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segunda-feira, 25 de março de 2019

Sobre notas fiscais e guarda-chuvas


A ideia de que os preconceitos, principalmente os raciais, já foram superados é recorrente na sociedade atual.  A criminalização do racismo com a Constituição de 1988 pode ser considerada como uma faca de dois gumes, visto que, ao mesmo tempo que dá um maior amparo judicial à população negra contra a discriminação étnica, pode ser usada como um argumento para embasar uma nova “democracia racial”. A vivencia da população negra é, entretanto, muito diferente daquilo que se pensa nas bolhas mais privilegiadas. 
Esse grupo continua sendo marginalizado, e uma das formas discriminatórias mais prejudicial é o racismo institucional enraizado em toda a estrutura do país, sendo a violência policial especialmente problemática. Tal situação é identificada nas tirinhas de Armandinho, do autor Alexandre Beck, nas quais dois garotos, um negro (Camilo) e um branco (Armandinho) brincam, como duas crianças comuns: em uma das artes, enquanto andam de bicicleta, são parados por um policial que pede as notas fiscais do veículo; Armandinho fica chocado, indagando quem carregaria consigo os registro de compra do objeto enquanto Camilo entrega o que foi pedido ao policial. Dessa situação infere-se que esse, como uma pessoa negra, precisa estar sempre preparado para a ação policial, para a possibilidade de ser considerado ladrão; enquanto aquele nunca tinha pensado sobre o assunto. Essa realidade não existe apenas na ficção, uma vez que não nos faltam exemplos de excessos policiais contra a população negra: em setembro de 2018 um jovem negro foi morto por policias no Rio de Janeiro por carregar um guarda-chuva que foi confundido com um fuzil.
O racismo estrutural vigente na sociedade brasileira, uma antecipação da mente (preconceito), segundo Francis Bacon, é baseado no senso comum popular, englobando os Ídolos da Caverna e do Foro. O primeiro envolve o indivíduo e o mundo à sua volta, ou seja, suas vivências e sua formação; já o segundo diz respeito à vida e sociedade, às relações interpessoais. Provavelmente, na vida profissional de um agente da segurança pública, este já teve contato com muitas situações que embasem sua visão social, entretanto, como a representação do Estado, não deveria, de forma alguma, deixar seus julgamentos pessoais sem nenhuma comprovação científica (ou seja, seu senso comum) guiarem sua conduta.

Julia Parreira Duarte Garcia; Direito Matutino

O conhecimento - nem sempre positivo - que surge da experimentação em diferentes realidades sociais.

Em contraste com os conceitos anteriormente existentes à respeito do método de produção de conhecimento - pautados em sua maioria em dogmas religiosos e crenças pré-estabelecidas -, Descartes e Bacon em suas obras inovam e introduzem ao pensamento científico a ideia de que o conhecimento deveria ser obtido através da observação e da experimentação dos fatos na realidade. Para ambos os autores, deste modo, chegaríamos ao conhecimento como este deveria ser: fidedigno e condizente com a realidade.
No dia a dia, em uma sociedade desigual com histórico racista e escravocrata como a que vivemos atualmente, a individualidade do ser humano como ser social faz com que ele, de acordo com a sociedade e sua posição na mesma, vivencie e experimente diferentes situações - em muitos casos infelizmente negativas -, condizentes com a percepção preconceituosa que a sociedade tem de suas respectivas culturas. Conforme defendido pelos autores - através  da conceituação de que o conhecimento é fruto da experimentação - , podemos concluir deste conceito que diferentes níveis socioeconômicos resultarão em diferentes experiências de vida, que por conseguinte resultarão em diferentes "conhecimentos" e condutas a serem adotadas ou evitadas no cotidiano e na vida em sociedade. Em se tratando da parcela da população historicamente oprimida, como a comunidade negra, é de se notar que a vivência decorrente  de situações de opressão resultam nessa comunidade em uma série de situações as quais, por recearem serem vítimas do racismo, são evitadas. É o que notamos na tirinha:

O menino branco, ao convidar Camilo para apostar uma corrida, não vê em tal conduta nenhum perigo, não receia fazê-la em público, uma vez que por ser branco, não é objeto do preconceito racial que a sociedade tem, e não vivenciou experiências anteriores nas quais o ato de correr em público fosse mal interpretado. Assim, sendo o conhecimento um fruto da experimentação, não faz parte do conhecimento nem do leque de condutas a serem evitadas do menino branco o conceito de não correr em público, pois seria supostamente perigoso. Infelizmente, para Camilo - na condição de jovem negro -, tal conduta é tida como perigosa, a ser evitada. Podemos deduzir então que a convivência com o racismo em sociedade, a infeliz experimentação dessa prática, surte em Camilo o conceito de que não deve correr em público, ainda mais perto de um policial, tendo em vista que de certo Camilo já presenciou a violência policial para com o negro e já teve a percepção da tendência preconceituosa institucionalizada de se observar um jovem negro correndo e se deduzir que este está fugindo ou praticando crimes.
Sendo o modo como enxergamos e conhecemos o mundo, fruto de nossas experiências - como argumentam os autores supracitados - notamos neste caso que diferentes realidades sociais culminam em diferentes conhecimentos acerca da vida cotidiana, em diferentes modos de agir em sociedade, frutos muitas vezes da opressão que determinados grupos sofrem. Na outra tirinha, percebemos esse mesmo raciocínio:
Para o menino branco, não faz sentido ter de andar com a nota fiscal de sua bicicleta para comprovar a sua origem lícita: sendo ele branco, sempre houve a presunção de que ele seria o dono efetivo da bicicleta, vez que provavelmente ele nunca fora abordado na rua e inquirido se a bicicleta realmente seria sua. Tal presunção é pautada no pressuposto racista de que um branco teria condições de comprar um bicicleta, já o negro estereotipado como pobre de periferia não teria, ensejando uma suposta suspeita. Já para Camilo, jovem negro que socialmente é estereotipado como ladrão ou criminoso em potencial, é necessário portar a nota para provar esta origem lícita, e até evitar uma possível prisão ou abordagem violenta.
Constatamos, novamente, que na vida em uma sociedade que tem preconceitos enrustidos em fortíssimas raízes históricas racistas, escravocratas e patriarcais, há diferentes realidades sociais que resultam em determinados conjuntos de conhecimento e de condutas específicas, e, para além da classe social, há também a distinção quanto ao grupo étnico-racial e até mesmo ao gênero de alguém, sendo esses fatores definidores do conjunto de experiências que essa pessoa vivenciará no dia a dia, que, em consequência, moldará um conjunto de conhecimentos acerca de condutas a serem evitadas ou adotadas por aquele determinado grupo, condutas essas que muitas vezes não fazem sentido aos outros grupos, uma vez que estes não sofrem tais experiências e, sendo o conhecimento um fruto da experiência, não o obtém.
Outro exemplo que pode ser citado, envolvendo agora um grupo que se restringe pelo gênero, é o de que não faz sentido para o homem recear sair de casa com uma roupa curta, ou até mesmo sem camisa, pois não faz parte do histórico de experiências do homem ter sido violentado por estar nessas condições, diferentemente da mulher, que por diversas vezes ter sido vítima de assédio sexual, infelizmente costuma recear e se preocupar com suas vestimentas.
Tais situações não devem jamais serem normatizadas nem tidas como algo imutável. Têm raízes históricas profundas de séculos de exploração e marginalização, onde por exemplo ser negro fazia inclusive com que a pessoa fosse juridicamente tratada como uma posse. Essa cultura do preconceito, do machismo encontra-se infelizmente amalgamada à nossa sociedade, devido ao descaso e a omissão, bem como devido principalmente à normatização que sempre houve diante de atos preconceituosos com esses grupos oprimidos. Nestes casos, as diferentes realidades sociais infelizmente se relacionam com os conceitos dissertados pelos autores no sentido do conhecimento através da observação e experimentação  do mundo.
Adelino Mattos Marshal Neto  - Direito Matutino 1º Ano. 

O Papel da Justiça na Desconstrução do Racismo no Brasil

A Constituição Brasileira de 1988 garante igualdade jurídica a todos os cidadãos, sob a
promessa de assegurar, dentre outros exercícios, o da igualdade e da justiça. Em
contramão a tais ideais, observa-se uma profunda desigualdade de tratamento pela
justiça brasileira entre a população negra e parda em comparação com a branca. No que
diz respeito a abordagem policial humilhante e violenta, até ao alto índice de prisões
preventivas, a população negra é imensamente mais atingida que a branca. Tamanha é
tal realidade, que não é raro o relato de uma pessoa negra no Brasil que, desde jovem,
aprendeu a temer a polícia e a não confiar na justiça. Com base nessa perspectiva,
Alexandre Beck produziu tirinhas com dois personagens jovens expostos à mesma
situação: a presença de um policial (ou guarda). Um dos garotos, Armandinho, branco,
está visivelmente indiferente a isso, e age com naturalidade diante do homem; já
Camilo, o outro garoto, é negro e demonstra saber, empiricamente, que qualquer ação
trivial, como correr com o amigo ou andar de bicicleta, pode servir de pretexto para uma
abordagem policial motivada pelo preconceito em relação a sua cor de pele.
Diante desse cenário contemporâneo, remete-se à ideia do racismo, sua gênese e
trajetória histórica no Brasil. Para isso, faz-se valer o conceito de Francis Bacon de
“ídolo”, desenvolvido na obra Novum Organum. Este seria uma distorção da realidade
provocada pelo desuso ou uso equivocado da racionalidade. Nesse âmbito, têm-se os
“ídolos do foro”, que atribuem ao discurso sofista potência de convencimento do outro
acerca de visões controversas e fantasiosas da realidade. Desta maneira, pessoas em
posições de visibilidade e influência social teriam um perigoso poder de servir como
fonte inquestionável de pseudoconhecimentos para o senso comum. Como exemplo
disso pode se relacionar a propagação e enraizamento do racismo na sociedade
brasileira através dos discursos vindos da elite que, quando se tratava do período
colonial, lucrava com o tráfico e comércio de pessoas negras escravizadas. Dentro dessa
lógica, é possível pensar que o racismo servia de ídolo de sustentação de um status quo
que favorecia os senhores e explorava e desumanizava a população vinda da África.
Ao longo da História, tal ídolo circundou o pensamento do brasileiro, e pode-se
dizer que se apresentou como um processo embrionário da cultura racista que ainda
vigora no Brasil. A desigualdade étnica no Brasil reflete na marginalização da
população negra e em um profundo desequilíbrio de oportunidades de acesso à saúde,
educação e emprego digno. Assim, de maneira equivocada, construiu-se uma lógica
deturpada que atrela a imagem do negro à criminalidade. René Descartes, em “O Discurso do Método”, associa o abandono de conceitos consolidados a uma luta, na qual
“é preciso (...) muito mais destreza para voltar ao mesmo estado em que se encontrava
antes do que para fazer grandes progressos, quando já se têm princípios que sejam
seguros”. Assim, sabe-se que a desconstrução do pensamento racista é um processo
complexo, mas indubitavelmente necessário.
A justiça deve ser por princípio uma ferramenta de impulso para a equidade, e
não uma via que assegure a manutenção perversa do privilégio de alguns em detrimento
de outros. A aplicabilidade da lei precisa acontecer de modo a enxergar a realidade
social brasileira, mas despindo-se dos ídolos de Bacon e dos princípios seguros de
Descartes. Somente assim os “Camilos” do Brasil, garotos e garotas, negros e negras,
poderão se sentir destemidos como Armandinho diante de uma autoridade policial, e acreditar
empiricamente nos dizeres fundamentais de igualdade e justiça que constam na
Constituição.

Razão e experiência: Escadas que levam o homem a uma melhor compreensão sobre a realidade.

Na idade antiga e na idade média, o homem usava o conhecimento apenas para contemplação do mundo, ou seja, o conhecimento apenas servia para contemplar o mundo e não para transformá-lo. Contudo, na idade moderna, o conhecimento deixou de ser apenas um conhecimento de contemplação para se tornar um conhecimento de transformação, assim a partir da idade moderna, o homem usaria o conhecimento para transformar o mundo em que vive, uns dos mais importante responsáveis por mudar essa maneira de pensar foram os filósofos René Descartes (pai do racionalismo moderno) e Francis Bacon (pai do empirismo moderno).                                                 O filósofo René Descartes, autor do livro: O Discurso do Método, onde ele apresenta o método da dúvida hiperbólica, na qual o homem precisa duvidar de tudo para conseguir buscar a verdade, sendo que essa verdade absoluta pode ser conquistada apenas pela razão, ou seja, através apenas do ato de pensar e rejeitando os sentidos que são considerados não confiáveis.                                                     O filósofo Francis Bacon, autor do livro: Novum Organum (Novo Instrumento), apresenta o método empírico-indutivo que estabelece a experiência como critério da verdade, assim Bacon busca uma ciência mais prática, objetiva, uma ciência com lei geral na qual busca explicar os fenômenos práticos no cotidiano.                                                                                                                                          Os dois filósofos do pensamento moderno: René Descartes e Francis Bacon mudaram radicalmente a maneira de pensar na humanidade, assim criando uma forma de pensar que influencia até nos dias de hoje, desse modo os seus métodos podem serem vistos em fatos no cotidiano:                     
                                     
        

Na primeira tirinha, observe que a dúvida de Descartes representada em Armandinho não é o suficiente para compreender a situação, pois lhe falta a experiência (receber abordagem policial discriminatória), já a garota por sofrer essas experiências, compreende mais a realidade e por isso diferente do Armandinho, a garota carrega a nota fiscal, ou seja, a garota usou a experiência para ter uma melhor compreensão da situação, experiência essa que é defendida por Francis Bacon. Na segunda tirinha, a garota não sofreu a experiência (receber a abordagem policial discriminatória) naquele determinado momento, porém por ter sofrido essa experiência em momentos passados, ela deduziu que poderá sofrer novamente uma abordagem discriminatória caso encontre com o policial novamente, sendo a dedução algo racional que pertence ao campo da razão, percebemos que na segunda tirinha a compreensão da realidade veio principalmente do uso da razão esta que é defendida por Descartes. 
Destarte, compreendemos que somente a razão para mostrar como o homem deve usar a experiência de forma eficaz e racional e somente a experiência para manter o homem na realidade, ou seja, impedindo que o homem entre em devaneios com seus pensamentos, dessa forma a razão e a experiência juntas fazem o homem ter uma melhor compreensão sobre a realidade.

Nome: Wilson do Monte Cerqueira Júnior – 1º Ano Direito Noturno

Inocência

Sento num banco de praça. Andando pela rua, vejo duas crianças: um menino branco e uma menina negra, ambos andando de bicicleta. Penso em como a inocência dos dois é algo tão bonito. Logo observo um policial abordando os dois pequenos. Ele pergunta se as bicicletas eram deles, e enquanto o menino quase ri da pergunta, a menina dá a nota fiscal ao policial. Um tempo depois, ouço-a dizendo que não podia correr, devido à possibilidade do policial confundi-la com um criminoso. Percebo, então, que ela não é mais tão inocente. Lembro-me, no mesmo instante, de uma aula que tive na faculdade sobre Descartes e Bacon, um discutindo a razão e o outro a experiência. Percebo a relação com a situação ali vivida pela pobre menina. Mesmo o racismo sendo algo fundamentalmente não racional, a menina possui a experiência suficiente para proteger-se dele. Percebo também que, em vários aspectos, a sociedade da época de Bacon e Descartes pouco difere da sociedade vivida pela menina. Ambas são excludentes, preconceituosas, com privilégios a poucos, sem uso real e verdadeiro da razão. Percebo, sentada naquele banco de praça, o quanto a vida difere dependendo de sua aparência física. Eu, nunca tendo sofrido racismo, tive praticamente a mesma reação do menino ao ouvir as perguntas do policial ao longe. A menina, tendo a experiência necessária para detectar ali sinal de perigo, logo respondeu da forma mais apropriada possível. Percebo o quanto aquela garotinha, tantos anos mais nova que eu, me ensinou sobre privilégio, sobre experiência. Ao levantar, sorrio para ela. Que ainda lhe reste um pouco de inocência.
Letícia Killer Tomazela (direito noturno)