivíduo necessita da judicialização como uma estratégia de sobrevivência, ele precisa internalizar o direito para conseguir recorrer a ele. 

    O processo de judicialização é interessante pois auxilia na correção de problemas sociais que não são solucionados pelas vias tradicionais. Entretanto, coloca o indivíduo em um local de apagamento, já que o protagonismo volta-se ao sistema judiciário. O grande mobilizador e transformador do direito são os próprios indivíduos que manifestam-se por meio do direito mas não tornam-se (e nem devem ser) totalmente submissos à ele.

Luísa Sasaki Chagas - Direito Matutino - Turma XXXVIII

O ativismo judicial na prisão após condenação em segunda instância

 

A prisão após o julgamento em segunda instância é um assunto que trouxe nos últimos anos diversos casos para as mesas dos tribunais, o próprio Supremo Tribunal Federal julgou esse tema 3 vezes nos últimos 15 anos, primeiro em 2009, 2016 e em seguida no ano de 2019. O mais curioso dentro de cada uma dessas decisões são os votos dos ministros que em cada um dos casos se deu com formas e argumentos diferentes, de maneira que inseguranças foram levantadas sobre a aplicação da justiça de forma igualitária, afinal, se para cada caso o Supremo julga de uma maneira, as contradições acabam gerando uma grande insegurança jurídica que intensifica a ideia de seletividade da corte na aplicação da justiça.

Pior do que seguidas decisões contraditórias, somente votos deturpadores da própria constituição, um desses votos foi o proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso nos julgamentos de 2016 e 2019, em ambos o ministro foi a favor da prisão após o julgamento em segunda instância sob o argumento de que o supremo deve ouvir o “sentimento social”. Antoine Garapon pontua que “O juiz é o guardião da memória, mas de uma memória reforçada: aquela das promessas que os fundadores fizeram em nossa intenção”, a partir dessa ótica, como dizer que Barroso votou como um guardião da memória de nossos fundadores? É evidente que há aqui uma grande confusão por parte do ministro que não conseguiu equilibrar o que nossa constituição diz, com o que a pressão social o incentivava a fazer.

Para todos os efeitos o ativismo judicial dentro de todos os julgamentos de execução da prisão em segunda instancia é imensa, sendo que a justiça se mostra seletiva a própria constitucionalidade da decisão, exemplo disso é o voto do ministro Gilmar Mendes em 2009, nesse caso o ministro votou contra a prisão após julgamento em segunda instância, já em 2016 votou a favor da prisão em segunda instância. Observa-se que nesse caso de 2016 especificamente a decisão atingiu o ex-presidente Lula, que estava amplamente presente no debate público, no entanto, o ministro voltou atrás em seu voto na ADC 43,44 e 54, votando contra a prisão em segunda instância. A partir dessa conduta, o ministro depreda totalmente a vontade aplicada na criação da constituição citado por Garapon e torna seu voto mais político do que técnico.

Por mais contraditório que pareça, após analisar o voto de ambos os ministros, conseguimos chegar a uma conclusão que o próprio ministro Barroso pontuou em seu discurso durante a votação da ADC 43, 44 e 54: É interessante que de 2009 a 2016 a interpretação seja uma, que em 2016, a partir de uma votação minimamente questionável e que aparentava buscar apenas desfavorecer uma única pessoa, a interpretação seja outra, e que a partir de 2019 a interpretação volte a ser como deveria ser inicialmente. O ativismo judicial ocorre nesse julgamento de 2016 de maneira perversa e contraditória, tornando a suprema corte passiva de questionamentos de integridade.

 

O protagonismo dos tribunais sob o viés de Antoine Garapon: uma análise do caso da Bienal do Livro de 2019

A obra “O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas”, do jurista francês Antoine Garapon, tem como pano de fundo para sua discussão o neoliberalismo e as angustias decorrentes de suas consequências, levando os indivíduos a buscarem outros horizontes, entre eles o Poder Judiciário, para o atendimento de seus anseios. Nesse contexto, a precarização das condições de trabalho, entre outros fatores, é um ponto de destaque para essa análise. Esclarecendo o protagonismo da figura do juiz, sob uma perspectiva de que o Direito Técnico é pouco suficiente, Garapon caracteriza a judicialização como um fenômeno político-social no qual uma análise sociológica focada unilateralmente no Poder Judiciário apresenta o risco de perder-se de vista processos mais profundos e mais densos de mudança social e política.

A busca pela resolução de conflitos via judiciário se dá, fundamentalmente, pela crise de representação político-partidária, retratando uma realidade de distanciamento entre as demandas sociais e a atuação política dos representantes do povo. Assim, a justiça é demandada para garantir os direitos mínimos que deveriam ser garantidos em uma sociedade democrática. Dessa forma, o francês destaca a abstração da democracia, que para ele é puramente teórica, uma vez que não considera a falta dessa liberdade tão apregoada, mas que se faz ausente na realidade de tantos indivíduos desprovidos de condições mínimas. A função tutelar da justiça, nesse cenário, passa a ser mais solicitada do que sua função arbitral, colocando o juiz na posição de suprir a autoridade faltosa e as devidas políticas públicas ausentes para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares dos cidadãos. A esse desenvolvimento de Direito individual conceituado como tutelarização do sujeito.

A interiorização do Direito se dá num mundo sem normas externas de comportamento, onde os sujeitos são condenados a interioriza-las. O homem democrático deve incessantemente reinventar, ele próprio, o que antes era formulado pela lei positiva. Desse modo, o Direito é necessário como antecipação, prevenindo e cuidando das lides que possam surgir diante da complexidade das relações interpessoais mutáveis e constantes. Toda essa análise define a ideia central do francês, também conhecida como Magistratura do Direito, que pode ser contextualizada à realidade brasileira em diversos casos concretos, entre eles a polêmica acerca da Bienal do Livro do ano de 2019, alvo de discussão jurídica sobre a exposição de obras de conteúdo específico sem notificação explícita de seu teor, o que veio a ser entendido posteriormente como uma tentativa de censura.

No caso em questão, o desembargador Heleno Ribeira Pereira Nunes utilizou um mandado de segurança como instrumento para vedação às obras de conteúdo homoafetivo, determinando que tais deveriam se apresentar lacradas e com advertências claras sobre a temática tratada, sob pena de serem recolhidas da Bienal. Sob uma construção equivocada e que desconsidera a diversidade de pensamentos, o jurista alegou em sua proposta que o tema poderia atingir o público jovem/infantil de modo danoso, abrindo espaço para uma discussão extremista capaz de dar artifícios supostamente legais para uma parcela homofóbica da sociedade. Considerando que para chegar a tal condição de poder o referido agente da justiça tenha estudado a Constituição, faltou a ele, ao menos nessa ação, a consciência de igualdade entre os cidadãos. Ainda, por outro lado, ele acaba agregando à sua figura a ideia de um operador do Direito que toma para si a responsabilidade de definir o que é moralmente correto ou aceito, exercendo uma função que não é propriamente sua, além de colocar uma parte da população, no caso os LGBTQIA+, como indignos de exporem seus conteúdos e pensamentos.

Em oposição ao mandado de segurança, figura a medida cautelar do ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Tófoli, que carrega em si vários esclarecimentos e fundamentações jurídico-sociais capazes de salientar razões pelas quais ações como a do desembargador carioca não devem ser validadas no cotidiano brasileiro. Nas palavras do ministro, a democracia é firmada e progride apenas em um ambiente capaz de expor diferentes convicções e visões de mundo, gerando um debate “rico, plural e resolutivo”. Nesse sentido, na ausência de uma representação político-social capaz de abranger toda a pluralidade da sociedade brasileira, faz-se necessário recorrer à Justiça para impedir medidas que violem a liberdade individual e os preceitos fundamentais da Democracia, ainda que tais medidas tenham partido em esferas inferiores do próprio Poder Judiciário.


Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno

Judicialização: ferramenta democrática ou arbitrariedade magistral ?

      A judicialização, ou seja, a interferência do judiciário em questões que a princípio estão no âmbito político, torna-se mais frequente com o passar do tempo.  Esse fenômeno que ocorre de maneira recorrente, contribui para o protagonismo dos tribunais na contemporaneidade, em que as decisões tomadas por esse grupo tendem a servir como a “nova moral” da sociedade.

    Antonie Garapon, magistrado francês, discorre sobre esse fenômeno e pontua alguns fatos que contribuem para sua ocorrência: o avanço do neoliberalismo e a crise do Estado de Bem-Estar Social na Europa; a ampliação de garantias constitucionais e acesso à justiça que ocorreu no pós-guerra e a crise da representação político-partidária. Além desses fatores, as democracias liberais fizeram com que o homem se transformasse, criando uma certa “magistratura do sujeito”, em que ele se torna legislador de sua própria vida. Dessa maneira, o âmbito social se encontra em constante movimento na busca de direitos que até então eram negados pelo Estado, fato que torna a busca pela justiça em questões até então reservadas à política, mais frequente do que nunca.

    Nesse sentido, a ação de obrigação de fazer, julgada pelo juiz Fernando Antônio de Lima, referente à cirurgia de transgenitalização requerida por um indivíduo, demonstra alguns desses aspectos. Caber à justiça a decisão de mudança de sexo de um indivíduo- assim como a mudança de seu nome social e a mudança no registro civil- evidencia o papel que os tribunais exercem hoje. Porém, esse papel exercido pelos tribunais, de criar uma moral, não surge das arbitrariedades dos juízes, e sim dos anseios dos próprios indivíduos da modernidade, que buscam mudanças nas mais diversas questões que atingem a sociedade, ou seja, mais do que a mudança nos tribunais em si, a sociedade age de maneira jurídica na busca pelos seus direitos.

    Além disso, esse caso de requerimento de mudança de sexo, mostra como questões que até então pertenciam à âmbitos políticos, alcançaram os tribunais, justamente pela falta de efetividade desses direitos. Com a democracia, o acesso para o entendimento desses direitos torna-se mais fácil, graças as garantias constitucionais, ou seja, a vontade de mudança surge do povo e não do poder judiciário- que deve  julgar com base nas normas estabelecidas.

    Portanto, na contemporaneidade, os tribunais possuem papel fundamental para a tomada de decisões, que não surgem do nada, e sim com pressões e anseios sociais que buscam a efetivação de direitos garantidos com a democracia. No caso em questão, a autorização dada pelo juiz diante dos pedidos da mudança de gênero e mudança de nome civil e social, demonstra como a sociedade tem conseguido efetivar seus direitos por meio do instrumento da judicialização, diante da falha do sistema político neoliberal.

Pedro Cardoso - 1° Ano - Matutino 

 

Ingeborg Maus e o Controle Social do Judiciário

 

A socióloga alemã Ingeborg Maus, em seu livro “O Judiciário como Superego da Sociedade” aborda os estudos que tratam da relação entre o Judiciário, Democracia e Metodologia jurídica. Segundo Maus, existe um infantilismo nos tribunais, em questões referentes à cidadania, onde as exigências de justiça social aparecem com pouca frequência nos próprios comportamentos eleitorais e muito menos em processos não institucionalizados de formação de consenso, sendo projetada a esperança de distribuição desses bens nas decisões que, segundo a socióloga, são de mais alta corte.

Ingeborg Maus aborda sobre o revestimento personalista que envolve a representação de “atuações” nas decisões judiciais. Nessas representações se demonstra uma reação passiva da personalidade em face de uma sociedade dominada por mecanismos objetivos, uma vez que o aspecto típico dessas reações de juízes se configura na ideia de que os pressupostos para uma decisão racional e justa residem na formação de suas respectivas personalidades.

A ideia que se apresenta é de um mítico ordenador de um sistema superior ético e da consciência jurídica. Age como superego da comunidade, cuja centralização da consciência social na Justiça contribui com a auto-reprodução do Judiciário para além de suas competências constitucionais. Sem embargos -espécie de recurso com a finalidade específica de esclarecer contradição ou omissão ocorrida em decisão proferida por juiz -, a crítica que se faz é de que a jurisdição constitucional, quando perfaz posição de instância maior da moral, bloqueia qualquer mecanismo de controle social, o que faz retroceder a sociedade e calcifica valores anti-democráticos.

Há oito anos a Justiça de Jales, no caso de uma transexual que pleiteia cirurgia de mudança de sexo, julgado pelo juiz Fernando Antônio de Lima, o qual determinou que a Fazenda Pública Estadual de São Paulo tornasse acessível todos os materiais necessários para a realização da cirurgia de mudança de sexo. Essa ordem estabelecida pelo juiz, remete ao caso citado pela socióloga supracitada, visto que o judiciário se colocou para além de suas competências judiciais.

É importante que em uma sociedade ainda conservadora e preconceituosa, que pequenas mudanças comecem a ser feitas, como a inclusão dos materiais anteriormente citados, o qual tem papel importante na igualdade de gênero na sociedade. As pautas sempre devem ser consideradas em prol dos direitos humanos e não ocorra o “infantilismo” citado por Maus. Contudo, em um país que seja necessário “apelar” à justiça para solucionar algo que já deveria estar incluso e respeitado em nossa sociedade, tem muito o que melhorar.

Magistratura do sujeito e direito à identidade

    Em sua obra “O juiz e a democracia: o guardião das promessas”, Antoine Gampon, um renomado antropólogo, ressalta o protagonismo dos tribunais na sociedade contemporânea. Esse fenômeno político-social não parte do próprio âmbito jurídico, é, na verdade, uma expressão da necessidade demandada pela população no contexto neoliberal. Sendo assim, devido aos princípios negligentes, mortíferos e individualistas desse sistema, bem como à ascensão da extrema-direita conservadora, os indivíduos buscaram a materialização de seus direitos pelas vias jurídicas.

    Nesse sentido, apresenta-se o conceito de magistratura do sujeito que consiste na tomada, pelo Direito, da tutela dos indivíduos, ou seja, o âmbito jurídico assume o amparo antes fornecido pelas chamadas magistraturas naturais — família, religião, moral e etc. —, que foram enfraquecidas pelo neoliberalismo.  

    Sob essa perspectiva, é possível analisar a petição realizada à Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales (SP) referente à realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS. No decorrer do texto, torna-se claro o conceito de magistratura do sujeito, visto que, apesar da existência de direitos fundamentais referentes a todos, como o direito à identidade — mesmo que não efetivamente escritas e positivadas, mas sim presentes na interpretação das leis —, mostrou-se necessário recorrer à justiça para a efetivação destes. Dessa forma, o Direito tornou-se uma via de sobrevivência encontrada pela mulher presente na petição, visto que sua identidade física e jurídica estavam sendo-lhe negadas.

    Ademais, nota-se que, nas democracias liberais, o princípio de liberdade é o norteador e a base de argumentação, contudo, este ainda reside apenas na teoria. Como apontado na petição, “O poder Judiciário tem o dever de outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico (Ingo Sarlet)”, ou seja, em decorrência da negligência tanto política — em relação à representatividade — quanto social-legislativa na criação de leis e garantias à população transgênero, desloca-se a responsabilidade ao judiciário, que exerce a tutelarização do sujeito — nos estudos de Gampon —, isto é, forneceria amparo e condições concretas para exercer esse direito tão defendido nas democracias liberais. Nesse sentido, ao apontar que “permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade”, o autor do documento recorre ao Direito para garantir pressupostos básicos.

    Em suma, partindo do caso referente à cirurgia de transgenitalização pelo sistema de saúde pública brasileiro — que tem função de atender todos sem qualquer distinção —, é possível notar o impacto causado pelo fim do Estado de Bem-Estar Social e a ascensão do neoliberalismo. Devido ao desamparo gerado, a sociedade precisou buscar novos meios de sobrevivência, sendo assim, recorreu ao Direito e à Justiça, como instituições, para substituir as magistraturas naturais e fornecer amparo na batalha degradante do mundo capitalista. Sendo assim, a Justiça passa a exercer mais sua função tutelar e menos aquela de caráter arbitrário (muito defendida pelos liberais) com o intuito de preencher as fissuras deixadas pela crise político-representativa.


Larissa de Sá Hisnauer - 2º semestre - Diurno 





Análise do caso de apologia ao estupro em trote de faculdade sob a óptica de Antoine Garapon

Pela óptica de Antoine Garapon, será feita uma análise de um julgamento de pedido de indenização moral em virtude de um evento de uma faculdade. No episódio de ofensa e humilhação àqueles presentes, as calouras foram submetidas a proferir falas misóginas e machistas lamentavelmente.

          Para Antoine, a justiça é acionada no intuito de aquietar as aflições do indivíduo sofredor moderno. Desse modo, ela desempenha o papel que ele chama de “magistratura do sujeito”, isto é, quando o direito opera como forma de proteção e tutela. Logo, com o pedido realizado pelo Ministério Público, buscou-se esse amparo às mulheres para, assim, recuperarem sua dignidade, bem como escrito no texto do julgamento, dado que o requerido as expos “à uma situação humilhante e opressora e ofendendo a dignidade das mulheres ao reforçar padrões perpetuadores das desigualdades de gênero e violência das mulheres”. 

Ademais, é possível pensar no conceito de “historicização das normas” explorado por Pierre Bourdieu. Nesse sentido, tem-se uma sociedade em constante mudança político-social mobilizando o judiciário para conscientizar direitos a diversos grupos, de modo a promover essa historicização das normas, como ocorreu com a conquista dos direitos femininos, os quais, em tese, deveriam ter sido respeitados. Contudo, a decisão da juíza expôs uma postura de repulsa ao fenômeno.

Destarte, faz-se presente o ativismo judicial. Nele, o magistrado julga orientado por suas crenças pessoas, fugindo da realidade. Em paralelo ao caso de análise, a responsável  foi influenciada por suas convicções individuais antifeministas ao citar o movimento feminista como uma "engenharia social e subversão cultural e não de reconhecimento dos direitos civis femininos” e, assim, indeferiu o pedido. Posto isso, nota-se como a arbitrariedade do juiz pode ser maléfica principalmente às minorias, como as mulheres.

Portanto, é notório como o protagonismo dos tribunais pode ser extremamente perigoso. À vista disso, é possível fazer o seguinte questionamento: a função desempenhada pelo judiciário na realidade é a mesma proposta por Antoine?

Anna Beatriz Hashioka- direito matutino

Protagonismo dos tribunais

Um dos temas mais polêmicos e mais discutidos que vêm ganhando força no Brasil é a disputa entre a legalização ou a criminalização do aborto, porém hoje no país há um palco principal pela preservação da vida que está sendo gerada, mas ao mesmo tempo é deixado de lado aquele que está gerando tal vida. De acordo Art. 128 do Código Penal “Não se pune o aborto praticado por médico” e apenas caso seja considerado necessário, como se não há outro modo de salvar a vida da gestante ou caso a gravidez seja resultado de estupro. No entanto, deve-se levar em consideração a importância de garantir dois dos direitos fundamentais das mulheres, os direitos sexuais e os reprodutivos, assim, criminalizar a autonomia da mulher sobre seu corpo fere a sua liberdade sobre seu corpo e, por fim, o  Estado não deve obrigar uma mulher a gerar uma criança indesejada. Dessa forma, como pode-se ver no processo de Habeas Corpus 124.306 aquilo que Antoine Garapon define como uma judicialização, ou seja, temas que deveriam ser analisados por meio da área política, mas não possuem tanta força por causa da sua fraca representatividade política, são canalizados para o sistema de justiça. Com isso, para a obtenção de seus direitos, aqueles que não são atendidos na área convencional, buscam o judiciário como uma via para a positivação deles e para a solução de seu conflito.
Pode-se notar um protagonismo do tribunal por meio desse Voto-Vista do Ministro Luís Roberto Barroso, que busca pelo meio judiciário a descriminalização da interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. O Ministro apresenta dois bons argumentos (direito sexual e reprodutivo) que buscam respeitar a autonomia da mulher sobre seu corpo e sua vontade e afasta o Estado de tomar qualquer decisão acima dessa autonomia, pois não se deve fazer da sociedade um escravo do Estado. Desse modo, segundo Garapon tal assunto relacionado ao aborto não deveria se tratado pelo judiciário, mas sim nos meios da política e nos meios parlamentares. Sendo assim, a área da justiça se transforma na única alternativa que um determinado grupo social possui chances de garantir seus direitos e lutar por eles.
Com isso, entende-se que o Ministro Barroso atribui um novo sentido ao direito para uma situação específica, analogamente ao que Garapon pregava que o direito deveria ter um foco sempre para o amanhã, assim, o Ministro promoveu uma historicização da norma, ou seja, trazer uma norma para o presente. E tal decisão é tomada pelo meio Judiciário pela falta do meio certo para a solução de um conflito e, por isso, conclui-se que o direito tem um papel fundamental para a mobilização das diversas lutas sociais.
Carlos Giovani Gomes Junior - Diurno
       

 

ANÁLISE DO ABANDONO AFETIVO PELA PERSPECTIVA DO CONCEITO DE MAGISTRATURA DO SUJEITO, DE ANTOINE GARAPON.

    O sociólogo francês Antoine Garapon aborda a judicialização como um fenômeno político-social, motivado pela maior consciência dos indivíduos acerca de seus direitos em face da crise político-partidária atual. Ainda, neste contexto, as magistraturas naturais que cuidam do indivíduo – como a família e a religião – estão cada vez mais fragilizadas, em oposição à magistratura do sujeito que se fortalece no período democrático.

     Assim, a magistratura do sujeito diz respeito ao conceito em que o Direito passa a amparar a pessoa, exercendo a função de tutela normalmente atribuída às magistraturas naturais. Por conseguinte, os juízes – representantes do Estado – são acionados para julgar questões geralmente adstritas ao âmbito particular do indivíduo e as quais, na atualidade, deslocam-se para a seara jurídica que é pública.

   A título de ilustração da tutelarização do sujeito pelo Direito, tem-se o julgamento do recurso especial n° 1.887.697 – RJ pelo Superior Tribunal de Justiça, em que a 3ª turma de desembargadores manteve e majorou a indenização do pai à filha, devido ao reconhecimento de abandono afetivo.

   No caso em questão, o genitor rompeu os contatos com a filha após o término da união estável com a mãe, limitando-se ao pagamento da pensão alimentícia. Outrossim, a ausência de cuidado e atenção paternas fez com que a filha realizasse sessões de terapia por anos, visto que essa ausência a gerou ansiedade e traumas psíquicos. Dessa forma, o tribunal reconheceu o nexo de causalidade entre a omissão paterna e os danos à filha, o que ensejou a manutenção da indenização imposta ao genitor e sua majoração de R$ 3.000 – fixada pelo juiz de primeira instância – para R$ 30.000 pelo STJ.

  Portanto, verifica-se pelo julgado o papel que o Direito tem exercido de amparar os indivíduos, adentrando até mesmo no âmbito familiar. Nas palavras de Garapon:

 “A história do direito de família ilustra a lenta penetração da Justiça no controle das relações familiares a aceleração desta evolução, bastante sensível nestes últimos anos. As relações entre pais e filhos se ”judicializam” progressivamente, sendo compreendidas cada vez mais em termos jurídicos do que naturais.” (GARAPON, 1999, p. 142)

 

   Ainda, um exemplo da caracterização das relações familiares em termos jurídicos, apontada pelo sociólogo, é o dever jurídico de paternidade responsável, afirmado pela relatora na ementa.

    Sendo assim, no caso supracitado, o juiz fixou a indenização devido à falta de dever de cuidado do pai para com a filha, sendo que esta era uma das questões normalmente resolvidas dentro da própria família, sem a necessidade de intervenção do judiciário. Em suma, constata-se a atualidade e a importância do conceito de magistratura do sujeito para compreender as várias facetas que envolvem o processo de judicialização.

 

Referência: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª turma). Recurso Especial n° 1.887.697 – RJ. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR. DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO.  Relatora Nancy Andrighi. Data do julgamento: 2021. Disponível em: Revista Eletrônica (stj.jus.br). Acesso em: 07 de nov. de 2021.

 

                                                                              Nome: Gabrielle Maurin de Souza

                                                                              Turno: noturno

Análise da Medida Cautelar do STF acerca da proibição de obras homoeróticas na Bienal do Livro pela visão do jurista Antoine Garapon

A análise em questão será sociologicamente embasada no livro “O juiz e a Democracia” (1999), do jurista francês Antoine Garapon. Já o objeto da análise será a Decisão proferida pelo ministro do STF Dias Toffoli no dia 08 de setembro de 2019 acerca da “medida cautelar na suspensão de liminar número 1248 Rio de Janeiro”, caso que ficou conhecido pela tentativa de censurar obras com imagens e teor homosseuxual da bienal do livro.

O jurista francês traz na página 140 uma frase fundamental para o bom desenvolver da presente análise: “Ela [sociedade democrática] é obrigada, hoje, a fabricar o que antigamente era outorgado pela tradição, pela religião ou pelos costumes. Forçada a inventar a autoridade, sem sucesso, ela corre então para o juiz” (GARAPON, 1996, p.140). As ações do ex-prefeito Marcelo Crivella correram as mídias de forma avassaladora ao conseguir uma liminar para recolher os livros com temáticas LGBT na Bienal. Apoiado por algumas camadas conservadoras, contraposto por camadas mais próximas de movimentos sociais, os atos de Crivella foram além da esfera social, mas caminharam frente ao judiciário. 

Na decisão do Dr. Dias Toffoli, encontra-se um grande discorrer dos preceitos legais que impedem as ações contra a venda dos livros em questão, mas resta ainda entender sociologicamente o porquê de ações desse tipo ainda serem movidas, ainda acharem fundamentos na lei e continuarem tendo o judiciário como fundo para discussões desse tipo. 

Por isso, vale retomar a citação do segundo parágrafo, afinal, o Brasil ainda é uma país majoritariamente cristão e homofóbio - matando uma pessoa a cada 23 horas por homofobia (GLOBO, 2019) - e esses indivíduos que têm dificuldade em aceitar princípio mais importante da nossa constituição, o da liberdade ( principalmente alheia), perpetuam ações desse tipo. Eles sentem que perdem espaço e autoridade quando as pessoas deixam de se submeterem a seus preceitos e passam a lutar pela garantia dos próprios direitos, cabe então recorrer ao judiciário como tentativa última de confirmar suas próprias convicções sob o seio da liberdade e da justiça. 

Essas pessoas tentam impor um constante e falso moralismo contra as outras camadas da sociedade, como afirma Garapon, “[...] a diversidade cultural modificaram a demanda de justiça, o direito convertendo-se na última instância da moral comum numa sociedade desprovida dela” (GARAPON, 1996, p.141). Essa passagem basicamente resume os motivos dessa ação, são pessoas que não conseguem aceitar a mudança social e a diversidade e tentam justificar seus preconceitos e medos dizendo que esses fatos rompem com a “moral cristã” e “ofendem a dignidade das crianças”, mas a realidade é que a maior vítima de uma sociedade mais pluralista é o ego dos que ainda tentam manter a todo custo um poder sobre a vida alheia e submeter o outro aos próprios padrões de medida. 

Além disso, outra passagem que chama a atenção dentro do subcapítulo “interiorização do direito” é “Cabe agora a ela, finalmente, fixar o limite entre o uso correto e o abuso” (GARAPON, 1996, p.149). A nossa constituição, no artigo 5º - usado para fundamentar a decisão do ministro -,  firma preceitos fundamentais como igualdade e liberdade, mas deixa vago o conceito e os limites de tais termos. Por isso, essa ação em específico, tem uma característica muito interessante, enquanto aqueles que se posicionam contra a venda dos livros de dizem professando sua liberdade, aqueles que lutam pela venda dos livros o faz sob os mesmo argumentos, acrescentando ainda o direito à igualdade. Contudo, como pode se dizer que um deles não está certo? 

Portanto, garante-se ao juiz um imenso poder, cabendo a ele a necessidade de dar sentido a essa vacancia terminológica, “O preço a ser pago pela liberdade é o maior controle do juiz, a interiorização do direito e a tutelarização de alguns sujeitos” (p. 140). Esse é o motivo para que tantas decisões opostas aconteçam, mesmo que sendo de ações muito parecidas, às vezes entre juízes de uma mesma vara e comarca, fruto de uma abertura quase ilimitada desses termos tão explorados na presente ação. 

Para finalizar, conforme escreveu o ministro Toffoli, “De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo” (TOFFOLI, 2019, p. 12). Dessa forma, não se deve desenvolver “uma espécie de criminalização insidiosa dos laços sociais” (GARAPON, 1996, p.152), uma sociedade deve ser justa e isso não é possível enquanto os indivíduos não aceitarem a pluralidade em que todas as pessoas são livres e iguais em direitos.

GABRIEL RIGONATO - NOTURNO - 2º SEMESTRE - TURMA XXXVIII