Prólogo
As visões Racionalista de René Descartes e Empirista do britânico Francis Bacon duelaram na ciência por quase um século, até que Immanuel Kant as unificou, sintetizando ambas como complementares. Mesmo assim, o conhecimento é dinâmico a as visões sobre a ciência e a verdade vão evoluindo, se recriando e apresentando novos paradigmas como é proposto no filme “O ponto de Mutação”.
O racionalismo cartesiano e o empirismo inglês desembocaram no Iluminismo do século XVIII. A razão e a experiência de que resulta o conhecimento científico do mundo e da sociedade bem como a possibilidade de transformá-los são instâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores do mundo medieval. A nova interpretação dada à teoria do conhecimento pelo filósofo alemão Immanuel Kant, ao desenvolver seu idealismo crítico, representou uma tentativa de superar a controvérsia entre as propostas racionalistas e empiristas extremas.
Filme: O Ponto de Mutação
O filme se passa na França, em uma cidade com características arquitetônicas medievais e vida simples, foi escrito pela mulher do físico Fritjof Capra, autor do livro de mesmo nome, onde ela busca de forma didática, passar as idéias do livro, em uma conversa com três personagens. Os três são pessoas com vidas e interesses diferentes. e falam da vida, da política, da natureza, do homem, falam de Descartes e citam Francis Bacon,física quântica, ecologia e os novos paradigmas.
Reflete a interação de argumentos entre esses três personagens e suas visões da vida, do mundo e da ciência, sendo uma cientista, um político e um poeta. Suscita neste nosso mundo contemporâneo, questões parecidas com a dissonância entre racionalistas e empiristas do início da idade moderna e resgata, em alguns momentos o debate entre razão x sensação; método indutivo x método dedutivo.
Expressa sobre a diferença da visão mecanicista e a visão sistêmica, onde confronta ambas. Defende que o mundo não pode ser visto de forma fragmentada dividido em partes, que as futuras gerações pagarão um preço alto pelo nossa irresponsabilidade. O mundo é um todo, os problemas que existem no mundo hoje tem relação com essa visão mecanicista. Problemas como câncer , crime, poluicao, a energia nuclear, falta de água e falta de energia, conflitos ideológicos, guerras, fome, desigualdade. não dá pra cuidar resolvendo um problema aqui e outro acolá. Você tem que resolver o todo ou ao resolver um problema só vai criar outros.
A cientista e física (Sônia), com uma visão deprimida do mundo e de relacionamentos, abandonou o emprego por não concordar com os fins nocivos para os quais suas pesquisas eram utilizadas, defende a criação de uma nova ordem mundial e vê o planeta e seus fenômenos como totalidades organizadas, indivisíveis, articuladas, isto é, como configurações, ou seja, sistemas inter relacionados que devem ser compreendidos do todo para a parte e integrado entre todos os seres sencientes e considera o planeta também como um ser senciente, ao que ela define a necessidade de uma visão holística e chama de “Teoria dos Sistemas”. Esse paradigma muda o nome, mas não é nada tão novo, pois é muito parecido ou idêntico a proposta da “Teoria da Gestalt” criada no começo do século passado por Max Wertheimer, Koffka e Köller - a corrente alemã da psicologia - através de estudos psicofísicos que relacionaram as formas e a percepção, - e se tornou uma linha teórica da psicologia mundial, quando no pós II guerra, em 1951, foi publicada como gestalt-terapia nos Estados Unidos, entre seus pressupostos defendia que a soma das partes não compõe o todo, mas o todo é o que influenciava e definia as funções, características e até às especificidades das partes, ou seja, é importante primeiro entender o todo para depois entender as partes.
Já outro personagem, o político (Jack), com uma visão mais mecanicista e fragmentada da realidade. Apesar de racional, é bem indutivo, entende que no mundo - fazendo analogia com um relógio - consertar tudo de uma vez é impraticável, sendo somente possível consertar uma peça de cada vez, ou seja, vê a solução pelo método indutivo e a realidade partindo da parte para o todo. Ele quer uma plataforma para defender e tentar se eleger.
O poeta (Tom) diferente dos dois é empírico e vê a vida como algo a ser experimentado e sentido, Isso é muito claro no filme, como quando para para curtir e observar a praia, se detém para ver as cores do céu e das árvores e, depois, no final do filme pisa na água e grita “água”, após criticar a visão racionalizada de seus parceiros sobre sistemas, fenômenos e teorias diversas.
Sobre Racionalismo e Empirismo
A necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe um sentido e descobrindo-lhe as leis é tão antiga como o próprio homem, que tem recorrido a isso quer ao auxílio da magia, do mito e da religião, quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e da tecnologia que além de tentar compreendê-lo, também, operam mudanças no mesmo. Nessa busca incessante por compreender a si mesmo e o mundo à sua volta, muitos pensadores sentiram que era necessário entender primeiro sua própria capacidade de entender, antes de confiar plenamente na percepção e compreensão que alcançaram das coisas.
Primordialmente na era moderna, a partir do século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna a questão do conhecimento vem caminhando para uma sistematização uniforme. O que é, afinal, conhecer? Na concepção de grande parte dos filósofos conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente. É a interpretação de que o conhecimento é representação, isto é, uma “imagem” ou “reprodução” mental da coisa ou objeto conhecido. Outra noção importante é a de que, no processo de conhecimento, sempre existiria a relação entre dois elementos básicos:
um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e
um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).
Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse apreender, a partir do uso de suas faculdades (percepção sensorial, razão, imaginação etc.), o objeto, isto é, conseguisse representá-lo mentalmente.
A Teoria Racionalista
O racionalismo é uma concepção filosófica que afirma a razão como única faculdade de propiciar o conhecimento adequado da realidade e crítica toda a obra de Aristóteles.. A razão, tem a capacidade de apreender ou de ver as coisas em suas articulações ou interdependência em que se encontram umas com as outras. Ao partir do pressuposto de que o pensamento coincide com o ser e estabele concordância entre a estrutura da razão e a estrutura análoga do real, pois, caso houvesse total desacordo entre a razão e a realidade, o real seria incognoscível.
Entendido como posição filosófica que sustenta a racionalidade do mundo natural e do mundo humano, o racionalismo corresponde a uma exigência fundamental da ciência: discursos lógicos, verificáveis, que pretendem apreender e enunciar a racionalidade ou inteligibilidade do real. Ao postular a identidade do pensamento e do ser, o racionalismo sustenta que a razão é a unidade não só do pensamento consigo mesmo, mas a unidade do mundo e do espírito, o fundamento substancial tanto da consciência quanto do exterior e da natureza, pressuposto que assegura a possibilidade do conhecimento e da ação humana coerente. Para além de seus possíveis elementos dogmáticos, a filosofia racionalista, ao ressaltar o problema da fundamentação do conhecimento, marcou os rumos do pensamento ocidental.
Declarar que o mundo real tem esta ou aquela estrutura implica em admitir, por parte da razão, enquanto faculdade cognitiva do ser humano, a capacidade de apreender o real e de revelar a sua estrutura. O conhecimento, ao se distinguir da produção e da criação de objetos, implica a possibilidade de reproduzir o real no pensamento, sem alterá-lo ou modificá-lo.
René Descartes é considerado o “pai” da filosofia e da ciência moderna, criou o método cartesiano (variante de cartesius, que é seu sobrenome Descartes traduzido para o latim).
Seu pensamento crítico em relação à autoridade favoreceu estudos matemáticos abstratos abarcando o universo integralmente, como se este fosse uma máquina constituída de mecanismos articulados passíveis de compreensão.
Para Descartes, razão era sinônimo de bom senso e todos os homens a possuem, sendo as diferenças de opinião sobre isto ou aquilo apenas fruto de uma não condução metódica da razão pelo homem.
Nesse sentido, procurou apresentar as regras, os procedimentos necessários à boa condução da razão. Seu princípio primeiro ficou conhecido como dúvida metódica: Os homens deveriam exercitar o pensamento duvidando das coisas com o intuito de atingir algo que não pudesse ser colocado em dúvida. Se o homem chegasse a isso, poderia ter um conhecimento seguro.
Dois elementos marcariam o desenvolvimento da filosofia racionalista clássica no século XVII. De um lado, a confiança na capacidade do pensamento matemático, símbolo da autonomia da razão, para interpretar adequadamente o mundo; de outro, a necessidade de conferir ao conhecimento racional uma fundamentação metafísica que garantisse sua certeza. Ambas as questões conformaram a ideia basilar do Discurso sobre o método (1637) de Descartes, texto central do racionalismo tanto metafísico quanto epistemológico.
Para Descartes, a realidade física coincide com o pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e equações matemáticas. Descartes estava convicto também de que todo conhecimento procede de ideias inatas - postas na mente por Deus - que correspondem aos fundamentos racionais da realidade. A razão cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade do real mediante "longas cadeias de razões", é a razão lógico-matemática e não a razão vital e, muito menos, a razão histórica e dialética.
O racionalismo clássico ou metafísico, no entanto, cujos paradigmas seriam o citado Descartes, Espinoza e Leibniz, não se limitava a assinalar a primazia da razão como instrumento do saber, mas entendia a totalidade do real como estrutura racional criada por Deus, o qual era concebido como "grande geômetra do mundo". Principais racionalistas modernos: Descartes, Leibniz, Pascal e Espinoza.
Empirismo
Se a postura racionalista foi dominante no pensamento europeu continental, o mesmo não podemos dizer sobre a Grã-Bretanha. Desde o final da Idade Média, com Nicholas Bacon (pai de Francis Bacon), havia uma predisposição à experimentação empírica como meio para se chegar ao conhecimento. Na Época Moderna, essa tendência foi reforçada com Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Isaac Newton (1642-1727), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776), entre outros.
Em linhas gerais, os empiristas consideram a experiência como fonte e critério para o conhecimento verdadeiro. A experiência fundamenta a produção do conhecimento, que depende dos órgãos dos sentidos, pois estes são capazes de captar, no empírico, informações que tornam possível a construção do saber.
A conclusão lógica deste raciocínio é que o homem nasce sem saber, sua mente é uma tábula rasa, não há ideias inatas na mente do homem, o que existe é um papel em branco, aos poucos preenchido com as experiências do mundo sensível. A sensibilidade é supervalorizada, pois é por meio da percepção sensorial que os objetos ocupam espaço na mente humana, o conhecimento deve vir de uma “sensação”, cabendo a razão somente organizar os dados dos sentidos.
As principais características do empirismo são:
não há ideias inatas, nem conceitos abstratos;
o conhecimento se reduz a impressões sensíveis e a ideias definidas como cópias enfraquecidas das impressões sensoriais;
as qualidades sensíveis são subjetivas;
as relações entre as ideias reduzem-se a associações;
os primeiros princípios, e em particular o da causalidade, reduzem-se a associações de ideias convertidas e generalizadas sob forma de associações habituais;
o conhecimento é limitado aos fenômenos e toda a metafísica, conceituada em seus termos convencionais, é impossível.
Principais filósofos empiristas: Francis Bacon, John Locke, Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume.
Francis Bacon, filho de Nicholas Bacon e Ann Cooke Bacon, nasceu em Londres em 22 de janeiro de 1561 no seio de uma família de nobres. Foi um dos mais importantes pensadores da filosofia moderna, criando um método de investigação filosófica. Por esse motivo é considerado o "Pai do Método Experimental". Faleceu em 9 de abril de 1626 no Reino Unido, vítima de bronquite.
Empirismo
Para Bacon, Aristóteles acertou em reconhecer na vivência prática e empírica a fonte primeira do conhecimento, seu erro, estava no método: o método aristotélico era suficiente para a compreensão lógica da linguagem, mas não para trazer um novo conhecimento que agregasse com a segurança de que a ciência necessita.
Podemos dizer que Bacon é o grande fundador do empirismo na Modernidade. Além de um grande empirista, ele fundamentou as principais bases da ciência moderna com a proposição de um método científico capaz de suportar teoricamente o conhecimento que se pretende científico e universal.
O método empirista de Bacon, diferente de outros empiristas, está baseado na crítica do que chamou de ídolos - elementos da vivência cotidiana empírica que atrapalham a aquisição de conhecimento verdadeiro. Sua “Teoria dos Ídolos”, estava baseada em falsas noções e hábitos mentais incutidos. Assim, a crença nos ídolos prejudicava o avanço da ciência e da racionalidade humana.
A ciência e o conhecimento científico, para Bacon, são ferramentas de que o ser humano dispõe para dominar a natureza, por isso, elas devem dar ao ser humano a posição de domínio. Nesse sentido, a ciência antiga embasada nas teorias aristotélicas deve ser substituída por algo que garanta tal domínio humano. Os ídolos que ele dividiu em quatro gêneros na sua obra “Novum Organum'' (Novo Instrumento), eram o entrave para isso.
Ídolos da tribo: são ídolos naturais da “tribo” humana, pois estão em nossa natureza. Eles dizem respeito à procura de ordens fenomênicas que nos colocam falsas relações de causalidade. Se o Sol aparece todas as manhãs desde que eu nasci, eu digo que o Sol sempre nascerá.
Ídolos da caverna: são ainda mais naturais, mas não estão relacionados à humanidade em geral e sim ao indivíduo. São ídolos que nos impedem de perceber a realidade por conta de nossa própria individualidade e do aprisionamento que os sentidos podem provocar-nos devido à influência dos costumes em nosso corpo. Há aqui uma referência a Platão em sua alegoria da caverna.
Ídolos do fórum: são ídolos que atrapalham o conhecimento verdadeiro por meio da vida pública. Na vida pública, há o predomínio da linguagem que amarra qualquer possibilidade de investigação do espírito, mantendo ele preso às regras do jogo público.
Ídolos do teatro: referem-se ao grande teatro humano das tradições, dos costumes, do respeito à autoridade etc. Ele coloca a autoridade como alguém que necessariamente possui um conhecimento verdadeiro, o que não se sustenta.
Método Indutivo Eliminativo de Investigação
Tratamos até agora de mostrar como Bacon criticou a filosofia aristotélica e tentou sustentar novos pilares para o maior desenvolvimento da ciência na modernidade. O que Bacon criticava em Aristóteles era, sobretudo, a sua maneira de conhecer o mundo (que beira o empirismo e o método indutivo, mas corre de maneira mais solta e menos metódica).
Bacon propôs, para concluir sua tarefa com êxito, um novo método indutivo, que recorre ao conhecimento empírico e se utiliza da crítica aos ídolos, tendo nestes a percepção do que não se deve fazer. O método baconiano está assentado em quatro passos que acompanham o trabalho daquele que quer conhecer a natureza com maior certeza e veracidade:
A) observar o meio de maneira ordenada e coletar dados da experiência de observação;
B) organizar os resultados observados;
C) formular hipóteses a partir dos dados obtidos;
D) realizar experimentos que comprovem ou descartem as hipóteses.
Vejam que esse método está presente em grande parte do trabalho de pesquisa nas ciências naturais. Os cientistas buscam proceder por meio desse método para induzir uma resposta (daí o nome indutivo), pois ele parte de um recorte de observação (observa-se parte do todo) para formular uma teoria que se pretenda geral (que abarca o todo).
Rubens Chioratto Junior
1º período - Noturno
rubens.chioratto@unesp.br