De acordo com Boaventura de Souza Santos, as defensorias públicas se distinguem de outras instituições do sistema de justiça pelo fato de possuírem melhores condições “para desvelar a procura judicial suprimida”. É o que o autor ilustra ao afirmar que os defensores, em seu cotidiano profissional, aplicam a “sociologia das ausências”. A obra em tela afirma a relevância da assistência jurídica gratuita, judicial e extrajudicial, prestada pela Defensoria Pública, mas alerta sobre os desafios enfrentados pela instituição, sobretudo quando estes apresentam os “contornos de uma verdadeira luta política e de confronto com outros órgãos do Estado e instituições do sistema de justiça”. É o que se verifica na ADI 6.852.
A ação constitucional foi proposta neste ano pela Procuradoria-Geral da República e questiona o poder de requisição dos defensores, sob a alegação de que essa prerrogativa feriria a isonomia entre estes e a advocacia. Em síntese, a Procuradoria-Geral sustenta que o poder de ordenar autoridades a expedirem documentos desequilibra a relação processual, dando um poder exacerbado aos defensores, sobretudo no que diz respeito à produção de provas.
A ADI é alvo de críticas. O Grupo Prerrogativas, em nota, afirma que o poder de requisição dos defensores “não viola a isonomia, mas sim, a torna efetiva, em sustentação a direitos historicamente relegados à desigualdade e em cumprimento aos desígnios de que foi investida pela Constituição, visando à construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, em que o acesso democrático à justiça seja meio eficaz de afirmação da dignidade e emancipação cidadã”. Defensores ainda reforçam a imprescindibilidade de tal prerrogativa, pois, dada a hipossuficiência dos usuários dos serviços das defensorias, é frequente que a reunião de documentos probatórios seja dificultosa. Nesse aspecto, o poder de requisição seria uma ferramenta essencial na ampliação do acesso à justiça.
Santos afirma que as defensorias “estão permanentemente ameaçadas por um risco de afunilamento”. A investida da Procuradoria-Geral da República é interpretada, pelo grupo citado acima, como disputas de poder no registro no qual “se reafirmam as desigualdades que privam o Brasil de futuro”. Portanto, para além da questão da isonomia e da paridade de armas, a análise da prerrogativa não pode ignorar a realidade social na qual se inserem aqueles cuja procura judicial é sistematicamente suprimida.
Pedro Olivatto Zanutto
Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail 06 dez. 2021, 11h56
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