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domingo, 9 de outubro de 2022

O reconhecimento da união homoafetiva como instituto jurídico.

 

A ADI 4.277 discute a legitimidade e o reconhecimento da união estável homoafetiva como instituto jurídico, perpetrada por associações religiosas e setores conservadores da sociedade organizada, em resposta à ADPF 132 proposta pelo governo do Rio de Janeiro, sendo objeto de debate e reconhecida em votação unânime no STF. É iminente o conflito incitado no acórdão entre as noções de família frente a concepções baseadas nos valores tradicionais, em contraposição a princípios universalistas contidos na constituição brasileira. O que Garapon nos apresenta em seu texto é que, as sociedades modernas anseiam por justiça e igualdade, a hipertrofia hodierna do judiciário seria a própria representação das demandas da sociedade, especialmente de grupos marginalizados, ou seja, também seria um fator gerador da democracia, já que esses grupos não conseguem expressar suas demandas pelas vias da representação tradicional. Os valores democráticos incitados no acórdão, como de igualdade, não discriminação e autonomia da vontade, expõem de maneira clara a universalização da norma e a tese de Garapon, pois há uma desconstrução da legitimidade outorgada pela tradição, sendo esses valores vistos como contrários a representação da democracia. Valores como a liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na hermenêutica do acórdão como um direito fundamental, ilustram bem a expansão dos espaços dos possíveis, o que outrora seria impensável dentro do campo jurídico. Ou seja, é possível visualizar a racionalização do direito, instrumentalizado em uma luta concorrencial dos agentes, conforme as demandas atinentes a cada período histórico, nesse caso, em torno de questões como, o que caracteriza uma família? O afeto e o projeto de vida em comum, ou a visão ortodoxa de homem e mulher?

Outra questão muito comum incitada nesse debate é, qual seria a legitimidade do judiciário para decidir esse tipo de matéria? Há quem pense que o objeto deveria ser resolvido pelo legislador ordinário, pelo congresso, no entanto, em nenhuma democracia do mundo os direitos fundamentais do ser humano podem depender apenas do processo político majoritário, as minorias devem ser protegidas por tribunais constitucionais. E isso de maneira alguma representa a sobreposição da atribuição de um poder pelo outro. Esse processo de tutela transpõe o conceito de magistratura do sujeito, processo de mobilização do direito, no qual toda sorte de demandas políticas dependem do arbítrio do juiz, culminando na normatização da vida nas democracias modernas.


Luiza David F. Neves - Direito matutino - 2º semestre


 

A ADI 4.277 e a democracia brasileira.

 

O amparo jurídico para união homo afetiva no Brasil sempre foi pleito da comunidade homossexual em nosso país. No entanto, muitos casais gays sequer ousaram a se unir por causa do preconceito e da perseguição social que já foi maior, mas ainda existe mesmo depois da “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277 DISTRITO FEDERAL” ou simplesmente ADI 4.277 que foi aprovada em 05 de maio de 2011 pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de ter transcorrido mais de mais de uma década após essa decisão histórica de reconhecer o Direito de Casais Homossexuais constituírem uma união matrimonial, ainda há espaço para cobrança para o reconhecimento dos demais direitos que devêm vir com essa decisão.

Dentro do “Espaço dos Possíveis”, à luz do pensamento de Bourdieu (1989), havia um quadro de exclusão total, pois a união homoafetiva não era prevista pela legislação brasileira. Não obstante, também havia violência física, violência verbal e perseguições morais às pessoas que se declaravam homossexuais. Nesse sentido, o então advogado, Luiz Roberto Barroso, a favor da causa, argumenta que o não reconhecimento do casamento homo afetivo é ferir os próprios princípios da constituição como o da igualdade e dignidade humana.       

O direito reconhecido com essa possível interpretação trouxe uma universalização da norma, pois além dos princípios já citados, como o princípio da dignidade humana e o principio da igualdade. Também foram utilizados para fundamentação da decisão, o princípio do pleno exercício da autonomia da vontade, ou seja, menor intervenção do estado na vida das pessoas e valorização da vida privada. E por fim, princípio da afetividade no direito de família, que quer dizer a valorização das relações interpessoais como valor jurídico.

Essa decisão passou ter um efeito pedagógico para as pessoas e aumentando a inclusão dos casais homoafetivos. Assim, essa matéria passou a ser incorporada no Código Civil dentro do direito da família. A decisão do STF, passou a ser referência do direito homoafetivo, ocorrendo o que Bourdier (1989) chama de “Universalização da Norma”, pois é o que está na lei e deve ser cumprido.

Nessa linha, também houve o que Bourdier (1989) denomina de “Historização da Norma”, que é usar as fontes do direito para novas possibilidades de interpretação.  constitucionalização do Direito de Família levou a interpretação da família como ente plural, com essa decisão. Assim, todos os direitos da família hetero afetivas são e aplicados à família de casais homo afetivas, como adoções, reconhecimento aos alimentos, direito ao nome, vinculação ao plano de saúde, benefícios previdenciários, abatimento no imposto de renda, planejamento sucessório, etc.

Portanto essa decisão, não pode ser interpretada como ativismo judicial, pois os princípios utilizados para darem efeitos à mesma estão na constituição e no código civil. Trata-se do que Antoine Garapon caracteriza como “Magistratura do Sujeito”, como podemos ver na sua explicação abaixo:

“Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno.Para responder de forma inteligente a esse chamado, ela deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século, a qual poderíamos qualificar de magistratura do sujeito  (GARAPON, 1999, p. 139).”

Diante disso, na ADI 4.277, que é o direito tutelado de casais homossexuais poderem constituir uma família, poderia vir expresso através de uma emenda constitucional, mas com a composição que nosso parlamento se constitui nas últimas décadas, esse direito não seria reconhecido e aprovado através desse caminho. Sendo o STF o guardião da constituição, coube à ele dar esse possível entendimento na Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, o que também é definido por Garapon (1999) como “Antecipação “ judiciária para com uma demanda da sociedade que não é a mesma que três décadas atrás, quando um dois homossexuais sequer poderiam assumir um relacionamento em público na sociedade de então.

De acordo com o pensamento de Garapon (1999), essa decisão trata-se, portanto de um aprofundamento e uma ampliação do estado de direito da democracia brasileira. Apesar dessa conquista, os casais homo afetivos ainda são muito estigmatizados ocorrendo uma procura incipiente desses direitos. Pois há ainda uma herança de preconceitos na sociedade e a luta ainda continua para que esse grupo consiga se apropriar de seus direitos que estão nas lacunas da legislação que vieram com essa decisão histórica do STF ADI 4.277.

 

Fontes:

GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999. [Cap. VI – A magistratura do sujeito, p. 139-153] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na "sociedade órfã". Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 58, p. 183-202, nov. 2002.

BOURDIEU, Pierre. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989 [Cap. VIII, , p. 209-254].

 

Autor: Joel Martins S. Junior – Aluno do 1º ano de Direito – Noturno – UNESP/Franca-SP.

Franca, 09 de outubro de 2022.

 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4.277 tratou sobre a união homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Desse modo, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente as regras e consequências da união estável heteroafetiva à união homoafetiva. Isto, pois, o ordenamento constitucional não reconhece ao substantivo "família", nenhum significado ortodoxo ou jurídico. 

Nesse sentido, segundo o conceito de historicização da norma, do filósofo Pierre Bourdieu, que consiste na interpretação de ordenamentos jurídicos em conformidade com o contexto social presente, a não restrição do significado de "família"- disposto nas normas- como a união de homem e mulher, permite com que se ultrapasse uma visão conservadora e preconceituosa. 

Ademais, ainda sob a visão de Bourdieu, o reconhecimento da união homoafetiva se insere nos espaços dos possíveis da Constituição de 1988. Sob esse viés, Antoine Garapon dispõe que, o Poder Judiciário atua, em razão da crise de representatividade do povo, a fim de garantir a proteção jurídica e os direitos a todo o corpo social, sem distinção. Dessa maneira, o que antes marginalizava parte da população, agora passa a ser reconhecido e tutelado pelo direito. Nessa perspectiva, de acordo com o conceito de "magistratura do sujeito"- a mobilização do direito-, os indivíduos passam a reivindicar atuação do judiciário para garantia de proteção, como no caso da ADI n. 4.277. 

Sendo assim, a equiparação da união homoafetiva à união estável representou um passo para assegurar a igualdade e o reconhecimento das lutas sociais.  

     A decisão tomada pelo STF, representante do poder judiciário em nossa nação, a respeito da ampliação da interpretação do art. 226, §3º da Constituição federal para abranger também casais homoafetivos como também detentores do direito de se casarem ou terem uma união estável, gera um grande debate a sobre o “espaço dos possíveis” de ação do judiciário. O atual caso citado foi responsável por tornar legitimo a união homoafetiva através da ADI 4277 de 2011. Todavia, a conquista desse direito representou um embate entre normas constitucionais, sendo elas o art. 5º da Constituição Federal que garante igualdade perante todos os cidadãos e o já citado art. 226, §3º que deixa expresso em seu texto o termo “homem e mulher” como base fundamental para se estabelecer um casamento.

    Diante desses fatos, é preciso salientar o papel do Judiciário no direito brasileiro. O judiciário é o órgão responsável por garantir direitos e deveres e resolver conflitos dos cidadãos brasileiros. Dessa forma, é notório que por se tratar de conflitos de normas cabe sim ao judiciário julgar qual direito deve se sobrepor. Uma das críticas pontuadas quanto a esse fato é devido ao texto constitucional dizer expressamente “homem e mulher”, alterar a interpretação necessitaria alterar o texto legislativo, portanto papel do Legislativo.

    Entretanto, o Judiciário não age conforme suas próprias convicções, ele carrega pautas consigo fruto da 'historitização' das norma,  isso é, tornar concreto algo já presente na realidade condizente com a história e o presente. Segundo Garapon, “Se a análise sociológica foca unilateralmente o Poder Judiciário, perde-se de vista processos mais profundos e mais densos de mudança política e social”. Tendo isso em vista, é notório que não cabe ao Judiciário tomar toda e qualquer decisão de implementação de direitos, porém, se esse papel estiver positivado pela Constituição, estiver dentro do “espaço dos possíveis” e for condizente com a realidade, cabe sim ao judiciário agir de forma que garanta direitos, mesmo que de maneira antecipatória, ou seja, ainda assim é necessário uma criação de uma norma específica pelo legislativo concretizando esse poder, mas deixar que esse fato ocorra quando se tem maneiras legais de antecipa-lo é estender a dor e sofrimento de um grupo social.

    Em suma, não se trata aqui de excesso de poder do Judiciário e modificação da Constituição, a  ADI 4277 foi apenas uma ação dentro do espaço dos possíveis para garantir direitos essenciais de forma mais ágil, assim claramente não se enquadrando como uma ameaça à democracia uma vez que só foi possível através da disponibilidade dessa.

Quando Bourdieu encontra Garapon em Brasília

O tema em questão é a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277-DF impetrada no Supremo Tribunal Federal em 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar à luz do Art. 1.723, sob a visão de Pierre Bourdieu e Antoine Garapon. O conflito expresso no litígio é a luta entre uma parcela da sociedade que provoca o Estado-Juiz para ter direitos salvaguardados e outra que tenta cristalizar um conceito retrógrado de família. A Procuradoria Geral da República, requerente da Ação, por exemplo, representa o seguimento da coletividade que deseja construir uma sociedade realmente igualitária enquanto outros agentes almejam minar os direitos das minorias sexuais.

A caracterização do “espaço dos possíveis” no que diz respeito à questão se dá pela interpretação arcaica do Art. 1723 do CC que diz que família é “a união estável entre o homem e a mulher”, ou seja, uma exegese que desqualifica a união homoafetiva. Porém, doutrinadores já lembraram que o reconhecimento favorável do Tribunal em relação à união não foi nada novo pois na França em 1999, a título de ilustração, uma Lei alterou o Código Civil para abarcar uniões de pessoas do mesmo sexo. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça também havia dado parecer semelhante quando em 2010 concedeu decisão no mesmo sentido de conceder tal direito. 

É possível perceber conflito no “espaço dos possíveis” porque enquanto existe pessoas dispostas a mudarem seu ponto de vista em relação à união supracitada, algumas não conseguem sair da Idade das Trevas da ignorância. As expressões da racionalização da norma estão presentes na universalização, isto é, entender o ordenamento jurídico de forma sistêmica, sem esquecer dos direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição, e na neutralização, ou seja, a percepção objetiva do comando normativo, em outras palavras, compreender que o Código não proíbe casamento entre pessoas do mesmo sexo pois não delimita sua redação à “entre um homem e uma mulher”, mas sim “entre o homem (como sujeito-homem) e a mulher (sujeito-mulher)”. A historicização da lei é capaz de ser observado a partir da seguinte constatação: na época colonial os homossexuais teriam sido queimados; atualmente podem demandar a proteção de seus direitos na mais alta Corte no País. 

Conforme Garapon, por outro lado, a situação expressa a busca pelo reconhecimento de direitos por parte da comunidade LGBTQIAP+, e não o suposto “ativismo judicial” já que o Judiciário foi provocado pelo Ministério Público Federal como foi dito anteriormente. As expressões da “magistratura do sujeito” e/ou do “paternalismo judicial” podem ser percebidas na tutela da “liberdade de dispor da própria sexualidade”, que não poderia ser obtida por outra via que não a jurídica. Prova cabal disso é o alarmante número de pessoas da comunidade homoafetiva que são mortas todos os dias País afora. Isso prova que um grupo da coletividade não consegue ser razoável para dizer o mínimo, pois cidadãos são mortos por causa de sua orientação sexual, por isso que a intervenção estatal é fundamental. 

Não existe qualquer aspecto de “antecipação” na decisão expressa no julgado pois se parte do pressuposto que o Supremo seguiu todas as formalidades do processo e disciplinou matéria de sua competência prevista nos Arts. 5º e 6º da Lei Maior de 1988, em outras palavras, o STF cumpriu com seu dever de salvaguardar a Carta Política brasileira por meio da proteção de contrair núpcias de relativa parcela da Nação. Logo, tal fato representa avanço democrático sem sombra de dúvidas. O Brasil se uniu aos países que protegem suas respectivas diversidades políticas, sexuais e culturais. Bravo! 


Thiago Ozan Cuglieri

Direito noturno

      ADI 4.277conferiu maior legitimidade ao Estado Democrático de Direito 

      A Ação Direta de Insconstitucionalidade - ADI - 4.277, de 2011, quebrou paradigmas no que tange à concepção heterormativa de família, isto é,  composta por um casal cisgênero heterossexual, e, possibilitou avanços de direitos fundamentais para a população LGBTQIA+, historica e juricamente oprimida. Para tanto, essa ADI reconheceu a união homoafetiva como instituto jurídico, proibiu a discriminação de pessoas em razão do sexo, homenageou o pluralismo como valor sócio-político-cultural, afirmou a liberdade de dispor da própria sexualidade, além de ressaltar o direito à intimidade e à vida privada. 

      As conquistas promovidas por essa ADI, através da decisão unânime dos ministros do Superior Tribunal Federal, foram realizáveis pois estão dentro do espaço dos possíveis.Dessa forma, a determinação de se equiparar casais homoafetivos ao conceito de família deu-se devido ao capital simbólico da Suprema Corte dentro do campo jurídico, concomitante ao capital simbólico do movimento LGBTQIA+ dentro do campo social. Isto demonstra, na prática, a afirmação de Bordieu que os diversos campos presentes na sociedade se interrelacionam e, que o Direito não está isolado da realidade material, pelo contrário, ambos se retroalimentam. Entretanto, cade evidenciar que, durante a discussão da ADI, o campo religioso também esteve presente, na condição de amici curiae, a fim da sustentação contrária à equiparação em questão, o que demonstra a existência de conflitos entre os campos. 

      Desse modo, visto o conflito supracitado, o STF teve papel essencial no que concerne à garantia de igualdade e direitos fundamentais aos LGBTQIA+, a partir da tutela de direitos que há décadas eram objeto de luta desse grupo social. Nesse sentido, é correta a análise de Antoine Garapon, que afirma que a judicialização é um fenômeno político-social, já que analisar a ADI 4277 apenas sob o viés do Poder Judiciário é perder de vista processos mais profundos e densos de mudança política e social referentes ao pluralismo sexual e de gênero.  

      Apesar de esse rol de direitos fundamentais à comunidade LGBTQIA+ ter sido garantido a partir da Suprema Corte Brasileira, parcela da sociedade argumenta que essa não foi a via mais correta, já que não ocorreu através do Legislativo, e, portanto, seria um exemplo de "ativismo judicial". De fato, esse respaldo poderia ter sido executado pela Câmara, porém, sendo essa o local de reunião dos representantes da sociedade, os direitos em questão seriam atingidos mais tardamente, ou nem mesmo atingidos, visto que parcela significante da população é religiosa e, isto é traduzido na representação legislativa. Assim, essa ADI é um exemplo da chamada "magistratura do sujeito", em virtude da justiça ter desempenhado o papel de apaziguamento das opressões enfrentadas por casais homoafetivos, que foram antecipados pela decisão, ou, como supramencionado, até mesmo a única forma de garantir esse rol de direitos, visto o panorama político-social brasileiro atual. 

      Portanto, a ADI 4277 não pode ser encarada sob o viés negativo do "ativismo judicial", que afirma que a decisão ameaçou a democracia e os Três Poderes, pois, pelo contrário, conferiu ainda mais legitimidade ao Estado Democrático de Direito Brasileiro, que entende todos os brasileiros como iguais perante a lei, sem distinções e preconceitos. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. 

Bárbara Canavês - Direito Noturno. 

   









      

      

A ADI 4277, a sociologia e a comunidade LGBTQIAPN+ impactando mudanças jurídico-normativas e sociais


 A ADI 4277 foi uma ferramenta utilizada pelo STF para regulamentar e construir interpretações constitucionais válidas acerca da condição da união homoafetiva no Brasil. A partir de uma votação unânime, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade e validade da união de casais que fogem do espectro binário socialmente construído, baseados principalmente no Art. 1723 do Código Civil e nos Arts. 226 e 102 da Constituição Federal. O voto do Ministro Carlos Ayres Britto na ADI 4277 conta com uma fala imprescindível ao entender-se a necessidade da interpretação do Código Civil através da Constituição Federal; segundo ele, é necessária essa interpretação para excluir do Art. 1723 do CC “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.”

    Por outro lado, partindo da visão sociológica, pode-se analisar a ADI 4277, e a união homoafetiva como um todo, a partir dos preceitos de Bourdieu para entender a faceta social de tais abordagens. Para o sociólogo, é necessário o reconhecimento das pluralidades sociais ao realizar decisões jurídicas, o que pode ser vislumbrado na atenção dos ministros ao considerar os direitos humanos - também estão previstos na Constituição - que tangem a comunidade LGBTQIAPN+ e suas necessidades e pautas de movimentos e lutas sociais, que abordam também outro ponto das teses de Bourdieu, o poder simbólico. Bourdieu afirma que há uma supremacia das classes dominantes sobre as classes dominadas, porém com o reconhecimento das reivindicações almejadas pela comunidade, a quebra do poder simbólico é um passo ao caminho da judicialização e da igualdade.

Por outro lado, também pode ser realizada uma análise a partir dos pontos de vista de Garapon. Antoine ressalta um possível problema nesta questão pois se preocupa com o uso excessivo e fora dos padrões do legislativo. Contudo, tanto por ministros que se colocaram contra esta problemática hipotética, quanto para as visões e análises de Bourdieu, um grupo social como este não idealiza um rompimento legislativo e normativo do andamento jurídico brasileiro, e sim  busca atingir direitos básicos que não são contemplados por eles.

Por fim conclui-se que a decisão pela constitucionalidade da união homoafetiva no Brasil se torna um momento marcante para a comunidade LGBTQIAPN+ pois ressalta a importância das lutas e movimentos sociais que buscam reivindicações de direitos básicos da comunidade, além de acender uma chama de esperança por decisões mais justas e necessárias para a concretização de direitos humanos de maneira igualitária para todas as pessoas.

Bourdieu, Garapon e a ADI 4277

  Pierre Bourdieu nasceu na França, em 1930, portanto, trata-se de um sociólogo contemporâneo que, com uma visão mais moderna acerca da sociedade, enxergou o direito além dos moldes antes habituais. Para ele, o direito deve considerar as complexidades e as heterogeneidades da sociedade, de modo a solucionar as disputas existentes em seu interior, tornando-o, assim, o mais justo e conciliador possível. Diante da perspectiva bourdieusiana, cabe a análise da ADI ( Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4.277, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, sujeita às mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.

 Como para Bourdieu as complexidades e heterogeneidades da sociedade devem ser consideradas antes de qualquer decisão jurídica a ser tomada, a realidade atual do país deve ser amplamente analisada para que a decisão seja feita, sem conservadorismos de ideais passados. Desse modo, a fim de evitar preconceitos ultrapassados, entender a nova realidade do Brasil e do mundo e fazer valer a Constituição Cidadã, de 1988, que prega o fim de discriminações e a igualdade entre todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a ADI 4.277 foi aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a união homoafetiva foi reconhecida.

 Antoine Garapon é um jurista francês com um grande reconhecimento no Brasil e no mundo, que nasceu em 1952, ou seja, assim como Bourdieu, possui uma visão mais moderna da sociedade e de todas suas complexidades e heterogeneidades. Para ele, a justiça é um espaço que exige a democracia e oferece a todos os cidadãos a possibilidade de cobrar de seus governantes o respeito às leis, desse modo o direito passou a ter caráter contestatório.

 Para GARAPON (1996, pp. 20-21), procura-se no juiz não só o jurista ou a figura do árbitro, mas também do conciliador, o apaziguador das relações sociais e até mesmo o animador de uma política pública como em matéria de prevenção e delinquência. A justiça não pode apenas limitar-se a dizer o justo, ela deve simultaneamente instruir e decidir, aproximar-se e manter as suas distâncias, conciliar e optar, julgar e comunicar. A justiça é responsável por realizar materialmente – e já não apenas formalmente – a igualdade dos direitos e de disfarçar o desequilíbrio entre as partes.

 Conclui-se, portanto, que a decisão unânime da ADI 4.277 concorda com as ideias tanto de Bourdieu quanto de Garapon. Nos ideais do primeiro, pela análise das complexidades e heterogeneidades da atual realidade do país, onde inúmeros casais homoafetivos são discriminados e buscam seus direitos como forma de proteção contra tais preconceitos. E no segundo, a justiça agindo na tentativa de tornar e manter os direitos iguais entre todos, independente dos preconceitos e conservadorismos vigentes, entendendo a nova realidade do Brasil e do mundo. 



Guilherme Corazza Veloso - Noturno, RA: 221220542


Historicização da norma e judicialização da política como fatores de garantia de direito.

 

A historicização da norma, conceito difundido pelo sociólogo Pierre Bourdieu, consiste na tentativa de trazer a norma para o presente, em suas palavras “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidades inéditas”. Tal ideia, aliada com a judicialização da política, sob a perspectiva de Antonie Garapon, funciona como um mecanismo facilitador de garantias sociais e individuais na sociedade contemporânea.

  Em primeiro plano, a ADI ( Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4277 é um claro exemplo de historicização da norma. O STF, nesta decisão, permitiu a união entre pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva). Deste ponto, torna-se claro que a proposição e aceitação de tal medida, seja por mutação constitucional ou  por interpretação construtiva do direito não é feita com base em ideais conservadores de uma sociedade antiga, mas, sim, por um meio social contemporâneo que detém grande diferença de princípios quando comparado ao passado. Com isto, trazer normas constitucionais expressas em 1988 para os dias atuais, implica uma nova forma de observar e materializar prerrogativas, através de anseios e valores de organizações fortalecidas merecidamente ao longo do tempo, como as comunidades LGBTQIA+, permitindo e ampliando a sociedade pluralista e democrática expressa no texto constitucional e em suas vias implícitas.

   Em segundo plano,  a judicialização da política, fenômemo em que muitas decisões em tese políticas ou de caráter legislativo são transferidas ao poder judiciário, também apresenta grande importância para a materialização de prerrogativas, mesmo com visões polêmicas sobre o assunto. Para Antonie Garapon, a democracia transforma o homem, desfazendo os laços hierárquicos “naturais”, recriando-os artificialmente pelo direito. O indivíduo liberta-se da tutela de seus magistrados naturais, adquirindo mais liberdade( política, econômica e social). No entanto, tal liberdade,  permite ao ser humano dúvidas quanto a aspectos que nunca foram enfrentados por estes, fundamentando uma nova tutela no juiz estatal. Deste modo, segundo Garapon “ chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno. Para responder de forma inteligente a este chamado, ele deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século, a qual poderíamos qualificar de magistratura do sujeito”. Com isto, a tutela do juiz estatal é definida como esta magistratura do sujeito, capacidade de amparar o indivíduo, resolver suas inquietações e garantir prerrogativas. Assim, o juiz ao expressar sua autoridade, em bases constitucionais, fomenta prerrogativas e ampara grupos, como a comunidade LGBTQIA+, no caso da ADI 4277. Nota-se que a judicialização da política é um fenômeno ainda anterior, em termos de processo, quando comparada a historicização da norma, visto que para um determinado direito ser ampliado ou ter suas características mudadas, é necessário que decisões “políticas” cheguem ao judiciário.

  Ademais, por fim, busca-se refutar, a concepção de Ingeborg Maus, quanto a conotação negativa de interferência do judiciário, assemelhando-se ao ativismo judicial. Para Maus, a ascensão da justiça como a condição de mais alta instância moral da sociedade, escapa o poder judiciário de qualquer mecanismo de controle social, interferindo nos demais poderes. Discordando de  Maus, nota-se que a moralidade não é o princípio norteador das ações do judiciário e, sim, a constituição. Deste modo, a justiça consolida-se como um guardião da Constituição(espaço de possibilidade de atuação da justiça, espaço dos possíveis, na visão de Bourdieu), estando ela própria limitada por esta. Além disso, grande parte de decisões políticas tomadas pelo judiciário, no contexto brasileiro ,são feitas pela omissão do poder legislativo em questões difíceis que envolvem diversos sujeitos da sociedade. As ideias de Maus também se encontram disseminadas em um contexto próprio, alemão, com o TFC( Tribunal Federal Constitucional Alemão). Tal contexto diverge historicamente, politicamente e culturalmente de outros tribunais ao redor do mundo, não levando em conta também o avanço do ultraconservadorismo, o neoliberalismo e as consequências de ambos para a constitucionalidade e manutenção do status democrático.

  Em síntese, conclui-se que a historicização da norma e a judicialização da política são fatores importantes para a garantia de direitos( em exemplo, a união homoafetiva) sendo necessária a refutação de concepções muito singulares e que não explicitem de maneira correta o ativismo judicial e as funções do poder judiciário.

João Felipe Schiabel Geraldini. 1ano, Direito Noturno.

A ADI 4722 e seu papel na Judicialização de direitos brasileiros

    A formulação da ADI 4277 consistiu na tomada de decisão por parte do STF ao determinar a condição da união homoafetiva no Brasil. Nesse contexto, a vista de uma votação unânime entre os ministros do supremo presentes, tal união foi concebida como parte de entidade familiar no país, sendo dessa forma, capaz de usufruir e exigir direitos, uma vez que os mesmos estavam sendo reconhecidos. À mostra de tal decisão, foram usados diversos argumentos normativos, aos quais podem ser evidenciados: o Art. 1723 do Código Civil e os Arts. 226 e 102 da Constituição Federal. Nesse sentido, o apontamento de ministros, como o relator Carlos Ayres Britto e de outros como o Min. Luiz Fux e Carmen Lúcia, foram essenciais na elaboração de argumentos sustentados pelas estruturas normativas brasileiras que dessem apoio a tal apontamento, evidenciando princípios que atingem a dignidade humana, a igualdade, a não-discriminação imposta dentro do preconceito já socialmente inserido para com esses grupos, e principalmente ao que se estabelece pela liberdade à sexualidade.
    Colocada as questões que derivam da decisão do supremo, torna-se vital explorar também a maneira como tal decisão entra de acordo com os diversos pensadores sociológicos e jurídicos.
    Para Bourdieu, faz-se necessário o entendimento de todas as complexidades e diferenças presentes dentro de um meio social antes que qualquer decisão jurídica deva ser tomada, portanto, ao estabelecermos a presença de uma reivindicação social igualitária, estamos expondo a necessidade em se entender de que forma aquela sociedade foi e é estruturada a fim de se desenvolver o melhor caminho para a resolução de certo conflito, apoiado também na concepção de Bourdieu que explicita a exigência em se explorar a historicização da norma, entendendo a maneira como a sociedade vem se transformando, e a demanda das normas em acompanhar tal movimento. Nesse quesito, a ideia do pensador sobre o conflito dentro do espaço dos possíveis torna-se vital para compreendermos a maneira como tal possibilidade influência num possível conflito entre as normativas, podendo estabelecer-se diferentes interpretações a vista do texto constitucional e propiciando a capacidade de entender novos direitos que não estavam necessariamente explícitos. Dentro das ideias do pensador, pode-se evidenciar também que tal decisão do STF leva a uma quebra do protagonismo do poder simbólico, uma vez que o mesmo estabelece a supremacia das classes dominantes sobre as dominadas, logo, dentro de um contexto onde uma minoria consegue levar adiante o seu clamor por direitos e mudanças a fim de melhorar suas condições, temos uma verdadeira revolução dentro da constituição do poder simbólico explorado por Bourdieu. 
    Seguindo para Garapon, expõe-se uma "problemática" apontada dentro das considerações ao se aprovar ou não a ADI 4722, sendo ela o uso excessivo e fora dos padrões do legislativo. Nesse ponto, tanto apoiada pelos ministros que rebateram essa ideia, como também para o pensador já mencionado, tem-se a questão que para esse grupo que já se encontra acuado e perseguido dentro da sociedade, a única coisa que se busca é de fato uma efetivação de direitos, e não uma ruptura dentro do sistema brasileiro. Ao que tange essa concepção, Garapon ainda disserta acerca da Judicialização como um fenômeno político-social, e que uma vez que, uma ação esta fundada num quesito de ativismo judicial, a interferência de atuação dos poderes, acaba por ser a última opção a ser tomada, a fim de promover uma maior aplicação da democracia e a efetivação necessária de direitos a vista do poder judiciário.
    Portanto, conclui-se que a tomada de decisão do Supremo Tribunal Federal representou um importante passo dentro do Brasil, uma vez que reconheceu a maneira como os indivíduos integrantes da comunidade LGBTQIAP+ estavam sendo sonegados dentro do contexto social, entendendo que tal condição não poderia prosseguir, e estabelecendo uma mudança efetiva e real. 

Vitória Santos da Silva, Noturno

Imposição ou consolidação: a ação dos tribunais através da análise da ADI 4277

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N⁰ 4277 foi ponto chave para a luta contra a LGBTQIAP+ fobia, não somente no que tange a esfera judicial do Brasil. No ano de 2011, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal oficializou a legalização de uniões homoafetivas, com estas passando a ter a mesma proteção jurídica do que a das uniões heteroafetivas. Sendo assim, estava aberta a possibilidade para novas formas de discutir o preconceito a respeito da comunidade LGBTQIAP+, que viriam a enraizar-se nos próximos anos, com grandes progressos a respeito do tema, sobretudo no que tange às normas jurídicas e as conclusões a respeito do assunto. 

 Neste sentido, o autor Antoine Garapon vai entender que, ao passo que as realidades sociais da modernidade tendem, ao menos em sua visão, a caminhar rumo à uma sedimentação da Democracia plena, onde todos os indivíduos teriam "dentro de si" a própria, isso poderia acarretar em uma "angústia auto determinativa" dos mesmos, impedindo, de forma efetiva, o desenvolvimento desse Estado Democrático buscado; entraria aqui, portanto, o judiciário, sendo a instituição que se responsabilizaria por realizar essa tutela da "luta por direitos", inclusive com esta passando a ser sua função principal, desbancando, assim, a sua função como árbitro das decisões a serem tomadas; na contramão do que fala Garapon, temos a figura de Ingeborg Maus, autora que vai propor uma visão bem menos favorável à essa forma de atuar do judiciário, apontando como essas constantes ações, cujas intenções seriam supostamente as melhores, poderiam desestruturá-la e, em casos mais extremos, levar a uma " ditadura do judiciário", fruto dessa dilatação do poder dos tribunais e dos juristas, os quais passariam a tomar quase que todas as decisões a respeito da sociedade, inclusive as que não os pertencem, gerando um autoritarismo.

Além disso,  ver a ADI como uma simples atitude bem intencionada do STF, o qual, em um ato caridoso, deu a uma população oprimida um direito é algo completamente equivocado. Como aponta Pierre Bourdieu, a própria ideia de uma realidade em que a esfera jurídica estaria a par dos demais elementos que compõem uma sociedade( definidos por ele como campos) é algo impossível, uma vez que, mesmo possuindo determinada independência entre si, todos os campos ainda estariam relacionados pelo espaço social em que se encontram, bem como pelo campo econômico, o qual seria um " norte" para as tomadas de decisão envolvendo os demais, incluindo o jurídico. Dessa forma, como há, dentro do espaço social, a luta por inclusão das pessoas cis-hetero divergentes, haveria uma manifestação dentro de outros campos ( neste caso, o juridico), com o objetivo de atender a esses clamores sociais e; o fator econômico, por sua vez, também não pode ser ignorado quando se analisa que, mesmo hoje, com os avanços da ordem jurídica com relação à esse tópico, muitos mais comuns são os casos de violências contra membros da comunidade LGBTQIAP+ que estejam em condições econômicas menos favoráveis, de modo às estatísticas relativas à essa subdivisão mostrarem ainda mais casos de violência, com esta sendo ainda mais intensa.

Porém, mesmo Bourdieu entendendo que não foi do campo jurídico de onde surge e desenvolve-se essa busca por mudanças sociais, ele mesmo também afirma que é papel do juiz, do tribunal e até mesmo da ordem, como um todo, buscar a sua consolidação, no âmbito judicial; o autor defende que, sendo o direito uma das várias ordens que compõem o espaço social( contradizendo Kelsen e seus seguidores), mas também não servindo apenas às classes dominantes ( contra argumentando com os marxistas estruturalistas), ele pode moldar, através de si, as ferramentas necessárias para o desenvolvimento social, como foi no caso tratado, onde, mesmo não sendo do ordenamento que partiu essa luta, nem foi onde se desenvolveu inicialmente, foi através dele que se consolidou uma etapa importante para esse projeto, permitindo uma série de novas vertentes de discussão, bem como maiores margens para desenvolver esse rol de direitos das pessoas LGBTQIAP+, incendiando, ainda mais, a luta por direitos dessa população oprimida.