A TRAGÉDIA SÍRIA: DO INDIVIDUAL AO ESTRUTURAL
No dia 12 de março, o jornal americano “The Free Press” publicou em seu site a notícia “Syria’s New Rulers Tortured Me. Now They Are Targeting My Friends.”, nela, conta-se a história de Ali, chefe de uma família alauita síria ameaçada pelas perseguições promovidas pelo novo governo do país. Ali, sua mãe idosa e suas duas irmãs poderiam fugir para o Líbano, no entanto, vêem-se tolhidos pela ameaça das milícias governistas que montam blitz móveis nas estradas da Síria Ocidental.
Em vista disso, a situação de Ali é dilemática: permanecer em sua cidade-natal pode significar ser mais uma vítima do massacre promovido pelo governo al-Shar’a contra os alauitas, mas tentar a sorte evadindo para o Líbano também apresenta o risco quase certo de se deparar com extremistas sunitas.
O impasse pessoal da família de Ali dialoga com a análise feita por Wright Mills em “A Imaginação Sociológica”: em um primeiro plano, é explícito que os riscos enfrentados pela família não são meramente perturbações pessoais, mas questões públicas. Isso porque, sem dúvida, as circunstâncias que promovem a iminente perseguição contra Ali estão na ordem de eventos sociopolíticos que transcendem a realidade imediata dos indivíduos, nenhum deles contribuiu com o regime al-Assad ou participou da guerra contra os extremistas sunitas para que fossem alvos evidentes do novo regime, apenas calhou que fossem membros de uma minoria religiosa do islamismo vista como uma espécie de heresia pelo sunismo radical.
As causas profundas do sofrimento dos alauitas não são compreensíveis pela experiência imediata do sujeito, a família de Ali não conhece seus perseguidores e não saberia a motivação da violência promovida contra si. Aí entra o papel da imaginação sociológica, o entendimento completo do problema de Ali depende da compreensão de que o novo regime Sírio é resultado de um longo conflito religioso, político e econômico que tem sua origem remota na delimitação inadequada das fronteiras do país. A identidade síria – como algumas outras identidades de nacionais de países colonizados – não tinha, e ainda não tem, tanto vigor quanto a identificação por grupo religioso e etnia, levando à negação da alteridade e da coesão cidadã. Somou-se a essa tensão latente o descontentamento com o regime al-Assad, que mostrou-se incapaz de conter a decadência econômica e o descontentamento com a baixa representatividade, valorizada pela porção mais jovem da população, e reagiu violentamente às manifestações de 2011.
Aproveitando-se do contexto de resistência ao Estado, o estresse religioso de longa data voltou a crescer e tomou para si o conflito sírio e, com isso, 13 anos depois, o governo al-Assad foi derrubado por radicais sunitas liderados por um ex-membro do Estado Islâmico e da Al-Qaeda. Apesar de sinalizar moderação, a verdadeira face do governo al-Shar’a se expõe na situação de Ali e na perseguição aos alauitas, que, muitas vezes atomizados e com limitado acesso à informação, vêem-se alvos de uma violência da qual não tiveram qualquer papel, mas que os atinge por sua participação num contexto social muito maior.
Artur Azevedo Rodrigues - 1º ano - Direito (noturno)