O Direito diante das metamorfoses do
mundo do trabalho
O mundo do trabalho é
marcado por constantes mudanças na medida em que é orientado pelos rumos
seguidos pela globalização crescente. O modo de produção capitalista, no qual
se busca a acumulação de lucro o mais rápido possível, estimula a criação de
novas formas de trabalho e transformações profundas nas suas condições. Essas novas
formas de organização surgem para perpetuar a exploração da classe operária,
cada vez com mais força. Exacerba-se, com isso, a exploração do trabalho pelo
capital, o que se observa por diversas formas de precarização das relações de
trabalho, flexibilização das relações trabalhistas, desregulamentação dos
direitos trabalhistas, aumento do desemprego e do trabalho informal, entre
outros. Essas circunstâncias marcam a realidade do mundo do trabalho nos dias
de hoje. O Direito, nesse contexto, acompanha tais transformações e serve como
instrumento daqueles que detêm o poder para alterar legislações e criar
mecanismos jurídicos que possibilitem as metamorfoses do mundo do trabalho. Demonstra,
assim, papel essencial nas transformações vivenciadas na realidade do trabalho
no Brasil.
Um
exemplo da atuação do Direito nas mudanças constantes no mundo do trabalho se
faz com o recente debate acerca da Reforma Trabalhista, proposta pelo governo e
que entrou em vigor no último sábado (11). É defendida como uma forma de
colocar as contas públicas em ordem, estimular a economia e criar empregos. As
novas regras alteram a legislação atual e promove mudanças em pontos como
jornada de trabalho, férias e relação com sindicatos, levando à alteração de
mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Observa-se,
como elucidado pela doutora Patrícia Maeda, Juíza do Trabalho Substituta em
Jundiaí, que a reforma trabalhista, apesar de apontar para a importância de uma
“flexibilização do direito do trabalho”, acaba por reduzir ou destruir direitos
trabalhistas e não flexibilizar de fato. Não houve, como se afirma, um aumento
de empregos com tal flexibilização. Ao alterar uma série de dispositivos de
extrema relevância no mundo do trabalho sem um amplo debate com a sociedade e
com a classe trabalhadora, há uma perda de benefícios e precarização das
relações de trabalho. A reforma, com isso, se mostra incompatível com o projeto
de nação, isto é, os objetivos declarados pela Constituição Federal, como
erradicar a pobreza, diminuir a desigualdade, promover o bem de todos, entre
outros.
Entra
no debate acerca da reforma trabalhista, ainda, a nova lei da terceirização,
capaz de transformar as relações de trabalho no Brasil. A terceirização
consiste no processo pelo qual uma instituição contrata outra empresa para
prestar determinado serviço. É uma prática que vem se difundido amplamente com
o avanço do capitalismo e, no caso do Brasil, havia restrições para esse
fenômeno para as denominadas “atividade-fim” da empresa, ou seja, sua função
principal, podendo ser contratados funcionários terceirizados apenas para as
“atividades-meio”, como segurança, limpeza, etc. Com a nova lei, essa restrição
acaba e fica permitida a terceirização de qualquer atividade em todos os
setores da economia. A causa do aumento da terceirização no Brasil e no mundo
está relacionada com a redução dos custos com o funcionário, visto que há
diminuição dos gastos com direitos trabalhistas, problemas de segurança do
trabalho, etc. Os defensores do projeto alegam, ainda, que isso diminuiria a
informalidade, um dos maiores problemas da atualidade no país, e asseguraria a
empregabilidade dos trabalhadores, gerando mais empregos e mantendo o padrão
salarial. Destacam-se, também, como argumentos favoráveis à terceirização, como
foi discutido pelo professor da USP Jair Aparecido Cardoso, a descentralização
da produção, capaz de tornar a empresa mais enxuta e, portanto, mais viável,
além da melhora da qualidade do produto final e da arrecadação de tributos.
Alega-se, ainda, que os direitos trabalhistas são mantidos e que é importante
ter em mente que a terceirização não é proibida por lei.
No
entanto, é preciso ressaltar, como lembrou Patrícia Maeda, que a terceirização,
apesar de ser uma realidade social em expansão, não é um fenômeno novo e em
tempos passados, em seu surgimento, já se mostrava uma prática perigosa.
Observava-se que existir um intermediário entre o trabalhador e o empresário só
agravava o nível da exploração, consistindo numa forma persistente de
exploração da forca do trabalho sob o argumento de ganho de produtividade.
Argumenta-se que a regulamentação da contratação de qualquer tipo de serviço
terceiro fragiliza os direitos trabalhistas e reduz os salários, visto que uma
empresa poderia demitir funcionários contratados sob o regime CLT e contratar
empresas terceirizadas com remuneração e benefícios menores. Pesquisas mostram
que os funcionários terceirizados recebem, em média, 27% a menos que os
empregados diretamente contratados e que desempenham a mesma função, além de
terem uma jornada de trabalho 7% maior. Chama a atenção, além da precarização
das condições de trabalho, uma possível elevação do trabalho análogo ao escravo
com a terceirização irrestrita. Estudos realizados pela Unicamp revelam que a
maioria absoluta dos trabalhadores resgatados dessas condições eram contratada
por empresas terceirizadas.
O
Direito atua para acompanhar as transformações do mundo do trabalho, também, na
proposta de Reforma da Previdência, a partir da PEC 287/16, que aguarda ser
colocada em votação entre os deputados. A previdência pode ser tida como a
possibilidade ou não da existência digna quando se aposenta. Trata-se, com
isso, do futuro, mas que pode ser algo próximo e por isso merece grande
atenção. O discurso oficial do governo, aliado com o do relator Arthur Maia, é
o de que “super aposentadorias” são responsáveis pelo déficit do sistema
previdenciário e que, para resolver isso, é preciso reforma. Isso se mostra
falso na medida em que a média das aposentadorias no Brasil é baixa e o
critério de déficit/superávit não é o mais adequado para medir a
sustentabilidade de um sistema previdenciário, no entender do Presidente da
UNAFISCO, Kleber Cabral. Entre as mudanças de maior relevância propostas pela
reforma, estão o aumento da idade mínima para se aposentar, que passa a ser de 65
anos para o homem e 62 para a mulher. Isso é feito visando a convergência
internacional, equiparando-se aos padrões internacionais em que a média nos
países da OCDE é de 65 anos. No entanto, desconsidera que a expectativa de vida
no Brasil, de 75 anos, é muito menor que nesses países, 81,2 anos. Ainda é
preciso considerar o fator Hale, segundo o qual a expectativa de vida com
saúde, antes de apresentar problemas, no Brasil é de 65,5 anos e nos países
desenvolvidos é de 71,5 anos, o que significa que aqui as pessoas viveriam em
média 6 meses apenas com saúde após se aposentar. Outra mudança seria passar o
tempo de contribuição, que era de 15 anos, para 25. Esse tempo, diferente do
tempo de serviço, considera apenas os meses em que de fato há contribuição, e
considera-se que a cada 1 ano trabalhado, tem-se de contribuição apenas 6 ou 7
meses, o que exigiria cerca de 50 anos trabalhados para que se atingisse os
estipulados 25 anos de contribuição.
Como salientou a
Professora Julia Lenzi, especialista em Direito do Trabalho, a expectativa de
vida da classe trabalhadora periférica e pobre, que consiste em 80% dos trabalhadores
do país, é muito baixa, e o Estado não se responsabiliza com políticas sociais
para essa parcela da população. Isso significa que, em geral, esses
trabalhadores vão morrer sem se aposentar, o que é extremamente preocupante.
Outra mudança relevante da reforma previdenciária é a redução da pensão por
morte para 10 anos. Atualmente a pensão é de 100% da aposentadoria do falecido,
mas a PEC propõe que seja alterada para 50% mais uma cota de 10% para cada
dependente. A mudança mais drástica, porém, está na proibição da acumulação de
benefícios como a aposentadoria e pensão, o que impede que uma mulher
aposentada, após a perda do marido, receba também a pensão deste, sendo
obrigada a escolher um benefício. Isso é preocupante na medida em que provoca
uma redução da renda familiar, tendo em vista que em muitas famílias pobres o
sustento é proveniente do conjunto da aposentadoria com a pensão, que mesmo
juntos não somam uma quantia de grande expressão. Com tudo isso, a redução da
pensão chega de 40 a 60% e ofende, segundo Kléber Cabral, o princípio da
proporcionalidade. Conclui-se, com essa proposta, que quando se retiram
direitos sociais sem uma atuação eficiente na cobrança dos grandes devedores,
no combate à sonegação, na retirada de benefícios fiscais ineficientes, no fim
da extinção da possibilidade dos crimes tributários, quem pagará o preço não
serão os grandes empresários, mas sim a grande massa de trabalhadores urbanos,
rurais e do serviço público.
Entra em debate no que
diz respeito às metamorfoses do mundo do trabalho a questão da saúde e
segurança. A saúde do trabalhador é algo de grande complexidade, que exige
compreensão de como se dá a organização do trabalho, a duração das jornadas,
tipo de atividade, produtos manipulados, etc. É preciso conhecer o processo de
trabalho em sua totalidade para se estudar a saúde. É necessário, de acordo com
a doutora Vera Lúcia Navarro, compreender a realidade concreta da qual o Brasil
faz parte e estudar o processo histórico da industrialização no Brasil para
entender a evolução do trabalho e a situação de hoje. O desenvolvimento tardio
e subordinado do capitalismo e industrialização no país trouxe consequências,
em especial no que se refere à exploração da força de trabalho, até os dias de
hoje. É responsável também pelo agravamento da desigualdade social e
marginalização da classe trabalhadora periférica. Num passado mais recente,
cabe citar as inovações trazidas pela década de 1990, com a reestruturação
produtiva e advento da microeletrônica. A automatização do trabalho teve
influência direta na saúde do trabalhador, havendo mudança no perfil das
doenças, como um aumento na ansiedade e depressão em virtude da pressão
sofrida.
Conclui-se, com todas
as discussões envolvendo o Direito e o mundo do trabalho, que este passa por
intensas transformações e o Direito funciona como ferramenta para promover boa
parte dessas mudanças, acompanhando o desenvolvimento de novas formas de
trabalho e servindo como aliado para aqueles que detêm o poder de transformar
legislações trabalhistas. Com a situação atual, em especial com o avanço de
propostas como a Reforma Trabalhista, a Nova Lei da Terceirização e a Reforma
da Previdência, observa-se uma tendência para a diminuição de direitos
trabalhistas até então garantidos e a precarização das condições de trabalho em
especial da massa trabalhadora periférica e pobre, o que é feito sob o
argumento de redução de gastos e sempre visando o lucro fundamental no modelo
de produção capitalista. No entanto, faz-se essencial o acesso ao trabalho em
condições dignas a todos os trabalhadores, visto que somente isso é capaz de
assegurar a manutenção do vínculo social e emancipação social do trabalhador.
Assim, num contexto de fragmentação, degradação e exclusão social decorrentes
da crescente exploração do trabalho pelo capital, é necessário buscar
alternativas ao trabalho humano como forma de inclusão social e efetivação da
dignidade da pessoa humana. O Direito, nesse sentido, é capaz de exercer papel
transformador.