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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Boaventura, Weber e a utópica democracia racial

Primeiramente, retoma-se o contexto histórico brasileiro no passado: um país colonial, cujas culturas africanas e indígenas, forçadamente, foram sendo silenciadas e dizimadas por uma cultura europeia, tida como “superior”. A partir dessa premissa, os negros africanos aqui residentes lidavam, a todo o momento, com a opressão, a discriminação e a sensação de inferioridade. Em contrapartida, a elite agrária era a proprietária de terras, detentora do poder político, econômico e intelectual. Nesse contexto, o direito tornou-se o principal instrumento para legitimar essa exploração contra as minorias, usado como dominação político-social como Marx propunha e de maneira hegemônica, segundo Boaventura.
Com o passar dos séculos, o preconceito racial cristalizou-se tão fortemente na sociedade, que atualmente muitos chegam a acreditar na inexistência do racismo na nação tupiniquim, argumentando sobre a existência de uma democracia racial, diga-se de passagem, ainda utópica. A partir daí, Boaventura de Souza Santos, ao considerar a própria emancipação social como uma forma de regulação social, define o conceito de estratégia parlamentar: para ele, o contrato social só poderia ser expandido até certo ponto, desde que não entrasse nos méritos econômicos. Assim, as conquistas sociais se restringiam a uma igualdade formal, isto é, os direitos das minorias, apesar de constarem nos textos normativos, não possuíam força operacional, já que atingiam diretamente os preceitos econômicos do sistema neoliberal, cuja função visa manter o status quo
Nesse sistema neoliberal, as relações privadas, por meio da hiperflexibilização dos contratos, ignoram as demandas sociais, uma vez que se preocupam apenas na conservação do capital. Nesse ínterim, os negros são excluídos: o preconceito velado inviabiliza a contratação dessa minoria para cargos mais bem remunerados, visto que fogem da padronização branca requerida, resultando na marginalização salarial e, por conseguinte, econômica-social.
As cotas raciais, mesmo que uma solução tardia e insuficiente, revelam uma esperança de que o direito, como instrumento contra-hegemônico, possa ser emancipatório. Sabe-se que o direito, por si só, não tem essa capacidade, é necessário não só lutas sociais, mas também uma hermenêutica e aplicação favorável dos operadores dessa máquina jurídica, como encontrado no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski contrário a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada pelo Partido Democrata (DEM).
A questão racial no Brasil não pode ser entendida como meramente econômica, há a necessidade primeira de findar com o preconceito racial. De certa maneira, é vergonhoso pensar, em pleno século XXI, na ocorrência de casos de preconceito racial, exclusivamente ocorridos por ódio a uma cor de pele diferente. Para Mandela, ninguém nasce odiando, aprende-se a odiar; desse modo, evidencia-se que o fascismo social recorrente é o responsável por esse ódio, devendo ser desconstruído, sobretudo, por meio do amor. Quando faltar amor, o direito mostrará, como mecanismo fundamental, uma forma de “sermos iguais quando a nossa diferença nos inferioriza” e “sermos diferentes quando a nossa igualdade nos descaracterizar.” 
Para Boaventura, as cotas, como solidariedade institucionalizada, possui tanto uma eficácia instrumental, cuja função objetiva a igualdade de oportunidades, resultando em uma melhor distribuição de renda e mormente, quanto uma eficácia simbólica, capaz de proporcionar uma reflexão importante e urgente na sociedade brasileira sobre os diversos males do racismo, além de mostrar a existência de uma dívida social histórica a ser paga com juros e correção. Por fim, espera-se que o direito possa ser o grande responsável pela conquista da igualdade material, uma vez que o texto normativo, criado na existência de uma vontade de Constituição, especialmente quando a Constituição é caracterizada como cidadã,  não fique apenas restrito a igualdade formal. 

Leonardo Borges Ferreira - 1° ano noturno

O privilégio dos desprivilegiados

De acordo com a filosofia, emancipação consiste na luta das minorias pelos seus direitos de igualdade ou pelos seus direitos políticos enquanto cidadãos. Entende-se por minoria, não os grupos, necessariamente, numericamente menos populosos, mas aqueles que são excluídos por meio da subordinação devido às suas características étnicas, religiosas, cor de pele, país de origem, situação econômica etc, em relação a outro grupo, que é maioritário ou dominante em uma dada sociedade.

Desta forma inicia-se um processo segregacionista, culminando, de acordo com Boaventura de Sousa Santos, na sociedade civil incivil. Apesar de parecer exagerado afirmar que os negros são severamente excluídos, é visivelmente notável a quantidade insignificante desse grupo nas universidades públicas, ou seja, ocorre segregação urbana ou o fascismo social. Paradoxal é a existência do fascismo social em Estados Democráticos de Direito, como é o caso do Brasil, resultando na precária representação institucional, um problema que afeta os grupos minoritários. Por exemplo, vida do povo negro brasileiro é peculiar nesse sentido, sendo por um lado juridicamente livre e igual, e por outro ainda querer reivindicar uma sonhada igualdade material não existente. O sistema representativo instituído em nosso país favorece os grandes grupos, que se organizam para conseguir empoderar um representante político que atenda às suas necessidades imediatas. Diante desse sistema, as minorias acabam sendo representadas de forma secundária.

Portanto, nasce a necessidade de dar privilégios aos não-privilegiados para conseguir reduzir o abismo social presente nas desigualdades decorrentes do sistema capitalista, haja visto que o Estado de Bem-estar Social permite à população reivindicar ações públicas intervencionistas, que participem da realidade, através da concessão de direitos e distribuição igualitária dos mesmos. Para Contins, as cotas raciais são “[...] a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho”. Desta forma, a política de cotas raciais, a partir do direito formal, visa incluir socialmente por meio da compensação das desigualdades materiais oriundas da ordem racial e, consequentemente, econômica provenientes das mazelas da escravidão.

            Entretanto, a política de cotas implica em divergências, pois sustenta, em síntese, que a discriminação supostamente existente no Brasil uma questão social e não racial. Além disso, é inconstitucional uma vez que fere o princípio da isonomia em que todos são iguais perante a lei, o que é discutível, pois parte-se desse mesmo princípio que não deve ser feita nenhuma distinção entre pessoas que se encontrem na mesma situação. Outrossim, afirma-se que as cotas fomentam a implementação no Brasil de um “Estado racializado” ou do “racismo institucionalizado”, nos moldes praticados nos Estados Unidos, frica do Sul ou Ruanda. Ademais,  no se pode responsabilizar as gerações presentes por erros cometidos no passado, seja porque impossvel identificar quais seriam os legítimos beneficiários dos programas de natureza compensatória. Por fim, o sistema “birracial” de classificação norte- americano, o qual s admitiria duas “raas”, brancos e negros, é inaplicvel realidade multirracial brasileira, caracterizada por intensa miscigenação, que inviabilizaria os programas afirmativos baseados nesse critrio.

Os argumentos acima foram utilizados pelo Partido Democratas a respeito das cotas raciais utilizadas na Universidade de Brasília (UNB) por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) a qual requisitava que o CESPE divulgasse uma nova listagem de aprovados, considerando todos os candidatos como se todos estivessem sido inscritos no sistema universal de ingresso na universidade, a partir das notas de cada candidato, independentemente do critério racial, porém a concessão da medida poderia causar dano a todos os estudantes aprovados no exame vestibular da UnB realizado em 2009, pois a interposição da arguição ocorreu aps a divulgação do resultado final do vestibular 2/2009, quando j encerrados os trabalhos da comisso avaliadora do sistema de cotas, atribuindo àqueles que seriam eliminados da Faculdade, mesmo depois de terem sido aprovados, uma insegurança ontológica.

O desfecho do caso ocorreu por intermédio do Ministro Ricardo Lewandowski afirmando “que o sistema de reserva de cotas raciais é importante para a democratização do ensino superior, e que s deve ser abandonado quando forem eliminadas todas as restrições ao acesso de certas categorias sociais à universidade, esclarecendo que, hoje, os negros correspondem a apenas 2% do contingente de universitários no País, apesar de representarem 45% da população brasileira. (...) a justia compensatria no o nico nem mesmo o principal argumento em favor da ação afirmativa para negros no acesso ao ensino superior. Ao lado dela, h a justia distributiva, a promoção do pluralismo nas instituições de ensino e a superação de esteretipos negativos sobre o afrodescendente, com o conseguinte fortalecimento da sua autoestima e combate ao preconceito.” Por fim a Procuradoria Geral da República, representada pela Vice- Procuradora Geral da República, Débora Duprat, defendeu as ações afirmativas, sustentou que a poltica de cotas raciais, diferentemente do discurso que cria castas, inclui os grupos que, historicamente, tiveram seus direitos ignorados.

            Em suma, a posição epistemológica presente na obra de Boaventura de Sousa Santos  explora o direito por meio da oposição entre regulação e emancipação e de uma “sociologia das ausências” em confronto com uma “sociologia das emergências”. Conclui-se que a universalidade de condições é uma utopia, porém o direito pode ser utilizado como instrumento de emancipação social a fim de, ao menos, reduzir as desigualdades materiais, ainda que seja necessária a implementação de desigualdades formais para aproximar a sociedade civil da incivil.

Juliete Araujo Zambianco
1° ano Direito – Noturno
Aula 2.1



Cotas raciais como esperança de inserção do negro na sociedade

O Supremo Tribunal Federal votou, em 2012, sobre a validade das reservas de vagas em Universidades Públicas para estudantes negros no Brasil e decidiu, por unanimidade, que as cotas raciais são constitucionais. O fato foi uma grande conquista para o exercício da cidadania desses indivíduos que são diariamente excluídos da sociedade. É sabido que mesmo com o fim da escravidão, a população afrodescendente sofre preconceitos devido à carga histórica contida nesse período, de modo que a dívida que a nação tem para com essas pessoas não está sequer próxima do fim.
           Boaventura de Sousa Santos, já no título de seu texto, questiona sobre a capacidade do direito de ser emancipatório. Podemos dizer que o direito é uma ferramenta fundamental para a conquista da cidadania, entretanto, sendo uma área repleta de conservadorismo, não consiste, em si, uma emancipação, uma vez que não foi o direito, por si só, o garantidor das cotas, mas sim, as lutas das minorias.
         O autor trata, ainda, do contrato social; a população negra está à margem deste e isso pode ser comprovado ao se observar, no cotidiano, a falta de respeito e a diferença com que são tratados. Sob a análise de Boaventura, a luta passa a ser incluir essa população no contrato, pois, durante o “pré-contratualismo”, o objetivo era impedir o acesso à cidadania por esses grupos e, após, com a crise do contrato social, os interesses sociais se viram excluídos da sociedade, sem esperança de retornos.
          Sobre o fascismo social, consiste no domínio de certos espaços, como a Universidade, por certos grupos, no caso, a maioria branca que, geralmente, detém maior poder aquisitivo, sobre as minorias, que raramente frequentam os mesmos lugares. Com as cotas, se proporciona a possibilidade de essas minorias se representarem nesses espaços e ocuparem cargos e lugares de prestígio no futuro, onde poderão lutar por seus direitos e dos outros que ainda permanecem excluídos.
         Boaventura trata da “estratégia parlamentar” para possibilitar maior exercício da cidadania sem afetar o sistema liberal, uma vez que a instabilidade social é condição para a estabilidade econômica. Dessa forma, é mais viável para a manutenção do sistema que não se atenda a expectativa da população desprivilegiada, garantindo a estabilidade das expectativas do mercado. O projeto de cotas vai contra o sistema de mercado privilegiado sobre a massa explorada, uma vez que desafia a “meritocracia” defendida por indivíduos que não se importam com o bem das classes subalternas e, por isso, buscam “boicotar” suas lutas e conquista.
           Isso posto, pode-se concluir que a luta por direitos deve se integrar à luta política. As cotas raciais para ingresso nas Universidades Públicas são, provavelmente, a melhor chance de inserção dos negros numa sociedade alimentada por interesses egoístas, que não lhes permite compartilhar das mesmas oportunidades que os brancos, da classe média e alta.
Gabriela Melo Araújo
1º ano  Direito Noturno

Poderá o direito ser emancipatório na questão racial?

É recorrente no discurso de Boaventura de Sousa Santos a temática da emancipação social, que surge como uma tentativa de fazer com que aqueles que não foram contemplados pelo contrato social possam se inserir nele. Em seu texto, Poderá o direito ser emancipatório?, Boaventura reflete sobre a possibilidade do direito, um elemento que antes era visto como forma de manutenção do status quo, passar a ser visto como um instrumento de mudança.


O Partido Democratas ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental contra a Universidade Nacional de Brasília, que instituiu o sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial no processo de seleção. Ao analisar a ADPF 186/DF sob a ótica da teoria do Boaventura, podemos constatar que o Partido Democratas é contra a emancipação social, esta, que nesse caso tenta corrigir um passado de quase 300 anos de escravidão, e a não inserção na sociedade do negro após a abolição. Percebe-se que a UNB estabeleceu o critério de reserva de vagas para resgatar os negros que estão na sociedade civil incivil, e assim, tentar garantir a reparação histórica do legado da escravidão e a pluralidade (além da miscigenação intelectual), já que esta, no ambiente universitário, é fundamental para o desenvolvimento do aluno.
Boaventura afirma que a exclusão é sempre produto de relações de poder desiguais, e discorre sobre a estratificação da sociedade civil em três classes: a sociedade civil íntima, caracterizada pela hiper-inclusão; a sociedade civil estranha, caracterizada pela inclusão parcial, com exclusão atenuada por algumas redes de segurança; e a sociedade civil incivil, habitada pelos totalmente excluídos, composta por indivíduos invisíveis socialmente.
Ele usa também a ideia de fascismo social, que vem da sensação de insegurança que enreda a todos e que faz com que tendamos a ver aqueles que não se mostram aptos, como pessoas que devem ser colocadas de lado, ou seja, uma forma de darwinismo social. Ele classifica diversas formas de fascismo social, como: o fascismo do apartheid social, sobre a condição social necessária; o fascismo contratual, sobre a prestação de serviços públicos como meras relações privadas de consumo; o fascismo territorial, sobre os lugares onde há o acesso ao conhecimento; o fascismo financeiro, relacionado à condição financeira necessária. Na questão da exclusão dos negros, podemos encontrar a presença do fascismo contratualista, apartheid social, territorial e financeiro.
Além disso, Boaventura aborda o pós-contratualismo­, que seria o processo por meio do qual, grupos e interesses sociais até aqui incluídos no contrato social se veem excluídos deste sem qualquer perspectiva de regresso, como pode-se observar na tentativa do DEM suspender o direito dos cotistas já aprovados. Nesse caso, a tentativa de exclusão pós-contratualista encontra-se presente pois ocorre depois do direito ser adquirido, já que aquelas pessoas haviam passado pelo vestibular e conquistado suas vagas.
Segundo Boaventura, a economia de saberes, ou seja, a restrição de recursos intelectuais e teóricos para explicar, deve ser substituída por uma ecologia de saberes, ou seja, se valer de todo um ecossistema teórico que tem suas raízes plantadas no todo social. Outro ponto abordado por Boaventura é o cosmopolitismo, ou seja, pensar em um saber que tanto é válido em diversas realidades, como também advém de múltiplas realidades. Assim, o cosmopolistismo subalterno é um projeto plural por meio do qual os movimentos sociais se comunicam entre si e as maiores conquistas se materializam em um ponto de chegada comum. Ou seja, é importante que o direito seja também contra-hegemônico, onde possui um ponto de partida plural, mas um ponto de chegada comum. No caso estudado, da minimização da exclusão, podemos tomar como exemplo a Central Única de Trabalhadores (CUT), que também apoia o movimento negro.
O Partido Democratas mobiliza o argumento da democracia racial para defender suas ideias, e afirma que o Estado é plural e multifacetado. No entanto, ao olhar para o interior da universidade, percebe-se que a sociedade não é tão plural assim. Além disso, o Partido Democratas defende que a exclusão é social e econômica, e não racial, e que ninguém é excluído por ser negro. No entanto, só por não existir ódio racial, não significa que não há um racismo. Há um ódio velado, que é tão perigoso quanto o ódio escancarado, já que pode fingir não estar presente. Como Bauman afirma, quanto mais homogêneo é o espaço, mais difícil é conviver com as diferenças.

Amanda Barbieri Estancioni
1º ano - direito diurno
Aula 2.1 (05/11/2015)

A busca por um mundo cheio de preás

Um mundo cheio de preás seria a sociedade brasileira como afirmam ser: igualitária, acolhedora e sem preconceitos. Mas basta olhar de fato para a realidade para verificar que ocorre o contrário: a igualdade parece estar apenas no papel, o individualismo impera e preconceitos estão cada vez mais exaltados. Elenca-se a isso o fato de o negro ainda estar à margem socialmente, pois é evidente que ainda está preso às entranhas de um passado opressor. Com isso, como garantir a igualdade e consequentemente a justiça? Justiça, esta, que deve ser realizada para garantir uma igualdade não somente formal, mas também material.
Boaventura de Sousa Santos em Poderá o direito ser emancipatório? trata sobre a utilização do direito como um mecanismo de mudança social. A afirmação do autor sobre a questão da relatividade contemporânea destruindo o período atual condiz com a necessidade de se realizar medidas que busquem alterar o cenário social do Brasil: um passado escravocrata que não privilegiou a todos, mas que segregou a parcela negra da população, que mesmo após a abolição em 1888, continuou sobre a sombra desse passado cruel. Muitos intelectuais da época imperial brasileira, como Joaquim Nabuco, elaboraram projetos visando emancipar o escravo e integrá-lo na sociedade. No entanto, os esforços esvaíram-se diante de uma elite que somente tinha olhos para si, não se diferindo muito da atual elite brasileira, que cada vez mais vive em uma redoma de vidro, imersa em fascismos, sendo essas atitudes reafirmadas por uma visão neoliberal e capitalista, que torna a sociedade cada vez mais centrada nos interesses individuais, acentuando uma exclusão estrutural.
Com isso, para Boaventura, esse período atual seria transitório, assim como a adoção do sistema de cotas, pois é preciso adotar medidas desiguais para igualar os desiguais em suas desvantagens. Entretanto, o autor português aponta em seu texto que esse momento de transição, muitas vezes não encontra um ambiente condizente com as respostas que se buscam para as questões complexas, como por exemplo, a integração de negros nas universidades públicas do país.
Desse modo, a adoção de cotas étnico-raciais visa exatamente a realização de uma justiça não apenas para amenizar as injustiças de um passado escravista, mas para gerar um ambiente acadêmico mais plural, menos segregado, mais harmonioso, e uma sociedade mais igualitária e sem racismo. É indiscutível como a herança da escravidão é ainda presente na atualidade, visto que o acesso às melhores universidades do país é predominantemente de pessoas brancas que dispõem de condição financeira estável. Todavia, um fascismo social revestido de ideia de meritocracia para ingressar em uma universidade pública é evidente na atualidade, como por exemplo o requerimento pelo partido Democratas (DEM) para que seja revogada a adoção do sistema de reserva de vagas sob o critério étnico-racial pela UnB. Esse requerimento não condiz com um contrato social defendido por Boaventura, pois os negros no Brasil majoritariamente foram excluídos deste contrato, assim, a não implementação dessa ação afirmativa somente vai reafirmar esse caráter elitista da universidade pública brasileira, prendendo o negro à condição inferior histórica que ainda se faz presente. E isso apenas perpetua o entrave entre regulação social e a emancipação social.
Como foi apresentado na ADPF 186, o Ministro e relator Ricardo Lewandowski afirmou que o modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais visando à correção das distorções do princípio de igualdade. Com isso, é considerada constitucional a adoção dessas ações afirmativas, sendo também verificada uma forma de emancipação social legal e a utilização do direito como instrumento de conquista social, como foi apresentada por Boaventura de Sousa Santos. Entretanto, muito se deve alterar ainda na sociedade brasileira para que se possa atingir uma sociedade igualitária de fato, sendo a adoção desse sistema um passo pequeno para se atingir um grande resultado. Assim, a negação desse sistema seria somente uma forma de cessar a emancipação legal, de cessar a ideia de um mundo de preás, que na atualidade coincidiria com a ideia dessa igualdade social, havendo uma sociedade plural tanto em idéias quanto de pessoas e isso não pode ser uma utopia.

Lara Costa Andrade
1º ano de Direito Diurno

Quando as diferenças são respeitadas

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.  Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”


A citação acima foi feita por Boaventura de Sousa Santos, em sua obra Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Neste contexto, inserem-se as cotas raciais, e as ações afirmativas como um todo, que ao tratar indivíduos desiguais de maneira desigual, portanto, por meio da discriminação positiva, visam atingir a igualdade material e efetiva.
Os negros estão inseridos nos dois processos de exclusão propostos por Boaventura: no pré-contratualista e no pós-contratualista, visto que devido a instabilidade e o fascismo social imperante na sociedade, aqueles que alguma vez chegaram a fazer parte do contrato social não o fizeram de maneira permanente, e outros que historicamente estão totalmente a margem e excluídos do contrato social mais básico.
Diferentemente da forma que colocada pela concepção neoliberal em que a sociedade esta inserida, as cotas raciais, étnicas e sociais não tratam de uma questão de capacidade ou de mérito, mas sim da questão de igualdade de oportunidades. Além disso, em oposição ao que defende o Partido Democratas na ADPF que pleiteia a inconstitucionalidade das cotas na faculdade da UNB, a exclusão e a injustiça para com os negros não ocorre somente por motivos sócias e econômicos, mas principalmente por causas raciais, ou seja, é essencialmente devido ao seu fenótipo que os afrodescendentes sofrem discriminação e não tendo nenhuma ralação com seu genótipo. Desta maneira, por exemplo, quando uma pessoa de cor negra de classe baixa está à procura de um trabalho, esta sofre uma discriminação dupla, primeiro pelo fator econômico e em segundo, pelo fator racial, ao passo que este último é determinante.
Portanto, a questão das cotas, apesar de serem neoliberais, evidenciam o cosmopolitismo ao passo em que propõem outra capacidade de conhecimento que não aquelas lineares, como a meritocracia. Além disso, na sociedade em que vivemos hoje, com a flexibilização do trabalho, que é uma das contribuições para manutenção dos negros na sociedade civil estranha e na incivil, bem como o neoliberalismo e a hegemonia da ciência, por meio das inovações, tornam a inserção dos indivíduos nas universidades por meio das cotas a forma mais rápida e eficaz destes conseguirem alguma mobilidade social.
Ademais, as cotas são uma forma de reduzir as diferenças de oportunidades e possibilitar que a composição multirracial da sociedade brasileira esteja representada em todos os níveis e esferas do poder. Nesse ínterim, elas afrontam o fascismo social produzido pela sociedade excludente e desigual que visa somente a realização de seus interesses individuais e é legitimada pela globalização hegemônica neoliberal, ao passo que o liberalismo está assentado justamente no “aumento dramático da desigualdade nas relações sociais”.
Desta maneira, “as diferenças, por carregarem consigo visões alternativas de emancipação social, devam ser respeitadas”, o que se realiza através das cotas conquistadas. Em relação a pergunta feita por Boaventura no titulo da sua obra, Poderá o Direito ser emancipatório? As cotas exemplificam que, ao ser utilizado de modo a promover a inclusão de minorias através de lutas, movimentos e organizações, o Direito pode de fato servir de instrumento de mudança contra hegemônico para a emancipação social, mesmo que a longo prazo.
Mariana Miler Carneiro
1°ano - Noturno