O estudo do Direito é quase sempre marcado pela vasta leitura de diferentes livros, a maioria deles sendo o que é comumente chamado de “doutrina” e que visa explicar e analisar as leis do ordenamento jurídico brasileiro. É, inclusive, parte da fama do curso profissionalizante da área, que sempre vem acompanhado de comentários como “Tá fazendo Direito? Se prepara para ler muito, viu!”. Apesar disso, o curso de Direito deve ir muito além da leitura incansável de livros. Qual a utilidade do mundo teórico sem buscar o Direito no mundo real? O conhecimento teórico pode até formar um jurista razoável, mas é a forma que esse jurista busca se aproximar da realidade social que pode levá-lo a provocar mudanças reais.
Em um país como o Brasil, em que a população apresenta uma pluralidade de características, é importante não se prender a concepções fixas e decoradas. Boaventura de Souza Santos, em parte de seu livro “Para uma revolução democrática da justiça”, menciona a tendência cada vez mais forte que as faculdades de direito têm ao ensino “bancário”, em que os alunos apenas armazenam as informações que são jogadas a eles e consideram isso como um aprendizado. Esse ensino, ao privar os alunos do contato com a sociedade, também os priva de se elevarem a juristas que vão além daquilo que o sistema os pede, já que tudo o que eles vão fazer é reproduzir o que já foi feito — sem inovar, sem fazer a diferença.
Na realidade, toda essa reprodução robótica faz mais do que só impedir mudanças: ela também forma juristas despreparados para lidar com muitas situações. Sabe-se que há muitos grupos vulneráveis no país, na qual a maioria não tem suas necessidades defendidas pela lei ou pelo sistema judiciário. O que os juristas formados dentro da bolha jurídica e teórica irão fazer quando se depararem com um caso real, em que as vítimas da sociedade recorrem ao Direito para lutar por justiça? Exatamente aquilo que foram ensinados: ignorar os aspectos sociais como se o Direito existisse fora da sociedade.
Essa conduta por parte dos juristas brasileiros dificulta o acesso à justiça para grande parte da população. Um exemplo disso é o caso de uma moradora de rua que foi presa de forma preventiva por furtar produtos alimentícios que resultam em um valor de cerca de vinte reais. A juíza responsável pelo caso reproduziu um comportamento da cultura generalista, como colocado por Boaventura, em que a lei é vista como geral e universal e, portanto, é aplicada de forma quase genérica, independente dos outros componentes sociais que envolvem o caso.
Sem a atuação da Defensoria Pública de São Paulo no caso, a mulher teria continuado presa, apesar de ser evidente que o que a motivou foi o seu estado de necessidade — o que caracteriza o seu furto como famélico. Santos também menciona o papel importante que a Defensoria Pública tem no Brasil, principalmente ao se colocar como única defensora de grupos vulneráveis que, sem ela, não teriam como buscar justiça, assim como no caso citado.
Nota-se, portanto, a importância de formar juristas sensíveis ao mundo social, que o entende como área de atuação do Direito, e não como um elemento à parte do mundo jurídico. Mais do que isso, é necessário buscar entrelaçar o Direito com o social, pois só assim ele poderá alcançar todas as camadas da sociedade. Parece, na verdade, meio óbvio que todos devem ter acesso à justiça, o que torna a necessidade de reafirmar isso muito triste: tal fato prova que no Brasil até o básico é negado, e que a justiça fecha os olhos unicamente para quem mais necessita ser visto.
Camilly Vitória da Silva - Direito noturno, Turma XXXVIII, 2º semestre
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