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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O papel da judicialização na garantia de direitos fundamentais: união homoafetiva

Atualmente, no Brasil, é possível constatar o papel cada vez mais ativo e central que o Judiciário tem desempenhado em questões de grande importância nacional. Tal fenômeno, denominado "judicialização" por Luís Roberto Barroso, tem emergido com intensidade, não só em nosso país, mas em todo o mundo, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Tem se delineado, incontestavelmente, uma maior fluidez entre a política e a justiça, à medida que a justiça constitucional avança sobre o espaço originariamente exclusivo da política.
A judicialização da política consiste na decisão, pelo Judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal, de questões de grande relevância política ou social. Ocorre, neste contexto, uma transferência de poder para juízes e tribunais. Tal fato, no entanto, não é uma opção ideológica ou metodológica da Corte, mas sim, uma consequência do modelo institucional brasileiro; dessa forma, o STF somente interfere nas questões em que é provocado a se manifestar, cumprindo seu papel determinado na Constituição. 
Entre as causas determinantes do fenômeno da judicialização está o processo de redemocratização, responsável por aumentar a demanda por justiça na sociedade e fortalecer o Judiciário, que adquiriu poder político, transformando-se no órgão com competência para efetivar a Constituição. Outros fatores são a constitucionalização abrangente, que, através da expansão de preceitos constitucionais para todos os âmbitos políticos e sociais, permitiu o surgimento de pretensões jurídicas mais amplas; e o forte sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.
Ao lado da judicialização, porém proveniente de origens diferentes, encontra-se o ativismo judicial. Este, ao contrário do primeiro, consiste numa escolha do Judiciário por um modo específico e proativo de interpretar a Constituição. Com o intuito de promover a máxima potencialidade da Constituição e concretizar os princípios inseridos nesta, os tribunais exercem uma participação mais ampla e intensa, chegando, muitas vezes, a interferir na esfera dos demais poderes. As principais condutas que expressam esse ativismo são: aplicação direta da Constituição em situações não expressamente disciplinadas por ela, declaração de inconstitucionalidade a partir de critérios menos rígidos que os convencionais e imposição de condutas ou abstenções do poder político em relação às políticas públicas. 
Um exemplo ilustrativo dessas duas formas de expressão do protagonismo do Judiciário no cenário sociopolítico (judicialização e ativismo) foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à união homoafetiva. Diante da inércia do poder Legislativo frente às demandas decorrentes das transformações sociais, o governo do Rio de Janeiro, juntamente com a Procuradoria Geral da República e algumas ONG's interessadas recorreram à Justiça para reivindicar direitos igualitários para casais homoafetivos. O Supremo, então, reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar, estendendo as mesmas regras e direitos da união entre casais heterossexuais. Tal decisão assegurou aos homossexuais direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, inclusão como dependente em plano de saúde, dentre outros.
Trata-se de uma nítida expressão da judicialização combinada com aspectos de ativismo, uma vez que o STF utilizou uma intepretação progressista e extensiva dos preceitos constitucionais para legitimar sua decisão e assegurar direitos fundamentais. Ademais, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, pediu que o Congresso regulamentasse posteriormente a questão, fato que pode ser considerado uma espécie de interferência no campo de outro poder.
Segundo argumentos dos ministros, era imprescindível que a união de pessoas do mesmo sexo fosse reconhecida, visto que tal relação é um fato, e dos fatos nasce o direito. “O direito existe para a vida e não é a vida que existe para o direito”, portanto, se a sociedade evolui, o direito deve acompanhar tal evolução. Como fundamentação, foram utilizados princípios constitucionais fundamentais como igualdade, liberdade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. Também a proibição do preconceito e da discriminação, bem como o pluralismo, foram invocados para legitimar o julgamento. Os homossexuais possuem a mesma dignidade humana que qualquer indivíduo, sendo, portanto, sujeitos de direitos de igualdade, liberdade e intimidade. Visto que a Constituição nada dispõe sobre o assunto, é possível guiar-se pela ideia de que tudo aquilo que não é proibido,  é permitido. O princípio do pluralismo possibilita a interpretação não-reducionista do conceito que família que, por ser extremamente subjetivo, pode incorporar as mais variadas relações afetivas. Ademais, num Estado laico, a moral religiosa não pode ser parâmetro para limitar a liberdade das pessoas, portanto, não cabe a discussão sobre os dogmas cristãos acerca da homossexualidade. O único motivo para não reconhecer esses direitos fundamentais aos homossexuais é o preconceito, que deve ser combatido veemente em nossa sociedade.
Neste contexto, vale ressaltar a necessidade de atuação contramajoritária do STF em determinadas questões, vislumbrada por Barroso. Muitas vezes, para garantir direitos fundamentais de minorias, o Judiciário precisa contrariar a vontade da maioria, visto que a democracia não se resume ao princípio majoritário. O Supremo é o intérprete final da Constituição, portanto, deve atuar como fórum de princípios – não de política – e de razão pública - não de doutrinas políticas ou religiosas abrangentes.
A importância crucial do Judiciário é inegável, no entanto, ela não pode suprimir a política ou o papel do Legislativo. Dessa forma, é necessário que tal poder somente interfira para preservar a democracia e os direitos fundamentais, sempre fundamentado na Constituição. Além disso, é essencial que tenha consciência dos limites de sua capacidade institucional, para não causar, ao realizar a microjustiça, efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis, como, por exemplo, um desequilíbrio na economia da administração pública devido a decisões extravagantes.
A ampliação da atuação da Justiça, quando feita sob a égide da legalidade e sem um caráter populista, pode ser um mecanismo favorável à democracia. Se não fosse a decisão do Judiciário na questão da união homoafetiva, provalmente, até hoje o Legislativo estaria mantendo-se inerte em relação a essa demanda tão crucial para a sociedade contemporânea. No entanto, foi dado apenas o primeiro passo. A concretização dos direitos dessas minorias requer amplas e numerosas ações governamentais afirmativas. Por outro lado, tal fato evidencia a dimensão do problema de legitimidade que o Brasil enfrenta, visto que, devido à ineficiência dos tradicionais poderes eleitos democraticamente, os cidadãos têm recorrido a um poder não eletivo para suprir suas “carências”. Diante da atual crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do governo, a expansão do Judiciário é uma forma de suprir a omissão e a ineficácia e atender às demandas sociais. No entanto, não podemos nos iludir e apostar no STF como “salvador da pátria” e nos esquecer da urgente necessidade de reforma política. É preciso combater as causas da enfermidade, e não apenas ministrar remédios que minimizem seus efeitos.
Para finalizar, nas palavras de Barroso
[...] o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.”


Thainara Righeto - 1° ano Matutino