Bourdieu
estuda o direito a partir de suas estruturas internas. Para tal, parte de uma
crítica a Kelsen, o qual, seria dono da teoria responsável pela segregação do
direito a um campo interno e independente das forças externas. Também faz
crítica ao marxismo estruturalista que coloca o direito à mercê de estruturas
internas de poder, o que acaba por privar-lhe de autonomia
Todavia,
o ponto ao qual gostaria de ater minhas considerações nesse texto é o fato,
elucidado por Bourdieu, dos conflitos internos no campo jurídico. O fato aqui em questão é, em curtas linhas, o
seguinte: no interior do próprio campo jurídico existe uma divisão de trabalho
que se determina a partir da rivalidade estruturalmente posta, entre os agentes
desse campo (advogados, juízes, promotores, juristas etc).
Com
isso, aqueles que “habitam” o campo jurídico, passam a fundamentar o sistema
normativo em preceitos próprios e formais pelo qual se apropriam do direito e
que por distarem, estes formalismos, da realidade social, acabam por ofuscar o
ideário de eficiência jurídica ou justiça social. O formalismo jurídico é o
responsável pelo acumulo de capital simbólico dentro do campo jurídico. Isso
fica suficientemente evidente pela quantidade de termos técnicos usados pelos
aplicadores do direito, os quais são de tal desconhecimento do leigo na área de
que uma breve conversa ou um parecer em um tribunal pode assemelhar-se a um
idioma diferente daquele falado no local.
Ainda,
segundo o autor, o campo jurídico é influenciado por uma série de conteúdos
políticos e éticos, que são disseminados conforme uma confluência de interesses
guiada pelas origens elitistas, tornando o campo jurídico espaço de
comprometimento com os valores dominantes e com a manutenção do status quo.
Aqui também cabe a ressalva de que o campo jurídico se relaciona com outros
campos, na medida de interesses comuns.
Nessa
perspectiva, o autor elucida que o direito rechaça as posições extremas que não
se encontram na finalidade da manutenção do status quo. E aqui, após esse breve
retrospecto, gostaria de inserir algumas reflexões pessoais, para as quais me
apoio na teoria do Abade de Sieyès, para refletir acerca de alguns
pontos da crítica supra elucidada de Bourdieu aos pilares do direito. O Abade,
em sua obra, “A Constituinte
Burguesa” (1789), coloca em foco a importância
do Estado enquadrado num sistema normativo e soberano (Estado de direito) como pressuposto
necessário para a viabilização do Estado Moderno. Com isso, surge a
idéia inerente de um direito normativo necessário, com um campo apartado dos
demais, e com normas de mudança dificultada (constituições rígidas) a fim de
assegurar, não somente a manutenção do status quo, como critica Boudieu, mas a
segurança e a coesão da sociedade. É fato que aqui surgem crítica, e
infindáveis possibilidades de divagações acerca da necessidade do Estado, da possibilidade
do anarquismo; discussões estas que não caberiam ao meu texto, neste momento.
Agora,
não sejamos ingênuos em pensar que a simples aplicação da lei possa garantir
uma decisão justa, ou que o direito possa ser neutro. Com isso, faz muito
sentido a crítica de Boudeau faz, quando diz que o direito, algumas vezes se
perde nos seus fundamentos internos, e perde sua finalidade da busca do justo
(descincronia entre direito e justiça).
Alem
disso, gostaria de estender reflexões sobre o mesmo tema tratado até aqui, a
partir da teoria desconstrutora de Jacques Derrida. Segundo o filósofo, direito
e justiça não são sinônimos, mas intercambiam-se. A desconstrução mostra que o próprio
momento em que se funda o Estado de direito (Estado Moderno) não é justo ou
injusto. O Estado de direito está contaminado por uma violência originária da
qual o direito não consegue se desvincular. Violência aqui ganha o sentido, também,
de força autorizada, pois nesse momento de fundação do Estado de direito há o
abuso da força; então o direito advêm de um ato arbitrário que não consegue
contemplar toda a pluralidade social. Então, esse direito deve ser desconstruído
à própria luz da justiça, mas não com a idéia de se extinguir o direito, mas
sim, à luz da concepção da justiça, transformá-la e não jogá-la no lixo.
Roberto Renan Belozo - 1° direito noturno