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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Análise de julgado à luz de Sara Araújo

 

No século XV, a fundamentação ideológica para a colonização dos países europeus, especialmente Portugal, era a catequização dos povos primitivos estabelecidos nos demais continentes, ou seja, uma imposição cultural ideológica sobre a premissa de “salvar” suas almas. Essa guinada histórica desencadeou sequelas ideológicas permanentes até os dias atuais como a supremacia das potencias desenvolvidas atreladas ao catolicismo e a submissão dos países subdesenvolvidos com suas outras múltiplas religiões. Sob o viés desse pensamento, a socióloga Sara Araújo explicita que o pensamento contemporâneo restringe limites por meio de uma implícita linha abissal que separa o lado de cá (avançados e notórios) e os do lado de lá (atrasados e invisíveis).

Essa divisão contrastante não ocorre apenas em âmbito internacional como entre o Brasil e os países europeus, mas inclusive dentro das fronteiras nacionais que delineia a elite branca detentora do montante econômico e as demais camadas vulneráveis como mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+. Nesse espectro mais interno, Sara Araújo reflete sobre a prevalência da monocultura universal e global (tudo o que é local ou particular é inviabilizado pela lógica da escala global) e da naturalização das diferenças (identificam diferença com desigualdade e legitimam a dominação). São justamente essas monoculturas que alimentam a razão metonímica e concretizam o cânone hegemônico.

Um exemplo brasileiro de caso concreto que alude a essas monoculturas estudadas por Sara Araújo pode ser visto o Habeas Corpus 124. 306. Esse documento do ministro do STJ Luís Roberto Barroso impede a prisão preventiva devido à suposta prática dos crimes descritos nos arts. 1261 (aborto) e 2882 (formação de quadrilha) do Código Penal. Em seu corpo argumentativo é apontado a violação da igualdade de gênero na medida em que se romantiza a maternidade e destina a mulher o ônus integral da gravidez, e uma vez que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir a respeito da sua manutenção ou não. Soma-se a isso, a discriminação social e o impacto desproporcional sobre mulheres pobres pois elas não têm o devido acesso a um sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo de maneira segura.

Portanto, esse julgado reflete como “a criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher”, em outras palavras, nota-se um caso concreto da própria monocultura jurídica em que despreza os direitos jurídicos dos mais vulneráveis, se apresenta como técnico e não político e em sua análise mais profunda repercute na criação de uma sociedade civil de maneira incivil.

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