Nos últimos anos, vivemos momentos de agitação e turbulência política no Brasil. O ano de 2023 não foi diferente. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por uma estreita vantagem de pouco mais de 2 milhões de votos, tomava posse no dia primeiro de janeiro. Uma semana depois, no dia 8, a Esplanada dos Ministérios era tomada por uma multidão enraivecida de apoiadores de seu adversário político, Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas. Os manifestantes, inconformados com a derrota e convencidos de teorias conspiratórias mentirosas, difundidas em massa e impulsionadas por grupos sociais simpáticos a ideias antidemocráticas, invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, em uma ação coordenada que visava a uma ruptura da ordem democrática, ou seja, um golpe de Estado. Convenientemente, o ex-presidente se encontrava foragido em Miami.
Antes mesmo deste episódio, acompanhamos nos jornais a discussão sobre a regulamentação das plataformas digitais ou redes sociais. De um lado, constatou-se o crescimento da circulação de notícias falsas e conteúdos de apologia ao crime e incitação à violência nessas plataformas e a necessidade de criar mecanismos para combater essa prática, que se mostrou nociva à sociedade. Do outro lado, um grupo contrário à regulamentação defendeu que ela violaria a liberdade de expressão. Um de seus defensores, conhecido como Monark, chegou a fazer apologia ao nazismo em seu programa de debates no Youtube.
A tentativa de golpe e a discussão sobre a regulamentação das redes sociais se relacionam, na medida em que são desdobramentos de uma conjuntura política que se deu no Brasil nos últimos anos. Os golpistas do 8 de janeiro foram, em sua maioria, processados judicialmente e responderam por crimes como depredação de patrimônio público e atentado contra a democracia. Outros foram condenados ou estão sendo investigados pela disseminação de notícias falsas contra o sistema eleitoral. A utilidade de se punir tal conduta, segundo Émile Durkheim, está em manter a coesão social, preservando o que chama de consciência coletiva. Durkheim defende que temos duas consciências: uma individual e uma coletiva, solidárias entre si. “Quando um dos elementos desta última é quem determina nossa conduta, não é em vista do nosso interesse pessoal que agimos, mas perseguimos fins coletivos”. Ou seja, ao invadir e depredar um prédio público para reivindicar um interesse pessoal - ainda que se trate de um grupo - que é o de tentar impor sua preferência política por meio da violência, esses cidadãos estão agindo contra a própria coesão da sociedade, incorrendo em crimes que, se comprovados, devem sofrer uma sanção. A este mecanismo do direito repressivo, Durkheim dá o nome de solidariedade mecânica.
Difere-se da solidariedade mecânica aquela que resulta da divisão do trabalho social: a solidariedade orgânica, à qual diz respeito o direito cooperativo. Enquanto a solidariedade mecânica implica na semelhança entre os indivíduos, a solidariedade orgânica supõe uma diferença entre eles. Na primeira, a personalidade coletiva se sobrepõe à individual; já na segunda, pressupõe-se uma esfera de ação do indivíduo e a preponderância da personalidade individual sobre a coletiva. Para Durkheim, essa última resulta em uma coesão social mais forte, na medida em que, quanto maior a divisão do trabalho, mais estreitamente o indivíduo depende da sociedade.