Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Pedras no caminho - Boaventura de Sousa Santos

     Em 2007, o Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF-SC) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) nº  2007.72.04.001338-9 , contra a União e o IBAMA em defesa da comunidade Quilombola Pedra Branca , essa comunidade está localizada no sul de Santa Catarina , especificamente no município de Praia Grande, desde 1884 .A referida ação foi impetrada pela procuradora da República Flávia Rigo Nóbrega, com essa ACP ela visou resguardar a comunidade quilombola citada , até que a completa  titulação das terras seja realizada pelo INCRA. Detalhe , o INCRA juntamente com a Fundação  Palmares reconheceu a propriedade como remanescente de quilombo em  2004, contudo até o momento as terras não foram juridicamente demarcadas . Na década de 80 , essas terras foram incorporadas ao Parque Nacional de Aparados da Serra Geral-PARNAS. Com isso , tanto o IBAMA como a União começaram a impedir os residentes de cultivar e residir  nas terras. Mesmo amparados pela Constituição Federal, os moradores ficaram em uma posição extremamente vulnerável , haja vista que a agricultura é a única fonte de renda e de subsistência dessa comunidade. 

Consoante com esse breve resumo é possível fazer um paralelo entre a mencionada ACP e os estudos do notório professor de sociologia do direito, Boaventura de Sousa Santos . No artigo que foi publicado pela revista de Direitos Humanos, o professor salienta que “ (...)a tensão deixou, assim , de ser entre Estado e sociedade civil para ser entre interesses e grupos sociais que se reproduzem sob a forma de Estado e interesses de grupos sociais que se reproduzem melhor sob a forma de sociedade civil (...) (p. 11)”. Nesse sentido, Boaventura explicita que certos grupos sociais , nesse caso os latifundiários , utilizam do Estado para assegurar o monopólio das terras, propriedades essas que não são e nunca foram deles . Outro ponto que o aludido professor traz a tona, agora na sua obra Para uma revolução democrática da justiça , é sobre a morosidade sistêmica e ativa , sendo a primeira por conta da estrutura burocrática dos tribunais , ligados tanto a dogmática como ao positivismo, e a segunda pela tendenciosa ineficácia das ações dos magistrados de primeira e segunda instância- esses agem de acordo com os seus  habitus , termo esse muito bem esclarecido pelo sociólogo  Bourdieu, e atravancam questões sociais super urgentes e pertinentes. E é justamente sobre a morosidade sistêmica que eu quero pontuar , vejamos , a terras são ocupadas desde 1884, a Constituição foi promulgada em 1988, em seu artigo 68 prevê o direito à terra para os remanescentes das comunidades quilombolas , não obstante em 2004 o Incra reconheceu à terra como pertencente a comunidade, no entanto , pasmem ,em 2021 essas terras não foram ainda legalizadas .Sabemos, obviamente,  graças às elucidações trazidas por Boaventura , de onde vem essa morosidade. Parafraseando o poema No meio do caminho do poeta itabirano , Carlos Drummond de Andrade - No meio do caminho tinha o sistema econômico  capitalista, tinha um latifundiário grileiro no meio do caminho, tinha muitos magistrados iníquo no meio do caminho, nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Ademais , Boaventura de Sousa Santos , também menciona  que algumas instituições, tal como, a defensoria pública, a advocacia popular e as assessorias jurídicas universitárias, são de extrema importância para abranger os espaços dos possíveis (Bourdieu*) ,  em especial  a defensoria pública que pode e deve   buscar  suprimir as mazelas que acometem uma grande parcela da população , assim , o professor cita na página 33: “ Noutras palavras, cabe aos defensores públicos aplicar no seu cotidiano profissional a sociologia das ausências, reconhecendo e afirmando os direitos dos cidadãos intimidados e impotentes , cuja procura por justiça e o conhecimento do/s direitos/s têm sido suprimidos e ativamente reproduzidos como não existentes”. Certamente, entretanto, temos a ciência que essas instituições embora super  importante para a população vulnerável como um todo , elas não são o suficiente para atender toda a demanda , também é certo que elas estão sucateadas ,pois para a União ela não é importante, uma vez que ela metaforicamente é considerada uma pedra no caminho dos interesses da classe hegemônica. Refletindo a respeito do caso da Comunidade das Pedras, e se não fosse o movimento da promotora Flávia Nóbrega, indubitavelmente , aquelas terras teriam sido desapropriadas e 23 famílias estariam desalojadas injustamente .Além disso, o professor também menciona a importância dos cursos de Direito nessa luta social, tanto que ele propõe uma transformação epistemológica nos cursos de Direito , no sentido de criar múltiplas formas de interpretação jurídica , nesse sentido ele cita “ ecologia dos saberes jurídicos e não apenas a dogmática jurídica do direito estatal (p.63)”.

Por fim , Boaventura fez mais uma análise formidável no artigo publicado na  Revista Direitos Humanos , sobre a globalização . Primeiro ele propõe que a globalização é um processo onde determinada condição ou instituição estende a sua influência a todo globo. Não só isso,ele também identifica que a globalização a qual conhecemos é sempre a globalização bem sucedida de determinado localismo. Esse pensamento remete muito à conceituação do admirável geógrafo  Milton Santos em seu livro Por uma outra globalização. Ele distingue quatro formas de globalização. A primeira é intitulada como localismo globalizado, esse processo é o fenômeno que abarca a globalização bem sucedida, portanto, somente nos países localizados ao norte da linha abissal. O segundo é denominado de globalismo localizado, isso acontece em países periféricos, nesses ocorrem desmatamento , destruição maciça de recursos naturais, agricultura passa a ser para exportação (commodities).A terceira é chamada de globalização cosmopolitismo, essa consiste em um “ conjunto muito vasto e heterogêneo de iniciativas e movimentos e organizações que partilham a luta contra a exclusão e a discriminação sociais e a destruição ambiental produzidas pelo localismo globalizado e pelos globalismo localizados (...)” (p.12). Para o professor Boaventura, cosmopolitismo  advém da solidariedade transnacional entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos da globalização hegemônica. E é exatamente nesse quesito que nós futuros operadores de direitos devemos estar inseridos, lutando seja na defensoria pública, seja em movimentos sociais , mas não podemos de forma alguma aceitar nenhum direito a menos. Inicialmente se não conseguirmos "chutar" as pedras do caminho, devemos ao menos brecá-las , igual fez a promotora Flávia Nóbrega, na ACP supracitada.



*Uma introdução a Pierre Bourdieu (uol.com.br)

MPF-SC quer garantir direito de comunidade quilombola de São Roque - Ambiente 

Já! (ambienteja.org)

DESPADEC (jfsc.jus.br)

(2021) Bibliografia Básica - SOCIOLOGIA DO DIREITO (2.º sem) (google.com)

           (2021) Bibliografia Complementar - SOCIOLOGIA DO DIREITO (google.com)

Pollyanna Nogueira . Direito Noturno , turma XXXVIII.

Nenhum comentário:

Postar um comentário