Em 2015, no município de Ipatinga (MG), a Lei Municipal 3.491 trazia em seu conteúdo diretrizes em relação à educação e a diversidade, “sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas” (Art. 3º da Lei mencionada). Ao se deparar com isso, é possível questionar qual a motivação para a aversão a esse assunto, e o porquê dessa aversão justificar algo como uma proibição legal.
Para entender tal, é possível usar o artigo “O primado do Direito e as exclusões abissais” de Sara Araújo, que trouxe conceitos muito adequados para o assunto. Araújo tem uma visão bem clara do mundo: dividido entre o Norte e o Sul. Em seu artigo, entretanto, está bem claro que essa divisão vai muito além da concepção geográfica. Ela se refere à cultura e pensamento que contrastam entre si, na qual há a hegemonia do Norte devido ao eurocentrismo que cerca o conhecimento moderno.
Para a autora, há uma linha abissal que divide o mundo em dois, sendo essa linha o limite entre o pensamento hegemônico e o “outro lado”. “Pra cá” da linha, está tudo aquilo considerado avançado através das lentes do eurocentrismo, ou seja, o que por muito tempo foi chamado de civilizado e é colocado como universal, já que é o “correto”. Já o outro lado é visto como exemplo de atraso, como uma exceção do universalismo moderno que deve evoluir se quiser deixar de ser invisível.
No mundo jurídico, essa divisão se dá através daquilo que é legal e ilegal, que vai ser definido pelo Estado ou pelo direito internacional. O que é colocado como ilegal é jogado para lá da linha abissal, em uma tentativa de reafirmar o pensamento hegemônico. É exatamente isso que a prefeitura de Ipatinga tentou fazer: colocar a diversidade de gênero do “outro lado”, silenciando-a, já que ela desafia as concepções eurocêntricas do que é correto e aceitável.
Com a proibição da discussão sobre a diversidade nas escolas, esse assunto se tornaria invisível, apesar de ainda existir na sociedade (já que falando sobre ela ou não, a diversidade de gênero existe de qualquer forma). Isso é exatamente o que Sara Araújo diz ocorrer com o que fica no Sul: é inexistente para o Norte, mas ainda está lá, sendo ignorado e invisibilizado.
Sendo assim, é evidente que a Lei Municipal 3.491 buscava destacar ainda mais a linha que coloca a diversidade de gênero do “outro lado”, preservando o pensamento do que Araújo chamou de Norte. Por essa razão, é uma grande vitória que os artigos referentes a esse assunto na Lei foram suspensos, pois além de inconstitucionais eles também eram extremamente perigosos — já que não há perigo maior do que fechar os olhos para aqueles que são oprimidos e, pior do que isso, ensinar nossas gerações futuras a fazê-lo também.
Camilly Vitória da Silva - Direito noturno, Turma XXXVIII, 2º semestre.
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