Desenvolvidos no século XIX, os estudos econômicos e sociais dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels influenciaram e continuam a influenciar continuamente o desenvolvimento de teorias políticas. Contudo, é de tamanha importância ressaltar que a análise marxista e o método de interpretação social dialético elaborado por esses pensadores também pode contribuir imensamente para uma melhor compreensão e construção do sistema normativo à medida que permitem reconhecer os diversos confrontos materiais que guiam, em níveis diferentes, a aplicação das normas.
Em
sua obra ‘’A ideologia alemã’’, Marx e Engels criticaram assiduamente a
filosofia idealista hegeliana, a qual concebia as relações e os fatos sociais
por meio de uma lente falseadora, incapaz de reconhecer os conflitos reais
existentes no cerne da sociedade. Segundo essa teoria, o Direito seria um campo
de liberdade, pois a lei possuiria a capacidade de igualar a todos. Apesar da
atração de tal perspectiva, devido a sua beleza moral tentadora, é impossível
não apontar as suas falhas, sendo a principal delas, na visão de Marx e Engels,
o idealismo simplista e exacerbado. Para tais pensadores, a ideia hegeliana de
Direito não contemplaria o aspecto materialista da vida, ignorando por completo
os encontros e desencontros sociais e históricos influenciados pelos impulsos
econômicos do capitalismo. O risco de não se reconhecer tais desencontros é
precisamente permitir que a lei não legisle sobre eles, tornando o Direito um
meio de acentuação de desigualdades sociais e não um atenuador ou eliminador
destas.
Um
dos principais exemplos deste problema identificável na sociedade atual talvez
seja a questão da falta de regulamentação no Direito brasileiro para os
motoristas de plataformas digitais de carona, como o Uber. A lei trabalhista
não toca tais indivíduos no sentido de garantir que as plataformas às quais
eles se filiaram garantam-lhes o mínimo de direitos de condições dignas de
trabalho. As justificativas para a omissão são todas movidas pela ganância das
grandes empresas capitalistas, que incentivam sacrifícios diários de dignidade
e saúde de motoristas em troca de maiores lucros, e são revestidas por ideias
simples e desconexas com a totalidade da complexidade da realidade trabalhador
brasileiro. Afirmar, por exemplo, que todo trabalhador é completamente livre
para escolher qual serviço deseja exercer é fazer uso da perspectiva idealista
de Hegel, ignorando que a situação de inferioridade financeira dos trabalhadores
e o desespero para conseguir melhores condições de vida, sustentado pelo
sistema capitalista, vai torná-lo propício a aceitar qualquer trabalho que lhe
permita ‘’colocar o pão na mesa no final do dia’’. Considerando tal situação no
caso dos motoristas de aplicativos, o que vemos como resultado é a existência
de motoristas cansados por jornadas longas e degradantes de trabalho, e,
portanto, mais propensos a se envolverem em acidentes de trânsito, cujas
consequências, caso de fato ocorram, recaíram somente sobre eles e não sobre a
empresa digital.
A
omissão explícita da lei brasileira quanto a estes motoristas só reafirma a
tese de Marx e Engels de que o Direito serviria como instrumento de dominação de
determinadas classes sociais sobre as outras. É imprescindível, pelo bem destes
motoristas e dos seus passageiros, que o Direito se mova de maneira a legislar
sobre eles, fazendo uso do método dialético para garantir que desigualdades
materiais, como a do caso em questão, não sejam, no mínimo, refletidas no
âmbito jurídico, para que o Direito possa realmente se tornar um elemento
social de luta pela liberdade.
Nome: Isabela Maria Valente Capato
R.A: 221221468
1 ano de Direito - diurno