Primeiramente, retoma-se o contexto histórico brasileiro
no passado: um país colonial, cujas culturas africanas e indígenas,
forçadamente, foram sendo silenciadas e dizimadas por uma cultura europeia,
tida como “superior”. A partir dessa premissa, os negros africanos aqui
residentes lidavam, a todo o momento, com a opressão, a discriminação e a
sensação de inferioridade. Em contrapartida, a elite agrária era a proprietária
de terras, detentora do poder político, econômico e intelectual. Nesse contexto, o direito tornou-se o
principal instrumento para legitimar essa exploração contra as minorias, usado
como dominação político-social como Marx propunha e de maneira hegemônica,
segundo Boaventura.
Com o passar dos séculos, o preconceito racial
cristalizou-se tão fortemente na sociedade, que atualmente muitos chegam a
acreditar na inexistência do racismo na nação tupiniquim, argumentando sobre a
existência de uma democracia racial, diga-se de passagem, ainda utópica. A
partir daí, Boaventura de Souza Santos, ao considerar a própria emancipação social
como uma forma de regulação social, define o conceito de estratégia
parlamentar: para ele, o contrato social só poderia ser expandido até certo
ponto, desde que não entrasse nos méritos econômicos. Assim, as conquistas
sociais se restringiam a uma igualdade formal, isto é, os direitos das minorias,
apesar de constarem nos textos normativos, não possuíam força operacional, já
que atingiam diretamente os preceitos econômicos do sistema neoliberal, cuja
função visa manter o status quo.
Nesse
sistema neoliberal, as relações privadas, por meio da hiperflexibilização dos
contratos, ignoram as demandas sociais, uma vez que se preocupam apenas na conservação
do capital. Nesse ínterim, os negros são excluídos: o preconceito velado
inviabiliza a contratação dessa minoria para cargos mais bem remunerados, visto
que fogem da padronização branca requerida, resultando na marginalização salarial
e, por conseguinte, econômica-social.
As cotas raciais, mesmo que uma
solução tardia e insuficiente, revelam uma esperança de que o direito, como
instrumento contra-hegemônico, possa ser emancipatório. Sabe-se que o direito,
por si só, não tem essa capacidade, é necessário não só lutas sociais, mas
também uma hermenêutica e aplicação favorável dos operadores dessa máquina
jurídica, como encontrado no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Ricardo Lewandowski contrário a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) protocolada pelo Partido Democrata (DEM).
A questão racial no Brasil não pode ser entendida como meramente econômica, há a necessidade primeira de findar com o preconceito racial. De certa maneira, é vergonhoso pensar, em pleno século XXI, na ocorrência de casos de preconceito racial, exclusivamente ocorridos por ódio a uma cor de pele diferente. Para Mandela, ninguém nasce odiando, aprende-se a odiar; desse modo, evidencia-se que o fascismo social recorrente é o responsável por esse ódio, devendo ser desconstruído, sobretudo, por meio do amor. Quando faltar amor, o direito mostrará, como mecanismo fundamental, uma forma de “sermos iguais quando a nossa diferença nos inferioriza” e “sermos diferentes quando a nossa igualdade nos descaracterizar.”
Para Boaventura, as cotas, como solidariedade
institucionalizada, possui tanto uma eficácia instrumental, cuja função
objetiva a igualdade de oportunidades, resultando em uma melhor distribuição de
renda e mormente, quanto uma eficácia simbólica, capaz de proporcionar
uma reflexão importante e urgente na sociedade brasileira sobre os diversos males do racismo, além de mostrar a existência de uma dívida social
histórica a ser paga com juros e correção. Por fim, espera-se que o direito possa ser o grande responsável pela conquista da igualdade material, uma vez que o texto normativo, criado na existência de uma vontade de Constituição, especialmente quando a Constituição é caracterizada como cidadã, não fique apenas restrito a igualdade formal.
Leonardo Borges Ferreira - 1° ano noturno