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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A reintegração de posse à luz de Sara Araújo

O julgado de 2001 realizado em Passo fundo (Rio grande do Sul) promove uma discussão que se estende por diversas áreas da sociedade. O conflito da terra e sua função social, assim como o processo de reintegração, repercute em um antagonismo entre  direitos patrimoniais e pessoais. 
Dentro deste conflito é possível visualizar duas vertentes distintas. A primeira visando a promoção da garantia da terra a seus proprietários e a segunda visando a dignidade humana por meio da ocupação de territórios sem função social. 
A função social da terra, definida pelo artigo 186,CF/88, afirma que toda propriedade deve executar alguma atividade fim. Ou seja, inviabilizando a utilização da terra que não promove um benefício à sociedade. Dentro desta perspectiva, os proprietários do terreno que foi julgado deveriam perder sua posse, e o Estado promover a reforma agrária. Dessa maneira, os indivíduos que invadiram este terreno estão tomando para si um direito que o Estado falhou em lhe garantir  tanto a dignidade humana ao negar uma propriedade e o sustento de dezenas de famílias, quanto o cumprimento da constituição, que assegura a função social da propriedade. Assim, a invasão de indivíduos sem terra apenas garante princípios já estabelecidos pela constituição.
Quando o Estado pondera o conflito de direitos e sobrepõe a propriedade privada acima de direitos pessoas, ele impõe a população a perspectiva de que todos possuem propriedade privada para gozá-la de todo o seu potencial. De acordo com Sara Araújo, igualar todos os indivíduos em uma mesma perspectiva apenas aumenta a desigualdade social já existente. Dessa maneira, a sobreposição da propriedade a direitos pessoais viabiliza a construção e manutenção de um direito que  equipara todos os indivíduos tanto socialmente quanto economicamente sob uma mesma ótica. Universalizando o direito e inviabilizando as lutas diárias de grande parte dos cidadãos. Compactuando com a construção de um direito que embasa como principal função a manutenção da propriedade, sendo inspirado pelo direito de regiões ao norte do mundo e impossibilitando a luta pela terra que ocorre em alguns países do sul, que não realizaram de maneira adequada a reforma agrária. Assim, mesmo que um pequeno gesto, como não garantir a reintegração de posse e permitindo que dezenas de famílias possam viver e trabalhar neste espaço, promove uma ruptura com o direito segregador que a partir de uma visão universalista “a lei é para todos” apaga lutas importantes de uma grande parcela da população.
Giovanna Lima e Silva - Direito noturno



Epistemologias do Norte x Epistemologias do Sul: notas sobre as distintas concepções sobre o direito de propriedade


No Agravo de Instrumento n° 70003434388, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 2001, analisou-se mais detidamente o direito de propriedade e a função social da propriedade de imóvel rural.  No julgamento do Agravo, dois desembargadores votaram pelo improvimento do recurso interposto e um desembargador votou pelo deferimento da liminar de reintegração de posse aos agravantes. Dessa forma, por maioria, o colegiado decidiu por negar a reintegração de posse, legitimando assim a invasão realizada pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), na respectiva fazenda. Nessa postagem, analisa-se os argumentos utilizados pelos três ministros na fundamentação de seus respectivos votos, buscando correlacioná-los, a pedido do docente da disciplina de Sociologia do Direito, com as reflexões promovidas por Sara Araújo no artigo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”.

Favorável à reintegração de posse, o voto vencido do Desembargador Luís Augusto Coelho Braga, baseou numa concepção clássica do direito de propriedade. Em conformidade à disposição constitucional (art. 184, CF), Braga ressaltou, em seu voto, que compete à União, e não ao Poder Judiciário, desapropriar por interesse social o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social para fins de reforma agrária. Nesse sentido, Braga entende que o MST não busca um melhor aproveitamento da propriedade privada, porquanto utiliza-se do “esbulho possessório como meio político de obrigar os governos federais e estaduais a tomarem uma atitude desapropriatória de terras”. Segundo o desembargador, a legitimação de invasões pelo Poder Judiciário resulta na aceitação que o MST seja alçado a condição de juízes de uso da terra, sob os padrões de interesse social.

Braga registra ainda que, além de ser competência da União, o processo de desapropriação deve seguir o devido processo legal, no qual garante-se o direito de ampla defesa e do contraditório. No caso em tela, o processo legal não foi respeitado, uma vez que não se observou a legislação aplicada à espécie. Desse modo, o Magistrado entende que ao negar o provimento do recurso, o Poder Judiciário promove a “recusa do próprio mérito, pedido por cautela antecipada”, autorizando que o MST desrespeite as leis no objetivo de alcançar a reforma agrária, deflagrando assim o “império da força sobre a lei”.

Como Braga verificou que a propriedade rural em questão é produtiva e a Constituição Federal garante que a propriedade produtiva é insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 185, II, CF), a liminar pela reintegração deve ser provida. Em conformidade com o pensamento de doutrinadores renomados como o Professor José Afonso da Silva, a decisão do desembargador está fundada no entendimento de que essa vedação é absoluta, visto que nenhuma exegese hermenêutica seria aplicável ao caso.

Os votos dos desembargadores Carlos Rafael dos Santos Junior (relator) e Mário José Gomes Pereira, que formaram a maioria pelo improvimento do recurso, basearam-se no soerguimento na função social da propriedade como Direito Fundamental. Para Santos Junior, a efetivação da justiça no contexto contemporâneo exige a concessão de “vida efetiva” à função social da propriedade e, para que isso aconteça, faz-se necessário buscar “novos rumos” hermenêuticos, que extrapolem a interpretação jurídica tradicional. Desse modo, o desembargador entendeu que os autores não demonstraram o grau de utilização e eficiência de exploração da área, o que evidenciaria o não cumprimento da respectiva função social.

Seguindo entendimento semelhante, Gomes Pereira entende que o direito de propriedade não é absoluto, visto que pode ser limitado pelo não atendimento do dever constitucional de comprovar a função social da propriedade. Dessa forma, a tutela do Poder Judiciário ao proprietário somente poderia ser concedida quando se fizesse prova do cumprimento do dever da função social. Expande-se assim o entendimento tradicional, no sentido de conceber a propriedade, concomitantemente, como um direito e um dever fundamental. Para o Magistrado, “é inadmissível que o latifúndio, violando um preceito constitucional (a função social da propriedade), receba da Justiça imediata proteção, sob a cobertura da ação de manutenção ou de reintegração de posse.

Dado que os votos que garantiram a permanência do MST na respectiva área resultam, de forma clarividente, de uma concepção não liberal de justiça, é possível traçar alguns pontos de contato entre essa paradigmática decisão e as ideias sobre pluralismo jurídico e Epistemologias do Sul, da socióloga Sara Araújo. Em primeiro lugar, como Sara defende que o reconhecimento do pluralismo jurídico não envolve necessariamente a superação do direito tradicional, mas uma “ampliação do cânone jurídico”, talvez seja possível entender, embora não isenta de controvérsias, que a paradigmática decisão do TJ-RS entabulou uma decisão mais plural, alargando a compreensão de como a direito de propriedade deve ser concebido em um país marcado pela desigualdade no acesso à terra, como é o caso brasileiro.

Em segundo lugar, ao garantir a permanência ao MST, a referida decisão judicial é, nos termos das Epistemologias do Sul, emancipatória, visto que revela uma realidade não contemplada pelo sistema tradicional de justiça. Como o cânone jurídico eurocêntrico pressupõe uma universalidade de seus princípios, Sara afirma que “tudo o que é local ou particular é invisibilizado pela lógica da escala global”. Dessa maneira, a luta pelo acesso à terra no Brasil é invisibilizada quando se procede a aplicação do instrumental jurídico concebido segundo as Epistemologias do Norte.

Em suma, segundo a autora faz-se necessário promover uma ecologia de direitos e de justiças, por meio da confrontação da concepção liberal burguesa de direito e de justiça. Diante de um quadro desafiador, em que se verifica a flagrante morosidade do Poder Executivo e do Poder Legislativo em promover uma efetiva e justa reforma agrária, a decisão analisada nessa ação, revela, segundo a perspectiva de Sara Araújo, a existência dos “sulinos”, aqueles que Boaventura de Sousa Santos concebe como os integrantes da “sociedade civil incivil”.   

       
Kleber  – UNESP - Direito - 1º ano DIURNO

A coragem que o Direito exige para efetivação da justiça


Sara Araújo parte de uma divisão vertical do Mundo entre norte e sul considerando as diferenças sociais e a imposição cultural que marca a relação entre o Norte desenvolvido e colonizador e o Sul colonizado, para denunciar o [ab]uso do Direito e da legalidade como instrumentos de consolidação dessa dissimetria, endossando a passividade do explorado e limitando suas possibilidades de irresignação. A autora lê no processo de globalização uma razão metonímica que projeta no Sul um reflexo mimético do Norte, e nesse uso do Direito um perverso “mecanismo de expansão do projeto capitalista e colonial” (p. 88) que anula a existência do outro enquanto alternativa possível.
A partir dessa ótica, é imperativo observar que tanto o Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF nº 54, quanto o Desembargador Luís Augusto Coelho Braga no julgamento do Agravo de Instrumento contra decisão liminar nos autos de ação de reintegração de posse em tela (Nº 70003434388), abrigaram-se no estrito cumprimento do Direito Posto e nas limitações por ele impostas para negar justiça aos jurisdicionados e ao Direito a oxigenação que o senso de justiça exigia.
Aduz o mencionado Desembargador, para colocar-se em desacordo com seus pares, a competência privativa da União para pleitear a desapropriação de latifúndios improdutivos mediante o devido processo legal. Impinge à ocupação do Trabalhadores Sem Terra a tarja de delitividade, de ruptura com a ordem estabelecida e, à legitimação da ação do MST, a mácula de resvalar a segurança jurídica. Furta-se, para tanto, de apreciar a função social da propriedade ocupada e de modular os princípios da propriedade privada e de sua função social.
É flagrante, na leitura do caso proposta pelo Desembargador, o uso do Direito como instrumento de legitimação da dissimetria, da manutenção da estrutura colonizadora e entrave à plena realização da justiça. Vexa o Direito esse apego às limitações processuais impostas por disposição infraconstitucional para constranger a efetivação de um princípio basilar da própria ordem jurídica (qual seja, a função social da terra) com o único intuito de manter estanque as posses do agravante e limitar as possibilidades de insurgência do agravado, impondo-lhe como única conduta possível a resignação.


Genilson Faria - 1º ano noturno

Uma nova epistemologia para a contemplação da função social da propriedade

    Após ter a liminar reintegratória negada por decisão judicial, os proprietários agrícolas Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formighieri interpuseram um agravo de instrumento (Nº 70003434388) contra a mesma, alegando mais uma vez a produtividade da terra ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, exigindo assim a reintegração de posse. Por maioria (2 votos conta 1), os Desembargadores da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado negaram o provimento do agravo.
      Baseando-se nos artigos previstos e nos princípios implícitos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, os Desembargadores Carlos Rafael dos Santos Junior e Mário José Gomes Pereira enfatizaram convictamente em seus votos a importância da função social da propriedade, justificando a ocupação de indivíduos que deverão ter a oportunidade de desenvolver as próprias atividades, ganhando o seu sustento e abastecendo o mercado ao tornar o local genuinamente produtivo, um contraponto atrativo contra a ociosidade da terra e a possível especulação feita sobre seu valor.
      Dessa forma, o conceito de função social, já presente em lei no Brasil há décadas, antes mesmo da vigente Constituição, e cada vez mais reforçado pela doutrina e pela jurisprudência, é correspondente com as ideias da jurista Sara Araújo, encontradas na obra "O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone": contemplar grupos desamparados pela sociedade através do Direito quebra com sua razão metonímica, isto é, ir além da visão do mero direito de posse de propriedade privada primordialmente definida; além disso, visa-se em tais decisões a observação perspicaz da realidade local brasileira, marcada pela grande desigualdade socioeconômica, adotando-se uma "epistemologia do Sul" (dos países menos desenvolvidos e de democracia ainda em processo de consolidação) quando há necessidade de determinar soluções únicas para problemas específicos e demonstrando, portanto, a existência de uma legalidade cosmopolita subalterna, pois não se abandona completamente o "direito universal" fortemente enraizado na "epistemologia do Norte" (dos países ricos e colonialistas do passado), ponderando-se com os direitos da propriedade privada e liberdade (ou não-intervencionismo estatal) ao mesmo tempo em que se estabelecem "pontos finais" em questões complicadas.
       É passível de discussão os métodos utilizados pelos grupos para dar início à invocação de seus processos, chocando-se com os interesses de outros indivíduos e originando conflitos vorazes de ordem jurídica e principalmente física (presença da violência) recorrentes no país (um dos pontos observados pelo Desembargador Luís Augusto Coelho Branca, único a votar favorável ao provimento do agravo), porém espera-se que, futuramente, normas e suas consequentes aplicações práticas possam garantir um cenário mais pacífico e com resultados frutíferos, não deixando de se desagarrar das "monoculturas" geradas a partir do "Norte" e indo em contemplação da ecologia dos direitos e da justiça, sempre buscando concretizá-los com o próprio Direito.   

Centralismo Jurídico vs. Movimentos Sociais


Sara Araújo nos coloca em contato com uma reflexão, ainda que extremamente pertinente, pouco difundida no meio jurídico. A autora, no artigo “O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” apresenta o Direito moderno como reprodução do colonialismo e do pensamento eurocêntrico, no qual importa-se os ideais das epistemologias do Norte e os impõe numa realidade diversa. Faz-se necessário, portanto, o reconhecimento da pluralidade jurídica e da ecologia de saberes como forma de driblar o imperialismo jurídico que ainda reina sobre os sistemas do Sul.
À luz do pensamento da autora, foi proposta a análise do agravo de instrumento nº 70003434388, que teve o provimento negado. Os agravantes visavam à reintegração de posse de uma propriedade que foi tomada por trabalhadores do Movimento Sem Terra (MST). A principal discussão no determinado agravo foi a necessidade da investigação acerca da função social da terra, designada na lei nº 4504/64.
Esse conceito da função social perpassa pela produtividade do terreno em questão, determinada também nos autos da lei supracitada. Contudo, não seria a determinação de produtividade importada do pensamento colonialista do Norte?
 No processo, os agravantes afirmam que a terra em questão era produtiva, porém impediram visitas dos órgãos técnicos e não apresentaram documentos suficientes para provar a máxima. Desse modo, os desembargadores decidiram a favor do movimento, por julgar que a terra não cumpria a função social, corroborando a tese de que a mesma estava improdutiva e, ao servir de área de assentamento, poderia cumprir sua função social.  
A decisão do agravo representa a concretude do desafio ao cânone proposto por Sara Araújo, uma vez que adapta a lei à realidade do Sul, onde infelizmente ainda se tem um sistema latifundiário que concentra as terras do país, em sua maioria voltada à plantios para exportação. Contudo, a jurisprudência, quando se trata do tema dos movimentos sociais rurais, se expressa contrariamente  ao que foi exposto, demonstrando que ainda temos um longo caminho para contornar o mito ocidental do progresso e as consolidadas instituições colonialistas que influenciaram e continuam influenciando os sistemas jurídicos do Sul.  


Julia Martins Rodrigues (1º ano- diurno)

Ecologia do saber e realidade


    A autora Sara Araújo, em sua obra “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” aborda como o direito pode liberta-se da monocultura do saber. Essa monocultura manifesta-se de várias formas, como por exemplo a padronização da produtividade, baseada nos valores norte-americanos. A partir dessa imposição da razão metonímica, ou seja, a racionalidade do saber de uma parte do mundo (Norte) como algo global, há uma legitimação do modelo dominante, o qual exclui outras formas de entender o direito.
    No texto é proposto um pluralismo jurídico, que reconheceria a pluralidade e o desenvolvimento das Epistemologias do Sul, as quais compreendem outras realidades e outros saberes. Dessa forma, essa nova compreensão do campo jurídico pode ser observada em decisões dentro dos tribunais brasileiros.
    O Agravo de Instrumento nº 70003434388 é um exemplo dessa ecologia dos saberes, proposta por Sara Araújo. O recurso foi interposto pelos donos de uma fazenda em Passo Fundo/RS, cuja propriedade fora integrada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De acordo com os agravantes, sua propriedade fora invadida no mês de outubro daquele ano (2001) e era produtiva. Para comprovar a produtividade, foram apresentados os impostos pagos pela fazenda.
O relator do caso, Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, justificou seu voto baseado na função social da propriedade, que a fazenda não cumpria.

“Todavia, o Juiz, como intérprete da norma jurídica, com a função de dar vida concreta ao preceito abstrato, cabe extrair do direito positivo sua verdadeira concepção teleológica, adequando-o a cada fato concreto que lhe venha a ser submetido.” (p.4)

    Nesse trecho, o argumento do Desembargador pode ser fortemente relacionado ao texto de Araújo, pois o sistema jurídico brasileiro é baseado no Norte, em uma interpretação jurídica tradicional e não analisa adequadamente a realidade do país. Dessa maneira, questiona-se qual seria a ideia de produtividade que os agravantes e o ordenamento tem?
   O relator considerou que os autores não demonstraram o grau de utilização e eficiência de exploração da área, assim como o revisor, Des. Mário José Gomes Pereira. Este afirmou que o conteúdo da função social da propriedade está na Constituição Federal e que os agravados cumpririam com o dever da propriedade.
   Portanto, compreender as bases dos conceitos como o de produtividade podem auxiliar na reconstrução de velhos conceitos e libertação da monocultura do saber. Analisar a realidade do país e por meio da reconstrução e recuperação do ordenamento jurídico, baseado na necessidade de cada região, é essencial para romper com a razão metonímica e o modelo imposto.


Beatriz Falchi Corrêa - matutino

Será que sabemos deixar o direito mudar?

   Dentro de um mundo com padrões e morais consolidadas, podemos ver uma incensante vontade do Direito para se libertar das amarras positivistas que as moldaram do jeito que é a partir do momento em que os outros universos jurídicos não podem ser mais ignorados . A importância do Direito possuir seu tom positivista é inegável, mas o Direito há de se abrir para novas vozes daqueles que se encontram no Estado civil incivil, e dentro desse contexto me tomo o direito de utilizar da obra de Sara Araujo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” como munição para exemplificar o AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70003434388 afim de demonstrar essa vertente do Direito que tenta caminhar por uma estrada nova: A consolidação de um Direito multicultural.
   O texto de Sara Araujo, em suma, apresenta uma ideia de o quanto o Direito é opressor e que se utiliza de conceitos Europeus "Do norte" para contrapor os demais "Do sul" em que há uma supervalorização do capital em detrimento das pessoas como uma forte ferramenta do colonialismo. Mas não podemos chegar somente a superficialidades, o direito "Do norte" não é o grande vilão da história e até como mesmo a Sara Araújo me vez entender é uma poderosa ferramenta que também pode permitir a interconexão entre diversas culturas em uma aprendizagem bilateral entre "Norte" e "Sul", sem algum padrão inicial é impossível realizar qualquer comparação ou analise micro comparativa ou macro comparativa dos Direitos e muito menos fazer um direito mais plural. Para isso demonstro como tem de ser utilizado o Direito para se abrir a novos aspectos de justiça com o  AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70003434388 em que é tratado sobre o MST retratando a situação da população civil incivil perfeitamente onde em um mundo que ignora o direito não positivista eles possuem desvantagens e são  marginalizados. Para mostrar que há uma mudança significativa desde as ultimas décadas e que agora há uma tentativa do que a Sara Araújo chama de ecologia de saberes que pode ir contra as hierarquia da sociedade moderna onde especificamente o Desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior utiliza uma base forte do Direito "Do norte" em uma linguagem formalmente "Do norte" para garantir ao MST uma justiça baseada em princípios distintos "Do norte" podendo ser até considerada "Do sul", valendo mencionar até seus comentários que se voltam a historicidade da norma que adentram em um âmbito além do positivismo legal e que se insere na ecologia dos saberes em um reconhecimento de outros universos jurídicos, Carlos Rafael dos Santos Junior contrariando a palavra do Norte legal vota a favor do MST e isso posteriormente junto ao voto do Desembargador Mário José Gomes Pereira gera o agravo do instrumento.
   Com Sara Araujo podemos afirmar que o Direito não pode ser interrompido de suas raízes "Do norte" completamente, mas também é possível aprender que existe maneiras de podermos ter um Direito multi cultural. O agravo apresentado é uma grande vitória para o MST que mesmo que tenham seus direitos garantidos na constituição não têm real poder social. Estamos caminhando lentamente para uma nova fase do Direito, um que talvez possa ser emancipatório. 
     
Carlos Eduardo Matutino 1º ano Direito 

Reforma Agrária e entendimento jurídico: pluralismo x colonialismo

Sara Araújo, em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, desenvolve importante crítica acerca do direito moderno eurocêntrico como reprodução do colonialismo, propondo novas estratégias jurídicas, dentre as quais se destaca o pluralismo. Este, segundo defende, viria como um instrumento de descolonização no âmbito jurídico, visando princípios tais como a verticalidade, a provincialização e a ecologia dos saberes legais.
Permito-me associar a tais considerações a questão da reforma agrária no Brasil e seu tratamento em âmbito jurídico. É fato que, historicamente, a distribuição de terras primou, desde o início da colonização, pela concentração de grandes áreas nas mãos de uma pequena classe privilegiada. Tal lógica é estruturante na construção de um Estado e de uma justiça elitistas que sempre estiveram aliadas à legitimação da má distribuição de terras no país, servindo como instrumentos de garantia de posse aos grandes proprietários. A perpetuação desse sistema no pós independência reflete, como pontua Araújo, o legado do colonialismo jurídico, pautado em exclusões sociais abissais e na imposição global do primado de um direito capitalista e neoliberal.
Contra isso, surgem no Brasil forças de luta pela reforma agrária, como o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), fundado no século XX como um dos maiores contestadores da lógica de concentração de terra no país. Essa questão, no entanto, por inferir diretamente num sistema de privilégios enraizado desde o início do processo de colonização brasileira, gera grande desconforto e incômodo àqueles que temem a perda de suas propriedades (ou das quais acreditam serem donos). Por isso, a justiça brasileira se divide entre aqueles que reconhecem a importância do Movimento e a ele conferem caráter legítimo e legal, e aqueles que insistem em reproduzir a lógica colonial de concentração fundiária, defendendo cegamente o direito inviolável à propriedade privada acima dos direitos sociais.
Como exemplo dessa polêmica está o caso da Fazenda Primavera, encerrado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que negou provimento ao agravo regimental de reintegração de posse aos fazendeiros. Nos votos contrários ao provimento, observa-se uma linha de argumentação pautada na defesa da função social da propriedade, e no uso do direito como defensor do equilíbrio social e segurança das populações pobres do campo, as quais teriam direito à terra e à produção de alimento. Tais ideias se relacionam com Araújo na medida em que pensa fora da dicotomia de caos e ordem, abrangendo o entendimento dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária como um discurso jurídico proveniente do povo, o que deve ser considerado na lógica do pluralismo jurídico, que considera a justiça informal como instrumento de estabilização do estado de direito.
Já a argumentação pelo deferimento da liminar, dialoga com o que Araújo entende como direito supranacional capitalista. Este não entende a vida como social, mas prima pelo viés econômico que inviabiliza o que é local ou particular pela lógica de sufocamento da escala global. Desta forma, vai de desencontro ao entendimento do direito como emancipatório, atrelando-se ainda à lógica colonial na monocultura jurídica, ou seja, contrária ao pluralismo. 

Carolina Juabre. 
Direito Matutino