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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Durkheim no Brasil atual

             Durkheim pregava a prevalência das normas sociais, naturalmente estabelecidas de forma interna, sob a vontade de o comportamento do indivíduo. Segundo ele isso ocorre para a própria sobrevivência da sociedade, que busca uma ordem que a pacifique.

            Desse modo o público deveria interferir em relações privadas apenas se elas prejudicarem o funcionamento equilibrado da sociedade, não devendo haver conflito em relações que não prejudiquem o todo.

            Assim sendo, a sociedade se adapta e proíbe naturalmente comportamentos que causem disfunções sociais, comprometendo a relação de equilíbrio, que pode mudar de acordo com a mudança de costumes e do comportamento da sociedade.

            Essa visão pode ser observada de forma muito clara nos casos de racismo e abuso de autoridade que ganharam notoriedade por meio da exposição, sendo um meio da sociedade mostrar e repreender comportamentos que não cabem mais no convívio social, sendo desfuncionais à sociedade.

            Hoje em dia esse fenômeno social, de expelir e repreender comportamentos inadequados, é facilmente observado nas redes sociais, inclusive com excessos e a promoção de linchamentos virtuais, onde cada vez mais as condutas inadequadas, que antes passavam despercebidas pelo conjunto da sociedade, são expostas, gerando reprovação da sociedade, visibilidade e efeito dissuasivo a potenciais praticantes de atitudes semelhantes.

Há também nas reflexões de Durkheim quanto a classificação do suicídio, que pode ser um fato considerado egoísta, onde o indivíduo não enxerga sentido na sociedade, solidário, onde o indivíduo se sacrifica em prol de um objetivo ou pauta comum, e o anômico, onde o caos social geral faz com que o indivíduo seja afetado, desencadeando o suicídio.

Durkheim também distingue a solidariedade, em mecânica, onde cada membro da sociedade funciona como uma engrenagem social que influencia a outra, e a orgânica, onde a sociedade é dividida em grupos específicos que se influenciam internamente.

O último tipo abordado pode ser observado na postura quanto a pandemia, onde grupos de maus empresários não se importam com o outro grupo social, os funcionários, e insistem na volta à normalidade, comprando narrativas descabidas e anticientíficas, com a retaguarda de terem seus leitos garantidos no sistema de saúde privado, desse modo lutando para os interesses imediatos do seu grupo social sem considerar os outros grupos sociais e o retorno a longo prazo. 

Aluno: Nicolas Gomes Izzo.

Turma: Direito 1° Semestre Noturno.

A Cultura do Cancelamento como Fato Social

Émile Durkheim defendia a análise da sociedade de maneira objetiva, para que a subjetividade do cientista não interfira o estudo da ciência social. Nesse contexto, Durkheim elabora a teoria do fato social, a fim de facilitar o tratamento dos fenômenos sociais como coisas, de modo que haja maior objetividade, como existe nas ciências naturais. 

Os fatos sociais são elementos que constituem na sociedade, caracterizados por serem exteriores, coercitivos e gerais. Desse modo, os fatos sociais são inerentes ao ser humano, exercem influência nas ações dos indivíduos, e se aplicam a todos os indivíduos na sociedade. 

Na realidade contemporânea, é possível analisar a “cultura do cancelamento” como um fato social, que se apresenta recorrente no cotidiano, principalmente nas redes sociais. O “cancelamento” começou como uma forma de chamar a atenção para causas sociais através da cobrança de que o cancelado, seja ele uma empresa, grupo ou personalidade da mídia, se responsabilize pelas ações equivocadas cometidas. Porém, o cancelamento se perdeu em sua essência à medida que se tornou uma forma de propagação de ódio e linchamento virtual, além de ter sido banalizado por grande parte dos internautas das redes sociais, que passaram a cancelar indivíduos por motivos pessoais ou sem embasamento.

E a cultura do cancelamento consiste um fato social, pois além de sua exterioridade e generalidade apresenta a coercitividade, de maneira que o medo de ser cancelado coage indivíduos a não cometerem determinadas ações. Desse modo, o indivíduo não deixa de realizar determinada ação por entender que ela é errada, e sim por receio do linchamento que vai receber se expor se essa ação vier a público. Além disso, quando há um cancelamento, os outros indivíduos são coagidos a “cancelarem” o “cancelado”, pois se não o fizerem serão os próximos cancelados, devendo afastar-se ou se tornar odioso.

Em suma, a cultura do cancelamento se tornou extremamente prejudicial para a defesa de causas sociais nas redes, pois a cobrança necessária de personalidades ou grupos pelos seus atos agora é confundida com um “cancelamento”. Além disso, o linchamento virtual e a propagação de ódio gratuito foram estimulados por essa cultura, principalmente no contexto de pandemia mundial,na qual o uso cotidiano de computadores e celulares aumentou drasticamente.


Pedro de Miranda Cozac - Direito Matutino

 

Durkheim e o mito da beleza

 Émile Durkheim foi um importante sociólogo no séc XIX que inspirou diversos estudos sobre a sociedade e como ela se configura. Um desses estudos foi sobre os fatos sociais e como eles influem na vida do individuo, com o objetivo de manter a ordem social.

Os fatos sociais são independentes do individuo, e tem como essência o agir do homem em sociedade de acordo com as regras sociais, ou seja, consiste em maneiras de agir, de sentir e de pensar, obrigando-os a se adaptar às regras da sociedade onde vivem.
Nem tudo é considerado um fato social, pois, para ser identificado como tal, tem de ter uma generalidade, se impondo sobre os indivíduos, uma exterioridade, ou seja, já estava estabelecido na sociedade antes do nascimento do individuo, e coercitividade, agindo sobre todas as pessoas, e não somente uma exclusivamente.
Analogamente as ideias de Durkheim, podemos fazer uma relação desses fatos sociais com a forma que a sociedade no século XXI se organiza, onde diversos mecanismos são elaborados para que os fatos sociais sejam obedecidos. Um exemplo disso é o atual padrão de beleza, criado para manter a ordem e o controle sobre as mulheres, que com a ajuda das empresas de cosméticos e todo o aparato capitalista focado no lucro, inventaram diversas ''regras'' e ''características'' que a mulher ideal deve seguir para ser socialmente aceita.
O padrão de beleza é algo convencionado, que já sofreu diversas mudanças em seus paradigmas durante os anos, mas atualmente o principal esteriótipo que é imposto as mulheres como ideal de beleza, é o da mulher magra.
Essa crença de que a mulher magra é a mulher certa, e a única capaz de ser considerada ''bela'', despertou em diversas mulheres, uma serie de problemas de saúde mental e física, já que em função disso é cada vez mais normal que a mulher se disponha a participar de dietas rigorosas e cirurgias estéticas que podem suscitar complicações em seus corpos, antes saudáveis, somente para se enquadrar nesse padrão inventado.
No livro ''Mito da beleza'' de Naomi Wolf, é discutido como a busca por essa beleza convencionada, que se torna cada dia mais irreal e inalcançável, não é uma necessidade de manter as mulheres magras, mas sim, de manter as mulheres com uma personalidade passiva, ansiosa e emotiva, já que como os pesquisadores J. Polivy e C. P. Herman concluíram em seus estudos '' a restrição calórica prolongada e periódica resulta nessa personalidade característica''. Além disso uma mulher se mantém preocupada com seu corpo ou sua alimentação durante horas, não tem tempo de questionar os paradigmas sociais, portanto o mito da beleza é só mais uma forma de manter a ordem, tanto prezada pela sociedade descrita por Durkheim.
Segundo o filosofo, a resistência a esses fatos sociais é seguida de uma ação punitiva para evitar a ''anomalia'', que seria a deterioração das regras que mantém a coesão social, no caso do mito, a principal punição para essas mulheres é a ideia de que, se não estiverem no padrão, se não forem consideradas bonitas, elas não são merecedoras de amor, ou de sexo, apenas mulheres bonitas são desejadas, o que na realidade é somente mais uma invenção, a beleza nunca esteve ligada a esses fatores. Assim o crime (que seria a não submissão aos padrões) e a punição (a negação de amor) não são proporcionais, mas o que interessa, como alega Durkheim, é como essa punição individual ecoa pelos indivíduos, quando vemos uma mulher fora dos padrões, e que está solteira, nos é contado que este fato está estritamente ligado a sua aparência, fazendo com que todos acreditem nisso, inclusive ela.
A prova de que essa questão está ligada com a natureza política é de que, se esta fixação sobre aparência estivesse relacionada ao sexo, ela seria uma questão íntima entre a mulher e seu, ou sua, parceira, se estivesse relacionado à saúde, seria uma questão da mulher consigo mesma, mas não, a aparência da mulher é discutida de forma pública, nas revistas, na TV, e na mídia em geral, isso tudo faz parte de uma estratégia de controle muito bem pensada.
Uma grande diferença entre o positivismo de Comte e a filosofia de Durkheim é que Durkheim não acreditava que isso nos guiaria involuntariamente para o progresso da sociedade, e nesse caso ele estava certo, essas medidas de controle com o objetivo de erradicar esses perigos trazidos pela liberação das mulheres, só nos atrasa, e aprisiona, tirando nosso direito sobre nossos próprios corpos.



Bibliografia:
WOLF, Naomi. Mito da beleza. versão brasileira: Rio de Janeiro: Rocco 1992

Citação retirada do livro base citado acima.
J. Polivy e C. P. Herman: “Clinical Depression and Weight Change: A Complex Relation”, Journal of Abnormal Psychology, vol. 85 (1976), p. 338–340. Citação em Ilana Attie e J. Brooks-Gunn, “Weight Concerns as Chronic Stressors in Women”, em Rosalind C. Barnett, Lois Biener e Grace K. Baruch, orgs., Gender and Stress (Nova York, The Free Press, 1987), p. 237.

Talita Bravo 1 Ano de Direito Matutino

Émile Durkheim na atualidade

 Através do desenvolvimento da civilização humana, inúmeros filósofos, sociólogos e pensadores em geral buscaram entender como a sociedade funciona. Entre eles, o sociólogo Émile Durkheim, o qual é considerado fundador da sociologia e do método sociológico. Nesse sentido, o presente escrito busca entender como as ideias desse pensador conseguem ser expressadas atualmente.

  Uma de suas principais teses era de que a sociedade funcionaria como um organismo. Assim, a sociedade criaria ferramentas para que mantenha seu organismo funcionando, como por exemplo o fato social e as normas. O fato social é algo que molda nosso comportamento e forma de agir. Ou seja, a partir do momento que nós nascemos, a sociedade nos fornece valores sociais representados em normas de conduta, os quais devem ser seguidos e reproduzidos. Esse fenômeno pode ser exemplificado em casos simples, por exemplo quando os pais repreendem a criança por mal comportamento, assim revelando a reprodução das normas da sociedade.

 Ademais, o fenômeno também consegue explicar, pelo menos em partes, alguns problemas mais profundos, como o preconceito. O extenso período de colonização na América latina, enraizou seus valores na população, entre eles o preconceito contra os negros. Nesse sentido, o racismo se tornou muito difícil de ser combatido, uma vez que a população acaba reproduzindo esses valores.

 Além disso, outro conceito muito presente é a anomia. Segundo Émile Durkheim, a anomia seria um estado de deterioração das regras que mantém a coesão social. Atualmente, esse fenômeno pode ser visto nas favelas, as quais desamparadas pelo auxílio do Estado, criam suas próprias leis, a fim de resolver os conflitos e dificuldades que surgem. Vale ressaltar que a anomia não é um estado de anarquia, mas sim de distanciamento das regras comuns e tradições.

 Dessa forma, os conceitos desenvolvidos pelo sociólogo podem ser considerados intrínsecos a sociedade. O fato social é capaz de explicar os mecanismos que a sociedade cria, no intuito de impedir a anomia. Já por outro lado, há a anomia, a qual pode representar uma total ruptura da sociedade ou o surgimento de uma nova coesão social que se adéqua a realidade. 

1 ano Direito Matutino- Rafael Enzo Yamada

A simbiose entre Durkheim e a atualidade

    A obra brasileira “O Cortiço”, escrita por Aluísio Azevedo, é um romance naturalista do fim do século XIX. Seu enredo é composto pelo cotidiano de um cortiço do Rio de Janeiro, capaz de retratar um microcosmo da sociedade brasileira. Com seus vários personagens, há vários fenômenos sociais demonstrados. Um desses fenômenos seria a quebra de paradigmas, ou seja, a ruptura com padrões comportamentais pela personagem Pombinha. Sua mãe, Dona Isabel, a havia criado segundo as regras impostas pela sociedade machista às meninas, logo, tinha bons modos, era estudiosa, educada e, claro, deveria estar à busca de um homem para casar. Porém, ao Pombinha se deparar com os homens ao seu redor, se decepciona e escolhe a homossexualidade e a prostituição, rompendo com as expectativas de sua mãe e de toda a sociedade, que deixa de olhá-la com admiração, passando a um olhar de repúdio. Analogamente, esse ocorrido retrata o objeto de estudo da teoria durkheimiana- desenvolvida também durante o século XIX-, denominado fato social.                                                                                

    O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) é considerado o fundador da sociologia, pois seu método científico foi capaz de diferenciar a sociologia das demais ciências humanas, a partir do estudo dos “fatos sociais”. Segundo o sociólogo, "É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.". Sendo assim, extraem-se três características principais do objeto de estudo em questão: coercitividade, exterioridade e generalidade. A coercitividade é baseada na pressão externa/social atuada sobre o indivíduo, para que os indivíduos sigam as normas impostas pela sociedade. A exterioridade se encontra no argumento de que o fato social independe das vontades individuais, sendo externo ao ser humano. Por fim, a generalidade é explicada pelos fatos sociais se repetirem na esmagadora parcela dos indivíduos da sociedade. Os fatos sociais devem ser tratados como “coisas”, ou seja, exprimem naturalidade e objetividade, além de determinarem um conjunto de regras, normas e padrões de comportamento para a sociedade. Com o respeito a essas regras, Durkheim diz estabelecer-se a coesão social, ou seja, uma harmonia na sociedade. Nesse panorama, surge a coerção: quando o homem resiste a seguir o fato social, ele ameaça romper o equilíbrio estabelecido, cabendo à sociedade  reprimí-lo, a fim de evitar a anomia (deterioração das regras que mantém a coesão).                                                                                                                                                      

    Tal repressão, mais evidente quando há resistência ao seguir das regras sociais, é demonstrada, portanto, na história de Pombinha, de “O Cortiço”. Quando deixou de obedecer as normas da sociedade, ou seja, ser uma mulher heterossexual, submissa e “recatada”, escolhendo viver uma vida pautada na homossexualidade e prostituição, se tornou automaticamente alvo da coerção social, a partir do desprezo dos habitantes do cortiço e, inclusive, de sua própria mãe, que morre de desgosto.  Esse cenário, infelizmente, ainda permeia, de modo intenso, a contemporaneidade, em função do persistente panorama racista, machista e cisheteronormativo do ocidente. Durkheim diz que os padrões de comportamento estabelecidos em torno desse panorama são aprendidos no processo de socialização, a partir de instituições que os transmitem, como as escolas, famílias e igrejas, a fim de adequar o indivíduo à sociedade e prendê-lo ao estereótipo que lhe é imposto. Atualmente, o fato social sobre o machismo e suas decorrências ainda se perpetuam, como o estereótipo relacionado ao gênero sobre atributos que homens e mulheres devem possuir ou sobre funções sociais que devem cumprir, sem igualdade de direito entre os gêneros.                                                                                        

    Em um âmbito mais interno, foi demonstrado no Brasil, em 2019, o escancarar de como esses padrões ainda estão muito presentes. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que o país estava em uma “nova era”, em que os meninos vestiam azul, e as meninas, rosa. Essa fala gerou muitos aplausos e apoio da população, demonstrando ainda um apego a essa regra social relacionada ao gênero e, logo, ao machismo. Dessa forma, vários indivíduos (“Pombinhas contemporâneas”?) que não se identificam com o modelo imposto, muitas vezes decidem o seguir apesar das discrepâncias com suas aptidões pessoais e decisões de vida, pois, por estarem sujeitos a esse fato social, sofrerão coerção caso não o obedeçam.               

    Apesar dessas muitas pessoas optarem por não se opor ao fato social, é indubitável o argumento de que a reação às ações machistas está se fortalecendo progressivamente, a partir da ascensão de movimentos feministas. Esses, surgidos nos anos 1960 nos Estados Unidos, reivindicam a igualdade de direitos civis e políticos entre homens e mulheres, além da liberdade de agir fora dos padrões impostos. Entretanto, visto que o feminicídio (assassinato de mulheres e meninas por questões de gênero) ainda é um dos crimes mais cometidos no mundo, o machismo permanece na mentalidade da sociedade, sendo um fato social que continua gerando repressões extremamente violentas aos movimentos reacionários. Entre essas repressões, encontram-se agressões psicológicas, físicas e consequentes mortes sofridas por várias mulheres. A fala da ministra revela, portanto, que o contexto brasileiro, infelizmente, ainda corrobora esse fato social, tornando o Brasil como o 5° país com mais casos de feminicídios no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUD), de 2019.                                                                                                                                                                              

      Logo, percebe-se que o microcosmo da sociedade brasileira do século XIX, representado em “O Cortiço” ainda se mantém intacto, mesmo 200 anos depois. O machismo ainda se mantém intacto como fato social. Com suas nefastas consequências, é necessário que a luta feminista não deixe de ocorrer, para que o machismo deixe de se apresentar como generalizado, coercitivo e externo na sociedade. Para que mulheres não se sintam culpadas ao sair das celas comportamentais em que foram aprisionadas. Para que não sofram a pressão coercitiva. Para que não recebam o mesmo tratamento de Pombinha. Segundo Paulo Freire, “O mundo não é, o mundo está sendo”, ou seja, o machismo, apesar de tão perene nos últimos séculos, não deve ser algo permanente no mundo, muito menos continuar contendo as características do objeto do estudo durkheimiano.

Ana Marcela Nahas Cardili- 1°ano Direito Matutino

Durkheim e a Cultura

 



Émile Durkheim é um dos fundadores da sociologia e foi discípulo de Augusto Comte. No entanto, ao contrário de seu mentor, Durkheim acreditava que os fatos sociais estão em constante mudança, tal qual a sociedade, e que Comte equivocava-se ao invés de procurar fatos, valorizar apenas sua ideia de história, não procurando entender a história em si. Sua análise da sociedade se baseia no que ele quer que ela seja, não no que ela é de fato.

Para Durkheim, a sociedade se desdobra e evolui constantemente na busca de evitar a anomia, ou seja, o desgastamento de suas regras e colapso, sendo sua coesão e equilíbrio o eixo que a move. Nesse contexto temos em vista os fatos sociais. De acordo com o sociólogo, fatos sociais são um conjunto de regras dotadas de generalidade, exterioridade e coercitividade que independem dos pensamentos e ações de indivíduos e que permitem uma identificação de consciência coletiva.  Ou seja, os fatos sociais regem, de certa forma, as sociedades, mesmo que os indivíduos nelas presentes não tenham consciência de sua coerção. No que tange o grau de coerção de um fato, é importante apontar que este atinge seu maior grau de evidência quando quebrado. Um exemplo da questão seriam homens de saia, ninguém impede ou pode impedir que indivíduos do gênero masculino comprem e usem saias, no entanto, na cultura brasileira, se alguém o fizer, receberá como consequência olhares maldosos, cochichos e, na pior das hipóteses, até mesmo agressões físicas daqueles que acreditam que essa quebra de conduta social é extremamente danosa para a coesão da sociedade.

Em uma segunda abordagem, é possível observar-se que os fatos sociais não são estáticos ou os mesmo por todo o mundo. De acordo com Roque de Barros Laraia em seu livro “Cultura: um conceito antropológico”, nosso comportamento social e modo de ver o mundo é fruto de nossa herança cultural. Desse modo, como já dito anteriormente, enquanto no Brasil homens de saia constitui-se em uma quebra dos fatos sociais, em certos países da Ásia e Europa isso pode ser considerado normal, pois há trajes típicos masculinos com essas características. No entanto, nada impede que, no futuro, o ato de um homem usar saia no Brasil deixe de ser uma quebra da coesão social e torne-se algo comum, pois uma sociedade evoluída, no ponto de vista de Durkheim, tende a tentar incluir todos os indivíduos, pois cada um cumpre um papel específico dentro dela e sua eliminação ou linchamento criaria uma lacuna dentro da funcionalidade social. Exemplificando tal fenômeno, mesmo que ainda haja muito preconceito, o Brasil caminha para aceitar cada vez mais a existência das pessoas da comunidade LGBTQ+, homofobia agora é crime, há um dia para paradas de orgulho e um de nossos artistas mais famosos do momento é uma drag, algo que seria impensável há cinquenta anos.


Vistas sociológicas ao fenômeno social do “Gado”

 

Com o advento das redes sociais, sobretudo na última década, houve um enorme crescimento nas relações sociais entre grupos que anteriormente as essas redes jamais teriam tanto contato entre si, como é o caso da união dos extremistas políticos em nível nacional. Partindo de uma análise com o método de Durkheim, o fenômeno social do “Gado” cabe perfeitamente à definição de fato social como será mostrado a seguir. 

Primeiramente, há de se definir esse fenômeno em função das suas propriedades inerentes. Os sinais externos e genéricos que prontamente identificam-no são o caudilhismo, o sebastianismo, negacionismo e, evidentemente, a cegueira ideológicaOu seja, em termos práticos, é observado como o comportamento coletivo de adoração fanatizada a uma figura pública, carismática ou não, contando com apoio irrestrito a toda e qualquer ação desse político - ora divinizado, ora aclamado como salvador da pátria -além da manipulação ardilosa que ele realiza sobre esses eleitores através dos meios de comunicação das redes sociais para um fim específico - cuja finalidade pode ser desde uma militância simples a uma destruição de reputaçãoAdemais, é possível observar que esse fato não depende de algum indivíduo para se manifestar, visto que apesar da nomenclatura moderna se referido a bovinos, não é um fato novo para a sociedade brasileira - estando presente desde antes Brasil Republicano - assim, é também exterior aos indivíduos, pois o fenômeno já se manifesta antes mesmo da existência dos indivíduos que pertencem a esse fenômenopor fim, se tentado confronto com esse fato, há coerção externa contra quem atenta, provando sua existência a partir da resistência que oferece.  

Diante desses sinais, é modelado o “Gado” como fato social, como objeto de estudo, e distanciado de uma análise ideológica, portanto reconhecido por qualquer olhar sociológico atento. Cabe aqui aplicar essa definição à realidade mencionada, cuja ocorrência se dá entre eleitores não somente alinhados ao espectro político da direita, mas também da esquerda. Como primeiro sinal apontado, o Caudilhismo, partindo da definição sumária e adaptada à modernidade, que se relaciona com a personificação carismática de um líder, sem ideologia definida, que busca manter os privilégios das elitessem realizar grandes transformações estruturais e donos de grandes exércitos virtuais. Ou seja, com menor ou maior intensidade, é o que acontece no momento político atual e o que ocorrera no momento político sob o maior nome político da atual oposição 

Em seguida, o Sebastianismo também pode ser constado, levando em consideração a definição desse sinal como um mito messiânico que consiste na esperança da vinda de um salvador da pátria que trará mudanças político-econômicas. Com isso, novamente, pode ser plenamente constatado na política recente do país em ambos espectros políticos, com eleitores defendendo seus representes com argumentos divinizados, como o Messias (enviado por Deus), ou com argumentos de seu representante ser o único, o superior capaz de salvar a pátria e o povo, de encerrar toda a miséria e os problemas nacionais. 

Como apontado, o negacionismo também é um sinal comum. Partindo da definição genérica que se baseia na escolha de um indivíduo em negar a realidade para escapar de uma verdade desconfortável. Logo, observando o cotidiano há, essencialmente, os negacionismos da história e da ciência, representando o “Gado” de direita, como os recentes acontecimentos envolvendo o medicamento Hidroxicloroquinaou os ligeiramente mais antigos, como a idealização da Ditadura militar ocorrida da década de 1960 a de 1980 e, até mesmo, o Brasil Imperial. Já para o “Gado” de esquerda, vê-se o negacionismo da política e da Justiça, como se pode verificar por exemplo, respectivamente, com a enorme resistência do maior partido de oposição em criar alianças com os demais partidos em nome de uma superioridade política, e da criação da conspiração do enviesamento da Justiça Federal no julgamento daquele expoente da oposição, mesmo considerando os erros e exageros desse processo, não necessariamente absolve-o. 

Por último, o sinal da cegueira ideológica é definido como o comportamento de agir sem qualquer limite para seguir a ideologia na qual acredita. Pode ser observado com o incessante apoio eleitoral ao atual presidente por parte considerável da população, mesmo com as atrocidades deste na saúde pública, corrupção ou envolvimento com o crime organizado, representando a direitaou o apoio a regimes autoritários pela questão de afinidade ideológica, nesse caso seguindo a máxima do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”, representando a esquerda. 

Então, assim como leciona Durkheim, o fenômeno observado é tratado sem qualquer pré-noção ou intromissão de sentimentos; ao contrário, foi definido previamente caracteres exteriores e objetivos que podem ser mostrados a todo mundo e, dessa forma, proporcionando uma medida padrão que pode ser aplicada a realidade independentemente de posição partidária, com o intuito de pensar a partir da observação da coisa e se utilizar da reflexão para explicá-la e não ao contrário. É importante o aprofundamento nessa questão pelo motivo de essa ser a base da atual polarização política que o país vive, necessitando como nunca de uma ciência mais especializada sobre essa realidade e não mais análises e debates ideológicos.