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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A diversidade para o lado de lá

Em 2015, no município de Ipatinga (MG), a Lei Municipal 3.491 trazia em seu conteúdo diretrizes em relação à educação e a diversidade, “sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas” (Art. 3º da Lei mencionada). Ao se deparar com isso, é possível questionar qual a motivação para a aversão a esse assunto, e o porquê dessa aversão justificar algo como uma proibição legal.

Para entender tal, é possível usar o artigo “O primado do Direito e as exclusões abissais” de Sara Araújo, que trouxe conceitos muito adequados para o assunto. Araújo tem uma visão bem clara do mundo: dividido entre o Norte e o Sul. Em seu artigo, entretanto, está bem claro que essa divisão vai muito além da concepção geográfica. Ela se refere à cultura e pensamento que contrastam entre si, na qual há a hegemonia do Norte devido ao eurocentrismo que cerca o conhecimento moderno.

Para a autora, há uma linha abissal que divide o mundo em dois, sendo essa linha o limite entre o pensamento hegemônico e o “outro lado”. “Pra cá” da linha, está tudo aquilo considerado avançado através das lentes do eurocentrismo, ou seja, o que por muito tempo foi chamado de civilizado e é colocado como universal, já que é o “correto”. Já o outro lado é visto como exemplo de atraso, como uma exceção do universalismo moderno que deve evoluir se quiser deixar de ser invisível.

No mundo jurídico, essa divisão se dá através daquilo que é legal e ilegal, que vai ser definido pelo Estado ou pelo direito internacional. O que é colocado como ilegal é jogado para lá da linha abissal, em uma tentativa de reafirmar o pensamento hegemônico. É exatamente isso que a prefeitura de Ipatinga tentou fazer: colocar a diversidade de gênero do “outro lado”, silenciando-a, já que ela desafia as concepções eurocêntricas do que é correto e aceitável.

Com a proibição da discussão sobre a diversidade nas escolas, esse assunto se tornaria invisível, apesar de ainda existir na sociedade (já que falando sobre ela ou não, a diversidade de gênero existe de qualquer forma). Isso é exatamente o que Sara Araújo diz ocorrer com o que fica no Sul: é inexistente para o Norte, mas ainda está lá, sendo ignorado e invisibilizado.

Sendo assim, é evidente que a Lei Municipal 3.491 buscava destacar ainda mais a linha que coloca a diversidade de gênero do “outro lado”, preservando o pensamento do que Araújo chamou de Norte. Por essa razão, é uma grande vitória que os artigos referentes a esse assunto na Lei foram suspensos, pois além de inconstitucionais eles também eram extremamente perigosos já que não há perigo maior do que fechar os olhos para aqueles que são oprimidos e, pior do que isso, ensinar nossas gerações futuras a fazê-lo também.

Camilly Vitória da Silva - Direito noturno, Turma XXXVIII, 2º semestre.

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