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sábado, 18 de novembro de 2017

As leis pertencem aos vivos, e não aos mortos!

A busca da felicidade está positivada já na primeira declaração de direitos americana: a declaração de Virginia, no art. 1°, escrita em 1776. Tal fato permite deduzir a importância desse direito que também está presente na atual constituição brasileira, documento, esse, que retoma, exaustivamente, o conceito de família buscando expor os valores da sociedade brasileira que norteiam os rumos da pátria. No entanto, em nosso momento presente, cabe-nos a reinterpretação de artigos como 226 da constituição federal e o artigo 1723 do código civil para mantermos os nossos valores como sociedade condizentes com os princípios democráticos e de direito.
Seria absurdo, nesse sentido, a sociedade brasileira se manter complacente com a visão arcaica de que somente casais heteroafetivos podem constituir uma união estável, ainda que a maioria da população não esteja posicionada contra esse pensamento retrógado. Conforme coloca o ministro Celso de Melo no julgamento da ADI 4277, “princípios constitucionais foram positivados para serem respeitados, inclusive pela maioria”, assim, esses são os princípios que devem ser defendidos pelas instituições brasileiras.
Tem-se, somando se a isso, o atual conceito de família que difere da definição usada pela assembleia constitucional em 1988, que se assemelhava do conceito de família de Sponville que enxergava família como fato biológico cultural e espiritual. Mas, hoje, conforme observa o jurista Carlos Ayres Britto no julgamento mencionado acima, o “biológico” de Sponville cede espaço para a palavra “afetivo”. Desse modo, é o afeto que fará da união estável de duas pessoas uma família, seja essa união homoafetiva ou não.
Observa-se, também, a inaplicabilidade literal dos artigos 226 da CF e o 1723 do CC quando observamos as famílias monoparentais, pois, é impensável o Estado não garantir o direito das pessoas desses casos devido a falta da mãe ou do pai. O direito, como defendido por Axel Honneth e pela ministra Carmen Lucia no julgamento da ADI 4277, deve agir como protetor de direitos individuais e garantir conquistas nesse sentido.

Assim, chega-se o momento de reavaliarmos algumas interpretações de nossas leis para que possamos continuar em sintonia com os princípios que representam o que queremos como sociedade. Thomas Jefferson, em carta à James Madison, defendeu que leis deviam expirar a cada 19 anos, afinal ele acreditava, assim como nós deveríamos, que nossas leis devem pertencer e representar a sociedade do presente, e não aquela que está nas páginas da história.

Marginalidade frente à base jurídica fundamental

 

A Constituição Federal Brasileira de 1988 possui como preâmbulo a seguinte compilação de objetivos: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. Tal texto introdutório explicita a igualdade como um dos valores supremos de uma sociedade sem preconceitos, realidade não constatada em solo tupiniquim. Nesse contexto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (AID) nº 4.277, ao ser julgada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, levantou questionamentos acerca da condição de casais homossexuais em um país, não raro, conservador.
Axel Honneth, em sua obra “Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais”, discorre sobre as três formas de reconhecimento (atitude positiva para consigo mesmo que permite auto realização), sendo elas o amor, o auto respeito e a auto estima. Em uma sociedade, muitas vezes, conservadora - embasada na dualidade entre um Estado laico e uma bancada religiosa no Congresso Nacional - os casais homossexuais encontram empecilhos para a concretude de sua auto realização, uma vez que a orientação sexual é um conceito pré-definido por uma sociedade heteronormativa. Esta fomenta o estabelecimento de preconceitos e discriminações sucessivos, os quais culminam em dificuldades basilares para o estabelecimento prático da igualdade prevista na Constituição.
Ademais, Honneth reitera que a luta por reconhecimento toma seu ponto de partida de sentimento morais de injustiça, em vez de constelações de interesses dados. Nesse aspecto, tal luta atrela-se à experiências morais de desrespeito. Tais sentimentos morais de injustiça e experiências morais de desrespeito podem ser constatados com a inércia do Poder Legislativo em regular, o qual detém diversos projetos de lei que estão estagnados em suas pastas. Tal fato contribui para a marginalidade sob a qual os casais homossexuais e toda a comunidade LGBT se encontravam frente à base jurídica fundamental conferida, distintamente, às uniões heterossexuais. Portanto, faz-se essencial que haja a implementação de medidas as quais contraponham-se à marginalidade vivenciada por casais homoafetivos e pela comunidade LGBT.
Tais medidas encontraram no reconhecimento às uniões homoafetivas, julgado através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (AID) n º 4.277 pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, um marco inaugural para que houvesse, efetivamente, a instauração de igualdades práticas, e não apenas teóricas -definidas pela Constituição Federal. Assim, o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo, estende e garante para estes casais, a mesma proteção prevista no artigo 226, § 3º, da Constituição Federal (CF), e no artigo 1723, do Código Civil. Tal fato corrobora para que a laicização firme-se, com efeito, em solo tupiniquim, não permitindo que motivações religiosas decidam aspectos particulares referentes à vida e ao status familiar almejado por casais homossexuais.
 
Isadora Mussi Raviolo - 1º Direito (Noturno)