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sábado, 3 de setembro de 2011

É preciso ainda acreditar

Assassinatos em série, planejados minuciosamente por uma mente em certos aspetos genial; carros explodindo simultaneamente; sessões de tortura; o preso ditando as regras do jogo, na tentativa de punir os culpados pela morte da esposa e filha; os operadores do direito deixando-se seduzir por acordos com aqueles que transgridem a lei. Será tudo mesmo ficção como em Harry Potter ou pode-se presenciar um retrato, apesar de um pouco extremo, da realidade? Ficamos indignados ao ver os "mecanismos" adotados pelo homem e o repudiamos pelo sacrifício de tantas vidas em nome da punição dos culpados pela destruição da sua família, mas também possuímos, assim como ele em maior ou menor grau, sede de vingança e somos tentados a fazer "justiça com as próprias mãos" ao observarmos a morbidez dos meios que concretizam a tal Justiça.

Assim como expõe em seus textos Durkheim, não nos satisfazemos com a simples restituição do erro, sempre permeada de atenuantes e agravantes num jogo de aumento e diminuição da pena, queremos mais que isso. Culpamos, desejamos ver o outro pagar pelo que fez e estendemos assim à todos, que de certa forma o cercam, a punição, como se sua dor, sofrimento e a própria vida não conseguissem jamais suprir o que cometeu. " Direitos humanos? Para que preservar a dignidade daquele que em nenhum momento zelou pelo outro?" É o que facilmente ouvimos e lemos por aí, expressão do pensamento de uma sociedade que carrega a primitividade como sombra.

É preciso acreditar no direito, na Justiça apesar de tantas vezes se mostrarem ineficientes, omissos, em férias sem previsão de retorno. Os pulmões devem continuar recebendo o oxigênio e disponibilizando-o para todas as outras partes do corpo. É necessário confiar que o estômago fará devidamente o processo de digestão e que os rins filtrarão o sangue, tirando dele as impurezas. Os pulmões não podem, por deduzirem ou perceberem falhas na atuação do estômago e dos rins, tomar a digestão para si nem a filtragem do sangue, já que comprometeriam o funcionamento do organismo. O que seria do corpo social se levássemos ao extremo nossas indignações e sede de justiça? Certamente tal corpo estaria na UTI, agonizando lentamente, pois não nos deixamos conduzir, mesmo com insatisfação e falhas, pelo sistema nervoso, o direito restitutivo.

"A justiça tarda, mas não falha"?

Aprendemos com Durkheim que o direito nas sociedades mais complexas e "evoluídas", por assim dizer, se caracteriza por ser essencialmente restitutivo e técnico, quase racional. O filme Código de Conduta nos leva a refletir sobre a maneira como atua esse direito restitutivo e se ela é realmente eficaz na restauração dos danos causados por um crime. Na história, um pai de família testemunha o cruel assassinato da esposa e da filha, vindo a procurar auxílio no sistema judicial. Entretanto, se decepciona com este ao ver um dos assassinos ser liberado depois que a promotoria aceita um acordo, sob a justificativa de que "alguma justiça é melhor que nenhuma". Como o promotor diz no filme, "não se trata do que você sabe, mas do que você pode provar". Tomado por um sentimento de grande desengano, o personagem principal leva a busca de justiça às próprias mãos, cometendo atos brutais e chegando a se perder um pouco no meio desse turbilhão de emoções.

Apesar de tudo, poderíamos concordar que o objetivo do personagem no início era nobre: evidenciar as falhas e corrupções do sistema judiciário para aqueles que o comandam, e que muitas vezes esquecem os princípios básicos do trabalho que desempenham e deixam que meros fatos técnicos interfiram na obtenção da tão sonhada justiça. Mesmo que de uma maneira distorcida e errada, Clyde consegue provocar um verdadeiro desequilíbrio no sistema, nos levando a questionar essa matemática que o direito restitutivo parece pressupor, e se ela tem realmente tanto poder a ponto de colocar o que é justo e certo em segundo plano.

Além disso, o filme também mostra como essa aplicação do direito pode ser contraditória, visto que Clyde é preso e considerado culpado sem que se pudesse provar nada a seu respeito, o que não acontece com o homem que assassinou sua família. É essa decepção com o que deveria ser incontestavelmente correto, imparcial e que sobretudo deveria proteger os interesses dos que são lesados por atos criminosos que leva Clyde a deixar de acreditar na eficácia do direito e a substituí-la por uma justiça própria, que alcança um patamar muito mais complexo e profundo do que a simples vingança. Ele não quer apenas punir o responsável por aquelas mortes, quer deixar claro que teve que fazer isso com suas próprias mãos unicamente porque a Justiça foi incapaz de fazê-lo de maneira satisfatória. Os atos criminosos que o personagem também comete são vistos por ele como a única alternativa a aceitar a decisão medíocre dos promotores e juízes. É claro que não podemos ignorar os vários aspectos afetivos que influenciam o personagem, e o fato de "justiça" por si só ser um conceito extremamente relativo: para o Estado pode ser uma coisa e para aquele que saiu prejudicado, outra. Mas essas paixões que o movem são as mesmas que sentimos em muitos crimes que ganham repercussão nacional e comovem a população, portanto, podem ser perfeitamente compreendidas por qualquer um.

Por fim, sabemos que o sistema judiciário não é perfeito, porque este é operado por pessoas, e sabemos também que as pessoas não são perfeitas. Elas cometem erros, ignoram muitas coisas que não deveriam ser ignoradas e frequentemente se sentem incapazes de superar a racionalidade predominante no direito para alcançar o que é efetivamente certo. Não há dúvidas de que alguma justiça é melhor do que nenhuma, mas uma justiça plena é sempre melhor do que alguma justiça, e não podemos nos contentar com esta por medo ou simplesmente porque é mais fácil. Não se pode nunca deixar de tentar obter uma justiça completa, mesmo que para isso seja necessário arriscar muito mais. Não é certo nem possível que cada um comece a punir os que lhe prejudicaram por conta própria, pois a sociedade e o Estado se encarregam disso para evitar perturbações sociais, porém a "meia justiça" não pode passar a ser a meta mais alta. Se assim for, as consequências podem ser imensamente piores para aqueles que forem danificados, e, uma vez que falhamos em reparar um dano simplesmente por falta de esforço ou vontade, estamos causando um dano muito maior. O filme mostra claramente que nem sempre "só o que podemos provar" é que deve ser levado em consideração, afinal, o direito por si só já é um mistério, cuja aplicação pode muito bem, infelizmente, ser falha.

Percepções de justiça

Eu acredito que a frase “alguma justiça é melhor do que nenhuma” serve muito bem pra descrever o sentimento de quem foi vítima de alguma situação em que o responsável pelo ato desagradável não recebeu as devidas consequências na visão da vítima.

Entretanto a justiça de que a frase fala na minha concepção deve ser a justiça aplicada pelo Estado, ao julgar e prender o responsável pelo ato ilícito. A justiça feita pelas próprias mãos, como por exemplo, quando vemos, principalmente, em programas sensacionalistas criminosos sendo espancados pela população. Essa forma de se fazer justiça apesar de eu ser contra acho totalmente compreensível a raiva que a população sente pelo ato que o criminoso fez, não necessariamente raiva contra o criminoso, mas raiva contra a situação, contra a ação.

A partir do momento no filme em que o personagem principal começa a ir fazer justiça com as próprias mãos no calor do filme podemos até a chegar a pensar que o que ele estava fazendo era válido, mas ao começarmos a analisar o que ele fez de forma mais técnica, nos voltando novamente para um pensamento mais racional chegamos à conclusão de que ele estava errado. A justiça que seu país poderia fazer contra os dois meliantes já tinha sido tomada, não cabia mais a ele querer fazer um jogo de crimes e perseguições e assassinatos para fazer o que seria sua própria concepção de justiça. Outro ponto que também me força a pensar que essa forma de se fazer a justiça a partir de suas ideais não é correto, é que somos, por exemplo, no Brasil, para dar um exemplo numérico pequeno se considerado com o resto do mundo, cerca de 200 milhões de pessoas no país. Caso cada um desses 200 milhões de indivíduos fossem atrás de fazer a partir da sua própria concepção a sua justiça não conseguiríamos ter o que chamamos de Estado, pois é o Estado o detentor do monopólio da força, é ele que deve regrar a sociedade, e não cada um escolhendo o que e como seguir.

Assim finalizo dizendo que a frase é válida, mas que se consiga ter percepção e tato para saber de forma mais racional avaliar se a decisão do Estado, que é o responsável por julgar as ações “erradas” é a mais justa possível, a partir duma síntese dos fatos ocorridos.

As pedras no caminho

O direito sempre foi uma matéria polêmica, e não seria por menos, já que ele é dele a responsabilidade de regular a vida em sociedade e de punir os que não regem sua vida de acordo com essas regras. Mas a polêmica não advém somente disso, ela advém principalmente do fato de essas regras nem sempre serem perfeitas.
O direito positivado nos códigos e na constituição de cada país, por mais que busque alcançar a perfeição, frenquentemente sofre de uma ou outra contradição. Assim surgem brechas no sistema, surgem leis que se opõem, surgem ambigüidades, interpretações distintas de uma mesma norma. Isso torna a realidade da justiça complicada de ser posta em prática, e é disso que o filme “Código de Conduta” trata.
No filme, Clyde, um pai de família, testemunhas dois bandidos adentrarem sua casa e um deles matar sua esposa e filha. Após a tragédia, ele resolve buscar refúgio no sistema judicial, esperando ali encontrar a justiça de que precisava, mas um dos bandidos acaba saindo quase que impune.
Essa é uma situação comum no dia a dia de uma sociedade, por falta de evidências concretas, ou devido às imperfeições do direito e do sistema judicial, muitos criminosos acabam não recebendo a devida punição, o direito acaba atuando como “arte do possível”, faz-se o que se pode fazer dentro da lei, e nada mais. Mas na maioria das vezes, e principalmente em se tratando de crimes que chocam a população, essa pouca punição gera uma revolta muito grande, gera um clamor por justiça, pela justiça que o sistema judicial, com toda sua racionalidade, não pôde conceder.
Em “Código de Conduta”, é esse clamor, é esse desejo de que a punição seja aplicada, que leva o personagem a lutar contra todo o sistema de justiça, passando por cima de todos os que se opuserem a isso. No Brasil, podemos tomar como exemplo alguns casos em que uma grande repercussão social contribuiu para manter presas pessoas sem provas concretas suficientes, é o caso da morte da menina Isabella e do assassinato de Eliza Samúdio.
No entanto, tais decisões são sempre polêmicas, pois, ao mesmo tempo em que se pode incorrer no erro de se liberar um bandido, pode ocorrer também de se deter um inocente. Tal é a responsabilidade que cabe ao sistema judicial e ao direito em si, que para poder lidar com o encargo de regular toda uma sociedade, não poderia se dar ao luxo de não encontrar pedras como essas pelo caminho.

“Meia” justiça está bom para você?

Partindo da ideia de que o injustiçado tem o direito de cobrar justiça de forma racional, isto é, utilizando o sistema jurídico; ele pode adquiri-la totalmente, não obter nada, ou conseguir parte dela.

Se conseguir, racionalmente, a justiça por inteiro: perfeito! Está satisfeito. Se, no entanto, não obter nada pelo meio racional, possivelmente, a emoção toma conta das suas atitudes a fim de conquistar a justiça anteriormente negada. Se essas ações passionais ultrapassarem o limite do direito dos outros, o autor delas deve responder pelas consequências das mesmas.

Se, em outro caso, o injustiçado conseguir, através do Direito, apenas “meia” justiça, um sentimento de ausência da plenitude desejada é inevitável. Oras, se os elementos judiciais permitem a “meia” justiça, o injustiçado sente-se duplamente lesado; já que, além de sofrer o dano, ainda é traído pela imperfeição do sistema jurídico que foi incapaz de atendê-lo da maneira esperada. Sendo assim, o indivíduo desacredita no sistema jurídico e perde a certeza de que agir racionalmente é a forma adequada de buscar justiça. A partir desse momento, quando a racionalidade (aqui representada pelo Direito) perde seu crédito, o injustiçado permite que a emoção busque a justiça que a razão não lhe proporcionou.

Vale ressaltar que, alguns pulam a etapa da racionalidade e deixam a emoção assumir, primeiramente, suas atitudes em busca daquilo que consideram justiça. Alguns, simplesmente, acreditam que a razão não lhes proporciona a justiça que almejam. No filme, Código de Conduta, por exemplo, o injustiçado (Clyde) optou, inicialmente, pela racionalidade. Contudo, o Direito, devido à prioridade que o promotor (Nick) destinava ao seu sucesso profissional, ofereceu-lhe “meia” justiça frustrando suas expectativas racionais.

Clyde diz que, independentemente do resultado, preferia seguir processando os dois criminosos (Ames e Durby) a aceitar o acordo com um deles. Ele poderia suportar a perda judicial, mas não o acordo. Ou seja, ele poderia sofrer os danos causados pelos criminosos, mas não suportaria ser lesado por aquele que deveria defendê-lo: o sistema jurídico. Não suportaria receber a “meia” justiça que o Direito lhe oferecia. Ele queria ao menos tentar conquistar uma justiça completa. Clyde, então, dá espaço para a emoção e, por meio dela, pretende, além de realizar a sua justiça, demonstrar a imperfeição do sistema jurídico.

É difícil julgar as ações guiadas pela emoção de uma pessoa que se frustrou com os meios racionais. Se estes são ineficazes ou limitados, aquela é a alternativa que resta. A pessoa, já abalada pela situação danosa, ainda é golpeada por aquele que considerou (e que deveria) ser seu suporte, seu apoio, seu “justiceiro”. Ela sofre duas vezes, sendo a segunda vez caracterizada por frustração e decepção. Claro que no filme, Clyde faz barbaridades hollywoodianas e perde todos os escrúpulos, desenvolvendo uma obsessão doentia e, portanto, deve ser responsabilizado. Mas diante do caso em questão, quem conseguiria se conformar com essa “meia” justiça que a razão oferece?