Em 2007 um jovem casal da família Laxton, na Inglaterra, teve um filho
chamado Sasha. Mas em vez de fazer um estardalhaço sobre o acontecimento, eles
decidiram manter as coisas mais reservadas. Beck e Kieran não contaram a
ninguém o sexo da criança. Referiam-se a Sasha apenas pelo seu nome ou por
"a criança." Sasha, que era de fato menino, dormia num quarto
amarelo, recebia tanto brinquedos de menino quanto de menina para brincar, e
seus pais vestiam-no com qualquer roupa aconchegante, fosse masculina, fosse
feminina.
É importante ressaltar que há uma diferença entre diferenciação sexual e
diferenciação de gênero. É claro que, devido à presença de seu orgão sexual,
Sasha sabia que era garoto, e sabe que assemelha-se mais ao pai que à mãe. Ele preferia,
no entanto – e deve ser frisado que eram suas escolhas, suas preferências
pessoais -
sair de casa utilizando
roupas de menina e gostava de nadar de biquíni.
Ao fazer 5 anos, Sasha entrou para o Jardim de Infância, e a interessante
experiência do casal Laxton foi enfraquecida, afinal seria difícil para a
criança ter essa inserção mais profunda no sociedade sem uma diferenciação de
gênero. Esse acontecimento levanta a seguinte questão: como teria sido a vida
de Sasha dali em diante caso ele não tivesse sido coagido pela sociedade a
assumir seu papel de garoto? Como seria a própria sociedade caso essa
diferenciação não existisse? Será que nesse caso, estaria eu nesse momento
escrevendo sobre a experiência de um casal de pais que decidiu criar seu filho
com base em seu gênero? Provavelmente.
Em uma entrevista, o próprio Sasha disse “regras como rosa é para meninas e
azul é para meninos são bobas.” E não são? Essas regras possuem de fato razão
de ser? Em algum ponto do passado essa designação das cores com base no sexo
teve início sem nenhum motivo aparente e hoje está consolidada da maneira
exposta por Sasha, e isso nos faz estranhar meninos de rosa ou meninas de azul.
Mas, se nesse mesmo ponto do passado, a diferenciação tivesse ocorrido de maneira
oposta, um quarto cor de rosa para um bebê chamado José seria a coisa mais
natural do mundo. Mas hoje, imaginar o fato já causa certa estranheza.
Para Durkheim, todo e cada ser humano tem sua personalidade moldada a partir
dos fatos sociais que regem o meio em que ele se encontra. São fenômenos
recorrentes, práticas inconscientes, costumes repetidos sem se saber o porquê,
ditados bradados sem questionamento. São coisas inerentes a todos, presentes
dentro de cada um de nós e ao mesmo tempo quase intocáveis. Rosa é para meninas
e azul é para meninos. Mas por quê? Não posso vestir meu filho de rosa? Não,
não pode! É errado! Errado? Existem “cores erradas” para se vestir um bebê?
Existem opiniões erradas para um ser humano?
No contexto social, sim. Seja católico, heterossexual e de preferência
conservador. Claro, o conservadorismo. A palavra que sintetiza as correntes que
amarram a sociedade ao passado, uma sociedade temerosa às mudanças, que estão sempre perturbando a ordem... "Esses jovens protestando aqui estão atrapalhando o trânsito!" Enfim, os fatos sociais mudam com o tempo, num passo lento o
suficiente para gerar discussões e discordâncias. Alguém contrário ao casamento
homoafetivo pode, por exemplo, argumentar que não se deve alterar os preceitos
do matrimônio. No entanto o fato que essa pessoa não pode trocar sua filha por
uma cabra e o fato que ela pode se divorciar no mesmo dia em que se casou
mostra que esses preceitos já foram massivamente alterados.
Em ambos os exemplos citados, o Direito é responsável pela fiscalização da
prática. Na vasta maioria dos fatos sociais, é assim que ocorre. Inúmeros fatos
sociais se institucionalizam e se oficializam ao tornarem-se leis positivadas,
e cabe às áreas do Direito fiscalizar o cumprimento desses fatos, coagindo
tentativas contrárias. Em países islâmicos, a mulher que tentar deixar seu marido
sofrerá severas consequências por parte do Estado. Da mesma maneira que
ocorreria hoje em nossa sociedade a alguém que tenha trocado a filha por uma
cabra.
Friso que há alguns parágrafos caracterizei os fatos sociais como quase
intocáveis, e não totalmente intocáveis. De fato, é de extrema dificuldade desvencilhar
a sociedade de costumes a ela atrelados há muito tempo. É difícil expôr, e mais
ainda crêr nas amarras que nos ligam ao titereiro invisível que personifica os fatos sociais. O ser humano é, no
entanto, capaz de raciocinar, capaz de pensar. Esses privilégios devem ser
utilizados o tempo todo para questionar os fatos sociais da nossa sociedade,
para que continuamos evoluindo socialmente. É um trabalho árduo, visto que a
vasta maioria das pessoas se quer tem consciência dessa condição. Mas é
importante indagar: Será que esse fato tem razão de ser?
Muitos dos fatos
sociais em nosso cotidiano não tem fundamento, são pesos preconceituosos e
atrasados que a sociedade insiste em levar adiante. O casamento homoafetivo,
por exemplo: não prejudicaria os casais heterossexuais de maneira alguma, e
traria benefícios trabalhistas, monetários e sobretudo emocionais e sentimentais
aos casais homoafetivos que desejam se casar. A vasta maioria das pessoas em
nossa sociedade aprendeu, no entanto, que isso não é natural, que não é normal,
e por isso causa estranheza. É compreensível, afinal o ser humano quase nada
pode fazer para se desvencilhar dos valores e dos fatos sociais da sua contemporaneidade.
É algo semelhante aos idosos racistas de algumas gerações atrás. Você pode culpá-los
de serem assim? Veja a sociedade em que foram criados e em que cresceram. Não
se pode analisar outras eras sob um olhar contemporâneo. Há fatos sociais
conflitantes, e indivíduos de ambas as épocas ficariam chocados com alguns dos
fatos sociais da outra era.
Os fatos sociais existem e eles regem a vida em sociedade, positivando-se através
das leis; isso por si só já é um fato. O bem estar social é, no entanto, muito
mais importante que a preservação dos fatos sociais. O Direito tem o de papel questioná-los
de forma oficial, visto que é responsável por sua oficialização. O Supremo
Tribunal Federal "cuspiu" na Constituição ao aprovar a união estável homoafetiva,
visto que ela diz no terceiro parágrafo do artigo 226 que união estável se dá apenas
entre homens e mulheres, e muita gente critica os ministros pelo desrespeito à
Constituição. Mas e daí que eles fizeram isso? A vida dos casais cuja vida foi
transformada com esse acontecimento é muito mais importante que um livro, e em
breve relacionamentos homossexuais serão um fato social.
Durkheim diz que por vezes, fatos sociais são como o ar: presentes, pesados,
mas imperceptíveis. Acrescento que também, assim como o ar, estão em constante
movimento. Mesmo que muitas vezes não sentimos, nunca está parado. E caso
aparente estar parado, é só dar um sopro, um empurrãozinho, para que seu
movimento possa ser notado. A sociedade é como um veleiro no mar à mercê das
ações dos fatos sociais. A questão é: Você quer ser o vento ou a vela?
Por Lucas Omer Severen Surjus
1º Ano Direito Diurno
UNESP