No século XV, a
fundamentação ideológica para a colonização dos países europeus, especialmente
Portugal, era a catequização dos povos primitivos estabelecidos nos demais
continentes, ou seja, uma imposição cultural ideológica sobre a premissa de
“salvar” suas almas. Essa guinada histórica desencadeou sequelas ideológicas
permanentes até os dias atuais como a supremacia das potencias desenvolvidas atreladas
ao catolicismo e a submissão dos países subdesenvolvidos com suas outras
múltiplas religiões. Sob o viés desse pensamento, a socióloga Sara Araújo
explicita que o pensamento contemporâneo restringe limites por meio de uma
implícita linha abissal que separa o lado de cá (avançados e notórios) e os do
lado de lá (atrasados e invisíveis).
Essa divisão contrastante
não ocorre apenas em âmbito internacional como entre o Brasil e os países
europeus, mas inclusive dentro das fronteiras nacionais que delineia a elite
branca detentora do montante econômico e as demais camadas vulneráveis como
mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+. Nesse espectro mais interno, Sara
Araújo reflete sobre a prevalência da monocultura universal e global (tudo o
que é local ou particular é inviabilizado pela lógica da escala global) e da
naturalização das diferenças (identificam diferença com desigualdade e
legitimam a dominação). São justamente essas monoculturas que alimentam a razão
metonímica e concretizam o cânone hegemônico.
Um exemplo brasileiro de
caso concreto que alude a essas monoculturas estudadas por Sara Araújo pode ser visto o
Habeas Corpus 124. 306. Esse documento do ministro do STJ Luís Roberto Barroso
impede a prisão preventiva devido à suposta prática dos crimes descritos nos
arts. 1261 (aborto) e 2882 (formação de quadrilha) do Código Penal. Em seu
corpo argumentativo é apontado a violação da igualdade de gênero na medida em
que se romantiza a maternidade e destina a mulher o ônus integral da gravidez,
e uma vez que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela
for reconhecido o direito de decidir a respeito da sua manutenção ou não. Soma-se
a isso, a discriminação social e o impacto desproporcional sobre mulheres
pobres pois elas não têm o devido acesso a um sistema público de saúde para
realizar o procedimento abortivo de maneira segura.
Portanto, esse julgado
reflete como “a criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre
vulnera o núcleo essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher”,
em outras palavras, nota-se um caso concreto da própria monocultura jurídica em
que despreza os direitos jurídicos dos mais vulneráveis, se apresenta como
técnico e não político e em sua análise mais profunda repercute na criação de
uma sociedade civil de maneira incivil.
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