A arrogância humana, a retórica e as disputas desnecessárias, a hermenêutica e a função social do Direito são temas nos quais Francis Bacon, com sua obra "Novum Organum", nos faz refletir. Apesar de publicado em 1620, ainda nos remete a noções inerentes ao mundo contemporâneo e à imperfeição humana como uma das causas de tantas asserções falsas em relação ao mundo.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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sábado, 2 de abril de 2011
O Grande Mito do Saber e a Prepotência "Sábia"
A arrogância humana, a retórica e as disputas desnecessárias, a hermenêutica e a função social do Direito são temas nos quais Francis Bacon, com sua obra "Novum Organum", nos faz refletir. Apesar de publicado em 1620, ainda nos remete a noções inerentes ao mundo contemporâneo e à imperfeição humana como uma das causas de tantas asserções falsas em relação ao mundo.
Investigando mente e verdade
Francis Bacon é mais um autor à procura do caminho (método) para a verdade, em sua obra Novum Organum ele divide o conhecimento em dois tipos: Os produzidos pelo método de Antecipação da Mente e os produzidos pela Interpretação da Natureza. Para se obter um conhecimento através do segundo método Bacon afirma ser necessária a expulsão dos “ídolos”.
O autor dá o nome de ídolos a tudo aquilo que obscurece o caminho da mente à verdade e determina os seus tipos de acordo com sua origem: os fundados nos sentidos do homem como medida da natureza são os ídolos da tribo; nos desejos e impressões individuais, ídolos da caverna; na linguagem mal usada, ídolos do foro; e nos vícios de doutrinas e fantasias, ídolos do teatro.
Bacon propõe uma organização, ou cura, da mente, já que ela é tão sensível à aos ídolos. O exercício mental desregrado (dialética) não leva à verdade (é aí que surge sua crítica à filosofia Clássica) e nem mesmo a confiança cega nos sentidos, já que esses estão subordinados aos caprichos da mente. Para tal cura, são necessários instrumentos auxiliares ao intelecto e aos sentidos, traçando uma equivalência entre engenhos e intelecto durante o processo das experiências.
A intenção de Bacon não é nova, distinguir ilusão de realidade, deter os desejos que influem no conhecimento científico, conhecer os perigos da mente e aprender a usá-la de forma “pura” é um desafio antigo e até hoje não superado completamente. Ele dá um primeiro passo na identificação dos axiomas e propõe a verificação de tais verdades que aparentemente se apresentam irrefutáveis. A obra é um exercício de investigação a cerca da delicada relação natureza-mente-verdade; um exercício que deve ser praticado a cada descoberta.
Ciência e aplicabilidade
Domínio sobre a Verdade
Acreditando no poder indutivo do homem, vale-se de que o melhor caminho para a descoberta da Verdade é aquele que, partindo de dados particulares, chega-se aos dados gerais. Também ressalta a tamanha importância de se buscar recursos para auxiliar o intelecto, para garantir menos falhas no raciocínio. Bacon afirma que um intelecto sem auxílios e não regulado não pode superar a obscuridade das coisas.
Em seu método, Bacon rejeita ideologias, fantasias, religiosidade e misticismo, julgados como fatores que contaminam a mente humana e corroboram para que se chegue a falsas conclusões. O homem deve se dispor a observar a natureza despreendido de qualquer "pré-conceito", para que seu julgamento sobre os fatos e experiências sejam guiados por um raciocínio "limpo".
O filósofo destaca a existência de quatro gêneros de ídolos que, se não bloqueados pela verdadeira indução, podem ser maléficos à mente humana e interferir na Interpretação da Natureza. São eles: ídolos da tribo - quando se toma por verdade aquilo que foi captado pelos sentidos; ídolos da caverna - em uma ilusão à caverna platônica, refere-se aos princípios, educação ou convenção de cada indivíduo; ídolos do foro (da vida pública) - diz da relação social do homem e do consequente uso das palavras, que podem gerar compreensões distintas em cada ser e provocar o erro; e, finalmente, ídolos do teatro -aquilo que é passado aos homens, seja como doutrina, tradição, regra, costume, que entra em vigor sem qualquer questionamento.
Bacon prega o extremo cuidado que o homem deve ter ao produzir conhecimento, uma vez que seus sentidos e suas "paixões" podem afetá-lo de modo a conduzí-lo a uma conclusão que lhe favoreça, mas nem sempre verdadeira. Por isso, muitos tentam fundamentar uma filosofia a partir de experiências próprias pouco válidas, uma vez que foram afetadas por suas fantasias e/ou princípios.
Em suma, a jornada que leva ao domínio sobre a Verdade, bem como sobre toda a natureza, requer a união entre a capacidade indutiva humana ("engenho") e o uso auxiliado do intelecto, somados à análise contínua e rigorosa de experimentos e seus efeitos.
A junção da experimentação com a razão
Bacon procura um novo método, através da exploração e experimentação, para o desenvolvimento da ciência da época, já que para ele, essa apenas girava inalteravelmente em círculos, com a superposição do novo sobre o velho, e nada mais era que combinações de descobertas anteriores, cujos resultados alcançados, até aquele momento, deviam-se mais ao acaso que a ciência propriamente dita. Considerava a lógica do momento como inútil para o incremento da ciência, pois essa era mais usada para consolidar e perpetuar erros do que para a indagação da verdade. Além disso, dizia que havia noções falsas e ídolos que ocupavam o intelecto humano, não somente obstruindo-o a ponto de tornar difícil o acesso à verdade, mas também como obstáculo à própria instauração das ciências. Avaliava que o intelecto humano recebia influência da vontade e dos afetos e se inclinava a ter por verdade o que preferia, sendo de inúmeras formas, aludido e afetado pelo sentimento.
A exaltação da experiência
A partir dessas concepções, cria-se um novo método conhecido como “cura da mente”. Por meio dele, o ser humano passa a disciplinar seus pensamentos de acordo com a experiência que está observando a fim de entender a natureza social que nos é “imposta”. Para isso, Bacon apresenta dois métodos, sendo o primeiro nitidamente mais eficiente: a descoberta científica (interpretação da natureza) e a antecipação da mente (mera contemplação da ciência).
Francis Bacon, em nenhum momento, nega a possibilidade de se alcançar a verdade, mas afirma a dificuldade de se conhecer a natureza utilizando-se dos instrumentos até então “propagados”. Esses estimulariam os quatro gêneros de ídolos que bloqueiam a mente do ser humano, seja por meio da interferência das nossas paixões, pelas diferentes formações dos indivíduos, pelas relações sociais ou até mesmo pelos próprios sistemas filosóficos.
Torna-se claro, por meio do Novum Organum, o quão influenciável é o intelecto humano. Quando este acredita em algo, modifica a realidade para comprovar suas afirmações, sem perceber a debilidade dos sentidos. E é justamente por mostrar que a verdade deve ser buscada sempre por meio da experiência e não da observação, que Francis Bacon tornou-se essencial para a ciência moderna.
Adquirindo um conhecimento científico
Valorização da teoria e abandono da prática
Há, especialmente nos dias atuai, intensa valorização da palavra, da retórica, da articulação de raciocínios, do "falar bem". Não vejo, particularmente, nenhuma mal nisso. Contudo, acredito que, além de conhecer e aplicar técnicas que engrandecem o modo como nos expressamos, devemos reavaliar o conteúdo e a aplicabilidade do nosso discurso.
Francis Bacon afirma que, enquanto exaltamos e admiramos os poderes da mente humana, ignoramos suas falhas e não buscamos auxílio para adequá-los. Dessa forma, insistimos em "tagarelar" como faziam os gregos e não geramos conhecimentos capazes de melhorar a condição humana.
Para quebrar tal ciclo de produção inútil, Bacon recomenda domesticar a mente através da experimentação, isto é, embasar as ideias (pensamentos) em experiências observáveis (dados). Ele ainda argumenta que o homem precisa ser levado aos próprios fatos a fim de que ele se sensibilize e se sinta obrigado a renunciar ás teorias (especulações) e comece a produzir efetivamente ciência que auxilie o desenvolvimento humano.
Assim, não basta um cientista social mergulhar em livros, teorias, filosofias para chegar a um conhecimento relevante á sociedade sem visitá-la; não basta um político tecer seu discurso em favor dos oprimidos sem conhecê-los; não basta um médico receitar um medicamento sem saber se seu paciente conhece noções de prevenção da doença.
Portanto, é importante que o homem continue se expressando bem; porém, mais do que isso, é essencial que ele inove, experimente, busque conhecimentos que surtam efeito sobre o bem comum.
Experiências, Análises, Inovações.
No passado, filósofos se prenderam à imaginação e à adoração dos elementos naturais. Dessa forma, alguns avanços foram obtidos nas ciências. Mas o que se vê no trecho acima, da obra de Francis Bacon, é uma mudança radical no método. Não basta descobrirmos e admirarmos a natureza, precisamos dominá-la. Muito menos se trata de convencimento pelos argumentos, mas de uma minunciosa análise dos fenômenos naturais. Busca-se inovações, não falatórios. Outro trecho da obra que pode nos mostrar esse pensamento é:
"Desse modo, é de se esperar que há ainda recônditas, no seio da natureza, muitas coisas de grande utilidade, que não guardam qualquer espécie de relação ou paralelismo com as já conhecidas, mas que estão fora das rotas da imaginação. Até agora não foram descobertas..."
A ciência não nasce da retórica, mas da análise e experimentação. Para Bacon, todo estudo deve ser empírico. A retórica pode ser útil em outros momentos, mas é desprovida de valor científico. Só os fatos são reais, não as ideias.
Bacon também alerta quanto às distorções que nossas análises podem sofrer devido a fatores que ele classifica como ídolos. A neutralidade é improvável. Esses ídolos podem ser nossas paixões, nossa formação, relações interpessoais que mantemos, ideologias, etc.
É, por fim, relevante considerar que "Novum Organum" foi publicado em 1620. Após o século XVII, surgiram os maiores avanços da história, que em milênios anteriores não haviam sido, se quer, sonhados. Podemos ter a certeza de que surtiu efeito essa nova forma de pensar ciência.
Evolução Constante
Por esse motivo, Bacon faz uma severa crítica aos gregos. De acordo com o autor, os gregos têm a sabedoria farta em palavras, mas estéril em ações. A crítica, portanto, faz-se justa. Uma vez que, os gregos por não desenvolverem um simples experimento que desenvolvesse a condição humana, estagnaram-se na evolução.
A fim de que as próximas gerações científicas e filosóficas não sejam como os gregos, Bacon propõe um método: a cura da mente humana. Nesse método o homem não deve deixar que a mente se guie por si mesma, deve-se criar mecanismos para regular o raciocínio. Através dessa metodologia, o homem seria idôneo para perceber e refutar as falsas percepções do mundo, chamadas pelo autor de Ídolos.