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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O direito e sua técnica

Durkheim, no capítulo III de seu livro "A solidariedade devida à divisão do trabalho ou orgânica", analisa as sociedades modernas, complexas, nas quais, ao contrario das sociedades pré-modernas, a solidariedade que existe é a orgânica, que se dá através da complementariedade das funções, da interdependência dos ofícios, dos pensamentos, não mais aquela solidariedade mecânica, advinda da consciência coletiva. Nas sociedades modernas, cada indivíduo tem sua importância social, trabalha em prol do todo e o direito tem como objetivo regular harmonicamente as funções desse corpo social, pois a especialização característica da divisão do trabalho exige sanções especializadas.
O direito é, então, restitutivo. Expressa técnica, não se baseia mais no senso comum, por mais que este se expresse sempre por todos os cantos. No caso de um homicídio, por exemplo, a grande maioria das pessoas tem a opinião de que deve matar o assassino, que ele merece sofrer muito e isso não é difícil de se encontrar na atualidade, basta ler qualquer comentário de leitores em qualquer revista ou jornal, como os dessa reportagem: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1146296-apos-sequestro-frustrado-bandidos-incendeiam-carro-com-vitima-dentro.shtml, em que as pessoas afirmar que os bandidos devem ser eliminados e que são "vermes". O direito, em contraponto, nesse caso e em outros, usará sua técnica e não vai "eliminar os vermes", mas vai julgá-los, primeiramente qualificando o ato, depois dando direito de defesa aos atores de tal, seguindo seus procedimentos burocráticos. E é por agir assim que tem, no senso comum, uma conotação negativa, pois a normatividade não está presente nas consciências coletivas, o que está presente nessas é a emoção, não a razão. O julgamente de crimes, nunca se baseará nas emoções, os atuantes do direito não podem sair fazendo justiça com as próprias mãos, mas sim utilizarão a racionalidade acoplada à técnica.


     
‘’Farinha do mesmo saco’’?

Émile Durkheim em seu livro ‘’ A divisão social do trabalho’’ faz uma análise muito profunda acerca das sociedades pré-modernas e das ditas modernas. No segundo capítulo já aqui estudado, ele analisa as sociedades pré-modernas, e no terceiro que será nosso objeto de estudo ele discorrerá sobre as sociedades pós-modernas ou simplesmente modernas.

De acordo com Durkheim tais sociedades são sociedades extremamente complexas onde existe um alto nível de diferenciação social, o que acaba por gerar na sociedade uma pluralidade, uma especialização. Nessas sociedades ocorre não mais o predomínio da consciência coletiva, mas sim uma interdependência de pensamentos, ou seja, cada tem indivíduo tem uma racionalidade própria. A solidariedade orgânica é representada pela complementaridade das funções, e que tem como direito predominante, não mais aquele direito punitivo e sim o direito restitutivo, que tem o intuito de devolver a funcionalidade normativa da sociedade e que não é movido por uma mentalidade singular.

Essas sociedades são sociedades muito peculiares onde o elemento da diversidade cultural, da diversidade de pensamentos, constitui a base afirmativa de tais sociedades pautadas principalmente, como já foi dito na grande diferença social.

Apesar de as sociedades modernas serem representadas por essas características, ainda podemos ver algumas atitudes características das sociedades pré-modernas, como por exemplo, nos casos em que os pais cometem abuso sexual com suas filhas onde a sociedade diz que esse indivíduo é um monstro e deveria ser morto, ou seja, dentro da perspectiva Durkheimeniana essa mentalidade representa sim um resquício da consciência coletiva na própria sociedade moderna.

Portanto mesmo com tantos anos passados, com todos esses avanços conseguidos e sendo conseguidos pelas sociedades modernas a sociedade pré-moderna ainda engendra as sociedades atuais, o que acaba por justificar a riqueza em se estudar o tema como o fez Émile Durkheim nesta obra.

Afonso Marinho Catisti de Andrade


História de um matador de assassinos

O Brasil é um país muito desigual. Sempre fui a favor de movimentos que buscam igualdade social em moldes humanitários.É uma luta que começou com a extinção da cultura dos habitantes de Pindorama e não parece terminar tão cedo. É essa luta, uma luta pela igualdade, que eu compro e pago parcelado diariamente com notas de sangue e suor de gente injustiçada.

Quando minha gente começou a ser abusada por gente do Poder, aguentei firme e forte. Meu povo permaneceu unido e em pé; com fome e com força. Dialogamos com aqueles que nos oprimiam, e em troca só conseguimos mais opressão. Os diálogos dissimulados, a nossa falta de educação; tudo estava contra nós. Mas nós aguentamos. Nós conversamos. Conversamos e não resolvemos absolutamente nada: minha gente continuou faminta e esperando por ajuda. Esperamos famintos por atenção e comida. Depois nos mandaram pro cárcere, onde sob condições anti humanas reclamávamos por Direitos Humanos. Morremos de fome e reencarnamos num'alma surda-muda. Já não precisamos ouvir ou falar. Ouvir e falar não traz comida pra minha gente; não faz mais humana a vida do meu irmão encarcerado implorando para que seu corpo entre em decomposição o mais rápido possível. Nos organizamos para combater o opressor.

No nosso combate não há espaço para malandragem. Não vamos tratar com voz macia quem desvia verba de vacinas infantis, merenda, educação, saúde etc para benefícios próprios. ASSASSINOS! Não vamos tratar com voz macia quem usa dinheiro público para compor um dos maiores esquemas de corrupção da história - Mensalão. ASSASSINOS! Não dá pra defender quem quer que meu povo seja ainda mais explorado. Não dá nem pra escutar essas pessoas; o passado nos mostrou que aqui o diálogo virou história. Nossa abordagem é outra. Nós matamos assassinos porque eles matam o nosso povo a cada dia. Tapamos nossos ouvidos por medo de cair no erro do passado. Não há terceira chance e a nossa palavra não permite réplica. Não haverá acordo, diálogo, civilidade ou respeito. Não haverá paz enquanto continuarem a proferir contra mim e contra minha gente discursos de intolerância. O discurso mata...E eu também. Eu calo a boca dessa gente usando bala carregada de desgosto do meu povo. E em nome da democracia, quem for contra mim morrerá! 

 E só pra finalizar, gostaria de dizer que Eu, o Primeiro Comando da Capital, vi na UNESP FRANCA um movimento exemplar em que um monarquista foi expulso. Antes tivesse sido morto. Antes não tivesse nascido; vamos consertar essa "falha médica". Vamos ACABAR com esse ASSASSINO! É isso mesmo UNESP FRANCA !! É isso mesmo !!! Onde aprenderam a usar da mesma lógica que demoramos séculos para desenvolver ? E mais, nós do 15.3.3 fomos historicamente oprimidos e daí surgiu nossa abordagem. O que foi que lhes fizeram para que vocês adotassem a mesma postura ?
Bom... isso não me interessa. Continuem assim que estão de parabéns! Só não experimentem mudar de partido. Aqui entre nós, quem quer mudar, quando tem sorte, se muda para o Céu...





quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Quando a união faz a força

Sendo a nossa sociedade complexa, de acordo com Durkheim há muitas esferas com divisões específicas e, portanto, interdependentes. Caberia, então, ao direito restitutivo mantê-las funcionando bem.

A concepção de crime provém de uma análise de consciência coletiva que envolve um misto de passionalidade - fruto de valores pessoais e influência temporal - e de racionalidade - fruto da expressão do direito como técnica e ciência.

Embasado pelas normas, o direito confere um caráter "frio", maduro e distanciado, o que pode assumir conotação negativa por "podar" a emersão da alma nas respostas punitivas.

O sentimento de vingança e defesa social costuma mobilizar a maioria, de forma desmedida as vezes, a ponto de caracterizar as reações como instintivas. É realmente complicado controlar os impulsos quando a cólera ganha espaço, principalmente quando ela se torna coletiva e única ao mesmo tempo.

Porém, pode-se dizer que a solidariedade nunca é tão visível e concreta quanto quando há uma união de diferentes, tão semelhantes naquele momento, unidos pela mesma causa.


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Direito restitutivo e repressivo em "A Laranja Mecânica"

“Am I like just some animal or dog? . . . Am I 
just to like some clockwork orange?”




Para Émile Durkeheim a solidariedade mecânica relaciona-se a um alto grau de consciência coletiva, predominante em sociedades menos complexas onde os indivíduos possuem pouca diferenciação social. Desta maneira a coesão é resultado da semelhança entre os sujeitos. O seu direito é repressivo, em que a preocupação primordial é a punição do sujeito infrator por meio da privação da liberdade, dor ou humilhação. Já nas sociedades mais complexas, na qual há uma grande diferenciação social e maior grau de individualismo, existiria a solidariedade orgânica. Neste caso, os indivíduos devem negar suas vontades com o intuito de contribuir com a coletividade. Nessas sociedades mais complexas o direito restitutivo predomina, ou seja, elas não compreendem um direito fundado unicamente na punição sem critérios, e a pena possui a intenção de recuperação e reinserção do individuo na sociedade.
Baseando-se em partes da teoria de Durkheim, o filme inglês Laranja Mecânica (Clockwork Ornage), de 1972, inspirado no livro de Anthony Burgess e dirigido por Stanley Kubrick, é um bom exemplo da prática do direito com caráter repressivo e restitutivo. A obra fictícia conta a historia de Alex (Malcom McDowell), líder de uma gangue de delinquentes que buscam o prazer por meio da violência e crueldade. Após assassinar uma mulher, Alex é traído por seus companheiros e capturado pela polícia. O caráter repressivo do direito pode ser observado no momento em que o protagonista é julgado e condenado a 14 anos de prisão, ou seja, a preocupação primordial não é reinserir Alex na sociedade, e sim puni-lo por seu delito. Entretanto, é oferecido à personagem a possibilidade de diminuir sua pena servindo de cobaia para um novo experimento do Estado: o Método Ludovico, que consistia em um tipo de lavagem cerebral, relacionando a violência à grandes desconfortos físicos e submetendo o infrator a filmes extremamente violentos (sem que o mesmo pudesse desviar o olhar, e ainda recebendo doses de medicamentos que lhe causariam náuseas). O método Ludovico pode ser enquadrado, de certa forma, no âmbito do direito restitutivo, uma vez que seu objetivo é reinserir o individuo na sociedade como um sujeito “normal”, mesmo que utilizando meios eticamente duvidosos.
É interessante perceber que a violência praticada por Alex é considerada doentia e inaceitável pela coletividade. Contudo,considera-se a violência que o Estado utiliza para a “cura” do personagem justificável e legítima, já que tinha o intuito de restituí-lo à sociedade. O novo Alex é como uma “laranja mecânica”, sem livre-arbítrio, incapaz de reagir à violência que o cerca, e, essa violência que antes gerava prazer, agora resulta em agonia. É abordando esses métodos correcionais que o filme assume destaque, possibilitando a reflexão acerca de quais meios seriam realmente adequados para se realizar a ressocialização dos indivíduos com atitudes socialmente inaceitáveis e ainda levantando a questão do controle que o Estado é capaz de exercer sobre a sociedade, adaptando-a aos seus interesses.

*Para quem ainda não viu o filme, segue o link com o trailer 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A pena de morte no Brasil


        A pena de morte é um tema bastante polêmico em nosso país. Já fora pauta de diversos debates fervorosos, tanto nos bares como em redações para vestibulares e discursos políticos. É uma proposta que já passou, portanto, pela vida de todo o brasileiro, o qual teve que optar por defendê-la ou negá-la. E embora, a maioria da população ainda seja contra, a disputa entre os dois lados está cada vez mais acirrada. Um exemplo desse embate é o artigo publicado no dia 19 de outubro de 2011 no “site” do Estadão: “Nos últimos 12 meses, quatro em cada cinco brasileiros mudaram de hábitos por causa da violência. Como resultado direto, também é cada vez maior o número de pessoas a favor de punições maiores, incluindo pena de morte, prisão perpétua e diminuição da maioridade penal. Em alguns casos, defende-se até a violência policial. É o que mostra pesquisa CNI/Ibope sobre segurança, feita em julho, com 2.002 pessoas em 141 cidades. Mesmo concordando com o uso de penas alternativas em casos de delitos leves, 83% dos entrevistados acredita que penas mais severas reduziriam a criminalidade. A maioria reclama que a impunidade vem aumentando. Mais da metade (51%) apoia totalmente a prisão perpétua, inexistente no Brasil. Um porcentual significativo - 31% - defende a adoção da pena de morte e outros 15% acham que pode ser justificada em alguns casos”. De tudo isso a pergunta que nos resta é: por que uma quantidade tão grande de pessoas defende a pena de morte no Brasil?
            Um indivíduo pouco atento diria, provavelmente, que a pena de morte é tão defendida em razão da carente educação brasileira. Todavia, tal afirmação não estaria correta, ou ao menos não, plenamente, correta. Isso se deve ao fato de que por vezes vemos indivíduos com cursos de graduação fazendo apologias a favor dessa prática. Outros cidadãos, não mais atentos, diriam que tal defesa é fruto exclusivo do caráter agressivo do ser humano. Entretanto essa resposta também não seria suficiente para essa pergunta que extravasa em demasia o lado psicológico do ser humano e adentra toda a sociedade.
            Durkheim em seu segundo capítulo, do livro “Da Divisão do Trabalho Social”, nos dá uma resposta que parece ser mais verdadeira, devido ao fato de poder ser explicada por meio de exemplos ao longo de toda a história das civilizações humanas. Segundo o autor, as sociedades são permeadas pela solidariedade e sobrevivem graças à essa. Nesse sentido a solidariedade mecânica seria a mais encontrada nas sociedades ditas primitivas que, em geral, são mais preocupadas com o coletivo do que com a liberdade individual. Logo seria essa solidariedade a responsável pela fundação das prerrogativas do direito penal e, portanto, da pena de morte.
            Já nas sociedades ditas mais evoluídas, a divisão do trabalho cada vez mais especializada, iria promover uma maior liberdade individual produzindo a chamada solidariedade orgânica que busca não praticar a vingança e sim fundamentar o chamado direito restitutivo (direito civil, trabalhista, etc.). Isso se deve ao fato de que conforme os indivíduos se especializam mais em determinadas tarefas mais necessitam de outros para as outras tarefas, o que acaba aumentando a importância de cada um na sociedade.
            Talvez o único fato que Durkheim e vários de seus contemporâneos não previram é que mesmo as sociedades tendo se racionalizado tanto, a solidariedade mecânica ainda possui um espaço bastante generoso, mesmo que menor do que o da solidariedade orgânica. E é esse espaço que justifica a existência de um numero tão elevado de pessoas que defendem a pena de morte.
            Por fim, fica evidente que para entendermos as causas que levam os indivíduos de nosso país a defenderem a pena de morte, é muito importante não esquecer o fator sociológico, pois somente assim, entendendo como se origina a polêmica da pena de morte, é que os indivíduos podem se preparar para adotá-la ou não, e também, só assim a ciência do direito pode evoluir.

Revanche Social

          Há muito que se vê a consciência coletiva atuando de forma esdrúxula na história. Diferentes acontecimentos no mundo provam que a passionalidade presente na solidariedade mecânica explanada por Durkheim ajudou a fazer muitas atrocidades presenciadas pela humanidade, acarretando, muitas vezes, terríveis consequências.
          Um exemplo clássico do citado anteriormente, era a forma com que Adolf Hitler manobrava seus soldados. Na Alemanha nazista, os exemplos da “raça ariana” eram colocados lado a lado, com a mesma vestimenta de forma uniformemente organizada. Os sermões de Hitler conseguiam despertar um sentimento de coletividade que se sobrepunha à qualquer individualidade, fazia os soldados esquecerem o mundo e se concentrarem no objetivo nazista.
          É muito assustador a maneira como a consciência coletiva pode se manifestar de maneira ruim. o julgamento feito coletivamente muitas vezes traz uma visão distorcida do Direito, compatível com uma justiça que defende cegamente o grupo social. Não existe racionalização e análise a fundo dos casos em particular. É possível identificar em muitos casos uma cena pós moderna do Coliseu onde as pessoas unem-se agressivamente em prol de revanche social.
          O Direito vem fazer oposição a manifestações sociais como estas. O papel da justiça hoje, teoricamente seria a de dar um julgamento justo a todo e qualquer caso. Se todos os marginais fossem julgados por uma grande massa da população em praças públicas como acontecia na Idade Média, muitos seriam os destinos brutais e trágicos desses mesmos marginais.
          É necessária a visão sociológica do operador do direito ao analisar determinado caso. O senso comum aparece como um grande entrave na aplicação eficiente do direito e por meio deste, o operador está com a responsabilidade de driblar o sentimento de revanche social dando condições justas de julgamento a todos.

Crime e Castigo


A partir de uma nocao de solidariedade mecânica, forjada por Durkheim, pode-se verificar a forte influência dos costumes e da religiao na consciência coletiva. De modo nao diferente, o Direito se mostrou historicamente ligado à esta solidariedade mecânica de maneira que nao somente as penas vinculadas ao Direito mas também o sentimento de culpa estao ligados à valores historico-sociais e, nesta medida, contingentes. Em um segundo momento, é apresentada, pelo sociólogo, a idéia de solidariedade orgânica, e um modo de interdependência entre seus integrantes que cumprem funcoes específicas, de forma a garantir certa coesao social.
O protagonista do romance russo de Dostoiésvki, Crime e Castigo,  exemplifica essa relacao e nao está isento de fortes valores cristaos, partilhados por outros personagens do livro, também verificados na sociedade retratada, bem como uma constante nocao de redencao após a execucao do crime. Nesta perspectiva, talvez se mostre pertinente a dúvida sobre a racionalizacao do Direito, nao visto como uma ciência em sua tradicional e aristoélica concepcao, mas como racionalizacao e legitimacao de aspectos culturais e como uma disputa institucional de poder. A nocao tradicional e aristotélica de ciência presume universalidade e certa relacao com a nocao de verdade. Vincular o Direito à uma nocao de verdade poderia acarretar graves problemas, comecando pelo seu caráter histórico-social ou cultural, como já visto anteriormente. Quanto a universalidade da disciplina em questao, fica evidente os problemas enfrentados por esta para a construcao de uma pauta de direitos humanos, e ainda maior é a dificuldade quanto a aspectos mais específicos do Direito em diversas culturas.
Se porém, adotar-se a nocao de ciência como simplesmente conhecimento racional possuidor de um arcabouco teórico, deveria-se adotar muitas outras formas de conhecimento como ciência, e assim corre-se o risco de se esvaziar o próprio conceito de ciência. Assim, nessa matiz de preto e branco, talvez possa ser pensado o cinza do Direito como mais próximo de uma racional disputa de poder do que propriamente uma ciência, de modo a garantir uma maior fluidez e a possibilidade da revisao de sua norma.

Racionalização: segredo para a perpetuação do capitalismo?


No livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, Weber explicita alguns fatores que fizeram o modo de produção capitalista diferente e com maiores chances de sucesso e perpetuação, como a que se tem demonstrado.

O fator chave apresentado é a racionalização, que se aplicará à área contábil, efetuando a separação dos bens da empresa e dos bens do indivíduo; à área científica, entrelaçando os avanços das ciências exatas e das ciências da natureza aos interesses econômicos capitalistas e à aplicação que terão na economia; à área jurídica que trará respaldo de legalidade às ações capitalistas; e ao principal, o homem, modificando seus princípios e formas de conduta para que ele possa agir como um capitalista acreditando ser isso o certo a fazer, pois, como o próprio Weber diz: “onde elas(pessoas) foram obstruídas por obstáculos espirituais, o desenvolvimento de uma conduta econômica também tem encontrado uma séria resistência interna”

            Para que essa nova conduta, em que “o homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade última da sua vida”, deixasse de ser vista como pecaminosa, como foi durante vários períodos da história da humanidade, mais recentemente, na Idade Média, criou-se uma nova teologia, a ética protestante que racionaliza a moral e estabelece o princípio de “dominação do mundo”. Nesse contexto surge a ideia calvinista de “predestinação”, em que o sinal de salvação do indivíduo estava nas suas posses. Assim, a acumulação de capital deixa de ser vista como ganância ou desvio de caráter, e sim como demonstração de virtude e eficiência pessoal. Hoje, entretanto, essa racionalização perdeu sua conexão com o religioso, com o sagrado, uma vez que quem deseja manter-se forte no mercado deve seguir esses padrões, quer por motivos religiosos ou não.

            Racionalização: segredo para a perpetuação do capitalismo? Parece que sim.

A consciência coletiva e as sociedades pós-modernas


Ao longo de seus estudos sobre a sociedade, Émile Durkheim identificou e analisou as relações entre os indivíduos em cada tipo de núcleo social. Nas sociedades primitivas predominou a relação por ele denominada de solidariedade mecânica, a qual não se baseia em preceitos racionais, e sim em um ente maior. Dessa forma, os homens agem segundo preceitos normativos que norteiam a preservação da sociedade, respondendo sempre aos impulsos externos.
Já nas sociedades modernas, de maior complexidade, identifica-se a solidariedade orgânica. Os homens se organizam pelo meio do cumprimento de papéis sociais interdependentes, responsáveis pelo bom funcionamento do organismo social.
Para melhor explicar sua ideia acerca das relações sociais e em quais tipos de sociedade elas se inserem, Durkheim utiliza o conceito de crime. Em sua definição, crime é o ato que desafia o pensamento coletivo.
A partir das duas classificações supracitadas, verifica-se atualmente a convivência entre o moderno e o arcaico: a consciência coletiva permanece, ainda que o saber jurídico seja altamente especializado.  Não é preciso refletir muito para relembrar casos em que a confrontação à moral social causou a cólera coletiva da turba. Dessa forma, o crime configura-se na sociedade atual, de acordo com a ofensa provocada na consciência coletiva. Assim, as penas pré-estabelecidas estão de acordo com a gravidade dos crimes? O Direito especializado é capaz de impor sanções de maneira mais justa, ou a consciência coletiva é capaz de julgar e penalizar moralmente o criminoso?
É notável a importância da consciência coletiva para as decisões judiciais ainda atualmente, principalmente quando o crime ofende a moral e os bons costumes. A atribuição do conceito de evolução é falha quando se observa que a sociedade pós-moderna ainda preserva muitas características das sociedades menos complexas. É um engano pensar que o julgamento pela moral social reside no passado, especificamente nas sociedades primitivas.  A consciência coletiva sempre esteve solidificada em todos os tipos de organização social, desde a mais simples à mais complexa e, atualmente, o sistema jurídico se reveste e é o objeto de sua expressão.

Bestialização (Direcionada) Da Sociedade


Os ideais da sociedade se fazem completamente distorcidos na atualidade. Fatores que deveriam causar verdadeira comoção popular são cada vez mais denominados pela mídia como atos de “baderneiros”. Em contrapartida, de maneira realmente abjeta, os veículos midiáticos - os quais pertencem a poucos indivíduos contemplados pelo “poder” – fazem com que as massas se levantem contra situações desnecessárias.

Ademais, a maior parte das ações de massas se reveste de animosidade e não têm profundidade intelectual alguma, enquanto movimentos com grande embasamento ideológico são rechaçados pela VEJA e pelas organizações Globo. Por exemplo, o bestial movimento revoltoso dos alunos da UniBAN, em 2010, contra o tipo de vestimenta que a aluna Geyse Arruda trajava. Um ocorrido completamente hipócrita, diga-se de passagem, já que, se a aluna em questão se enquadrasse melhor dentro dos padrões estéticos pregados, toda aquela balbúrdia não teria ocorrido. Também o movimento dos alunos da USP, em 2011, lutando contra a presença ostensiva da Polícia Militar do Estado de São Paulo no campus da universidade. Neste caso, os veículos de massa simplesmente debocharam das verdadeiras causas das manifestações dos estudantes, além de distorcer todas as reivindicações e espalhar a ideia de que todos os envolvidos eram usuários de drogas (de maconha, especificamente), e a população brasileira, infelizmente, se mostrou adepta àquilo que era pregado pela mídia.

Mais ainda, tendo em vista o fato de que essa mídia é que “constrói” a consciência coletiva da sociedade contemporânea e que, como disse Durkheim, a essência do crime é justamente a ofensa a esta dada consciência, encontra-se facilmente a resposta a por que motivo os movimentos sociais estão a cada dia mais sendo tratados de forma criminalizada. Estes buscam uma mudança no atual contexto social, o que não agrada àqueles que estão no poder, os quais, por sua vez, manipulam a população contra os movimentos sociais – sem contar, é claro, o grande artifício à manutenção forçada do poder reacionário que é a polícia.

Desta forma tudo continua como aqueles que há décadas detêm o poder querem: a majoritária parte da sociedade continua analfabeta politicamente e sendo conduzida pelo cabresto ideológico da mídia. A saúde pública nacional continua risível – ou lamentável -, o sistema educacional é terrível, declarados defensores das assassinas milícias dos campos ganham eventos em sua homenagem em universidades públicas, a polícia oprime qualquer voz ou movimento de oposição e milhares morrem de fome a cada dia. Mas tudo bem, porque a VEJA disse que problemas dignos de manifestação popular são uma aluna ir de vestido curto às aulas da universidade ou um homem se casar, em comum acordo, com duas mulheres. Um ataque direto à moral e aos bons costumes.

Crime, castigo, repressão.
Fazendo-se uma síntese de tudo que Durkheim compreende por solidariedade mecânica, consciência coletiva, chega-se a uma breve conclusão de que crime, é aquilo que fere a moral, fere os bons costumes, fere essa consciência coletiva, sem que seja ao mesmo tempo, nocivo à sociedade.
E a partir desse crime, tem-se um castigo, uma pena. Entretanto ainda não consegui compreender qual a real finalidade da pena. O sentenciado é recluso da sociedade, recluso dessa organicidade social, recluso até mesmo do sol. Vive na escuridão, no fundo dos seus pensamentos... Sente uma repulsa por estar ali, repulsa por ser humilhado, por ser rejeitado, por ser tratado como um dejeto social. Obviamente seus pensamentos não são tão positivos assim, quer voltar a sociedade não para trabalhar com carteira assinada, ele já não faz mais parte da organicidade e de todo coletivo social. Torna-se a cada dia um excluído. E agora, não se importa mais em ser excluído.
Ele assassina por nada, usa drogas, rouba. Entretanto não compreende o que há de errado em matar quem deve dinheiro a ele: se não matar, fica mal visto e vão pensar que ele é molenga. Deve se impor. Vive em uma sociedade alternativa. Embora tenha filhos, esposa, os valores que ele considera bons, não são os mesmos. E realmente, não faz sentido. Não faz sentido para ele ir ao médico por rotina, ou estudar. Ele não crê em justiça, nem em advogados, nem em normas. Eu imagino o que deve ser assistir à televisão estando dentro de uma penitenciária: você vê o mundo a sua volta, mas não faz parte dele, assiste jornais, novelas.
Entretanto, a sociedade ainda o vê como um marginal, e que se encontra nessa situação porque quer. E que a prisão nada mais é além de uma colônia de férias: não trabalha e come de graça. E dessa forma tem-se o direito como senso comum: o cidadão comum dá a sentença, - esse marginal deveria receber pena de morte, ou deveria apodrecer na prisão.
E mesmo que o direito penal deva ser restitutivo, essa seja sua função: corrigir e fazer a restituição, não é dessa forma que acontece. Ainda que haja essa intenção, o cidadão entra e sai da mesma forma, sua mente não muda, não recebe o assistencialismo.


No capítulo “Solidariedade mecânica e passionalidade do direito” escrito por Durkheim, ele escreve sobre a noção de crime e pena. Primeiramente vale conceituar solidariedade, que é o  que liga uma pessoa á outra, o que mantém a funcionalidade da sociedade, seria uma negação de si em função do todo. E esta seria mecânica porque é automática, não faz preceito em respeito ao racional, mas obedece ao principio divino e transcendental.
Durkheim afirma que a solidariedade mecânica é mais presente nas sociedades primitivas e pré modernas, e que por isso nessas sociedades destaca-se mais a presença do Direito Penal, para manter a coesão social, punindo e coibindo o que a consciência coletiva julga como indevido.
Essa consciência coletiva é formada sob a influencia de princípios religiosos, transcendentais e costumeiros, tais como os 7 mandamentos, em que todos eles quando desobedecidos eram levados a interpretar como crime. Portanto essa consciência coletiva que determina o que é crime.
Quanto a pena, sempre se dá quando este crime ofende os sentimentos fortes da consciência coletiva, e esta nem sempre é proporcional ao ato cometido, sendo desproporcional. Nos dias de hoje percebe-se isso quando uma pessoa que rouba artigos pequeno de um supermercado, por exemplo, como uma bolacha, é presa durante anos, e políticos criminosos, ou assassinos muitas vezes quando cumprem penas, estas são de tempo iguais ou inferiores. Durkheim ainda discute a pena como forma de vingança, e de expiação e defesa social.
Podemos perceber que o Direito caminha para um Direito mais racional, mas que ainda hoje há vestígios de costumes e princípios religiosos.

O inimigo reificado


O Estado – não estritamente em seu sentido moderno – sempre se ocupou em excluir o inimigo do convívio social. Isso se dá, segundo Zaffaroni , em sua obra “O Inimigo no Direito Penal”, desde Roma, quando houve uma distinção entre inimicus – o inimigo pessoal – do hostis, o inimigo do Estado. Este deveria ser excluído e tratado com hostilidade socialmente, chegando a não ser considerado pessoa.
Com a Revolução Industrial e a tomada de poder burguesa, passa a haver um excesso de contingente urbano e, consequentemente, aumento na criminalidade, por não haver emprego para todos. Como solução social para esses indesejáveis, criaram-se as prisões e, em vez de receber a pena capital, os criminosos que representavam menos periculosidade social seriam presos em celas com uma elevada taxa de mortalidade. Arriscamo-nos aqui a dizer que a existência da prisão teria função de “aviso” para que o excesso de população não proletária fosse não mais anomia social, mas exército de reserva industrial. Nessa nova política, tem-se como escopo a neutralização do preso e sua constante reificação.
Interessante é notar que mesmo em pleno século XXI, quando se considera o Estado Democrático de Direito em seu apogeu, essa política de estado de exceção ainda está em voga.  E pior, o número de presos vem crescendo a cada dia. Infelizmente, as penitenciárias possuem cor e classe econômica definida: a maioria dos encarcerados é negra e hipossuficiente.
Além disso, as prisões que acontecem sem o devido processo legal, muitas vezes injustamente, só aumentam, reforçando a constante desumanização do presidiário. Direitos humanos só funcionam no discurso de pessoas economicamente mais favorecidas e organizações internacionais. Isso sem mencionar que, uma vez preso, o cidadão ao sair – geralmente muito depois de sua pena estabelecida por falta de alguém que pleiteie sua liberdade – não encontra mais emprego e não é reinserido – como promete o sistema carcerário – na sociedade. Assim, sua única alternativa é voltar à criminalidade. Pesquisas nos mostram que aproximadamente 80% reincidem no crime. E claro, a tendência é piorar, uma vez que ladrões pertencentes a quadrilhas convivem com “ladrões de galinhas” no cárcere.
A prisão, como podemos perceber, não é a solução nem de longe para a criminalidade e deveria ser reservada apenas aos criminosos que realmente oferecem perigo à sociedade, incluindo políticos. Aos que cometem pequenos delitos, deveriam ser reservadas medidas socioeducativas, respeitando-se sempre os direitos humanos do cidadão tão duramente conquistados.
Nosso papel, como formadores de opinião e profissionais do Direito, deve ser buscar uma transformação desse sistema burguês a nós imposto, além de tentar evitar o discurso vingativo imposto midiaticamente. Afinal, “é mais fácil condenar quem já tem pena de vida”.

Senhora Sociedade, eu a declaro culpada!
Emile Durkheim em sua obra faz uma análise, sob o aspecto da teoria do consenso, do sistema penal das sociedades tidas primitivas e das tidas modernas ou contemporâneas. Segundo ele, nas sociedades primitivas havia uma espécie de consciência coletiva embasada em valores que penalizavam aqueles que se desviassem dos padrões estabelecidos, muitas vezes ligados a sentimentos religiosos e morais.
As penas, nessas sociedades pré-modernas, tinham caráter repressivo. Diz-se que mais tarde, já na época moderna elas assumiram um caráter restitutivo com a finalidade de devolver o indivíduo à sociedade. Durkheim avalia as penas repressivas como as de vingança e as que serviriam para dar o exemplo.
No entanto, observando a sociedade contemporânea, vemos que essa tal pena restitutiva só serviu de máscara para a repressão, que ocorre de forma constante e soberana como forma de punição. Mostrando que , apesar do inúmeros estudos realizados na áreas de sociologia criminal que revelam ser o controle penal (que na maioria esmagadora das vezes é repressivo) de menor eficiência e mais caro, a sociedade ainda pensa como aqueles que tanto criticam, aqueles servos ( considerados por nós, alienados) da Idade Média. Os tais estudos na área da sociologia criminal apontam que políticas públicas preventivas com a diminuição da desigualdade social e aumento de oportunidades para os mais desfavorecidos são medidas mais baratas e eficazes de combate a criminalidade. A Escola de Chicago defende a restruturação urbana como forma de controle social também eficiente e sem transtornos opressivos.
É difícil falar em controle social, pois soa como algo que é negativo, algo que nos impede de sermos nós mesmos... algo que regula nossas vidas e nossas ações, ou seja, algo que nos prende. Contudo, estamos analisando a sociedade sob a ótica da teoria consensual que prega todos temos uma função na sociedade e que devemos desempenhá-la para que haja um bom funcionamento do organismo social. E, independentemente de ideologias, não se pode negar que estamos sendo constantemente controlados, sondados; nossas ações passam pela aprovação ou não da sociedade. Aqueles que tentam se libertar desse controle passa pela censura dessa sociedade que ainda é movida pela consciência coletiva, um tanto cega, burra, conservadora e mesquinha. Aqueles outros que por condições precárias de sobrevivência, pouca educação, ou seja, as vitimas de uma sociedade elitista e desigual que cometem um ato delituoso também são punidos, não com a finalidade falsa de voltarem renovados à sociedade, mas com a finalidade de serem separados, amputados do corpo social. Algo muito comum para os homens modernos, afastar aqueles que nos mostram o quão perversos podemos ser. Ou seja, a sociedade pune os resultados de sua incompetência em ser mais justa socialmente, economicamente e humanamente.

Jéssica Thais de Lima

A Pena e a Prática Penal.

    Em sua obra "Da Divisão do Trabalho Social", Durkheim teoriza sobre as formas de coesão aplicadas a um agrupamento humano para que o mesmo se entendesse como sociedade, criando portanto uma moral suficientemente universal entre seus membros e, decorrente desta, um conjunto de leis que os regessem. A esta coesão o autor da o nome de 'solidariedade' e a dispõe em duas categorias: a Solidariedade Mecânica e a Orgânica.
    Em sociedades entendidas como 'primitivas', onde há um baixo grau de especialização do trabalho e também estreita noção de individualidade dentro do grupo, observa-se a presença da Solidariedade Mecânica. Esta se caracteriza por uma consciência coletiva, quase instintiva, que preza pela preservação do agrupamento coletivo e que são comumente percebidas como reflexos de um impulso externo, divino. Nessa sociedade há o predomínio do Direito Penal, concebido como castigo à aquele que desobedece a esta consciência coletiva. A ideia de desobediência supera a questão do dano causado sendo que este pouco importa quando da aplicação da pena, o fator principal ao julgamento é a forma como o crime é sentido pela comunidade.
    Já em sociedades modernas, com um maior grau de especialização do trabalho e diferenciação social, o sentimento de interdependência, ao qual o autor dá o nome de Solidariedade Orgânica, é o que garante a coesão. Entende-se que cada homem atende a uma função e a um papel social indispensáveis ao bom funcionamento do corpo social. Neste caso o reconhecimento da importância do indivíduo e a ausência de uma moral externa à própria sociedade levam a uma normatização que preza a manutenção e a reintegração dos funcionamentos desviantes assim como um sistema jurídico especializado e técnico que não sirva a simples vontade de alguma parte. Há o predomínio do Direito Restitutivo.

    Cabe porém ter em vista (já desviando-se do pensamento do autor) que em diversos estados atuais encontram-se formas mistas destas duas classificações antagônicas pelos mais diversos motivos. Podem ser observados, por exemplo, estados com um conjunto moderno de leis (altamente técnico e especializado, prezando pela restituição e reintegração) mas que falha comum e estruturalmente ora em julgar ora em aplicar o direito. Se por alguma disfunção permanente o estado peca na aplicação de suas normas que tem como objetivo a reintegração ele se torna um estado punitivo e exalta por si próprio o sentimento punitivo em sua população.
    O sistema carcerário brasileiro, por exemplo, tem na teoria o dever de conscientizar e tratar de um membro que a sociedade clama de volta para si. Observa-se na prática que as condições das prisões - já muito bem documentadas - não dão a entender nada além de um sistema punitivo cruel. A sociedade após um tempo toma esta situação como natural e entende agora a 'cadeia' como uma vingança a um comportamento maldoso contra a mesma. Nada mais primitivo, não?
 

O criminoso social




Ao fazermos uma breve análise histórica acerca de crimes cometidos por uma pessoa, ou por algum grupo social, que ganharam respaldo de uma parte considerável da sociedade, veremos que o motivo alegado por estas são que estariam fazendo justiça. Em um texto de sua obra, Émile Durkheim discorre sobre o porquê que existe no imaginário social esta noção de “fazer justiça”; em quais fundamentos sociológicos e psicológicos a sociedade baseia-se para se unir contra um mal que as ameaçam como sociedade.
Antes de entrarmos na discussão acerca da “Solidariedade Mecânica” de Durkheim, é preciso tentar entender quais são os motivos que levam uma sociedade, independente do estágio de evolução que estejam, a se organizar para combater algo “esquerdo” em seu núcleo social.
Uma grande parcela de estudiosos da sociedade, particularmente os antropólogos, afirma que o motivo que as pessoas se organizam para formar uma sociedade é pela ideia de que “juntos seremos mais fortes”. Este motivo faz com que pessoas de vidas às vezes completamente diferentes se unam para se autopreservar e assim, mantenham a coesão social. Entretanto, a ideia de crime, de que algo deva ser expurgado, em alguns casos é relativa e depende de determinada época e sociedade, e pode sofrer interferência de quem exerce o poder. Por exemplo, na Idade Média houve inúmeros casos de homicídios de mulheres por serem consideradas bruxas e assim, ameaçarem a ordem, sobretudo religiosa, do período medieval. Além disso, até recentemente no nazismo alemão de Hitler, algumas pessoas tinham a certeza absoluta de que um dos grandes motivos para a não prosperidade alemã seria os judeus, que estariam, como um vírus, prejudicando a funcionalidade do organismo social alemão e era preciso unir-se para destruir esse mal.
Por esses motivos, a sociedade, como forma de preservação da coesão social, se una para curar o “câncer” que se instala para destruir com a ordem estabelecida e assim, arruinar com a paz. Pois se não há garantias de penas para desvios que ameaçam a estabilidade da sociedade, não há motivos para continuarmos vivendo em sociedade e obedecendo a regras morais fixadas na mente de todos nós. 
Durkheim nos faz refletir sobre essa questão da solidariedade social para contra os perigos que elementos da sociedade podem causar na ordem. Ideia essa estabelecida em nosso imaginário como sociedade e que sempre foi presente e faz parte do nosso dia-a-dia. Se depois de lê-lo ainda restam dúvidas sobre esta questão, basta cometermos um desvio banal de comportamento como sociedade que sentiremos, no mínimo, um olhar de reprovação da pessoa ao lado, e você tornar-se-á um criminoso social.



A hipocrisia dos bons costumes


O Direito e seu império normativo, teoricamente, sempre serviram de forças inquestionáveis à preservação de certos valores sociais, da coesão coletiva. Os anseios , aspirações e a moral do conjunto estariam então representadas na norma , no sentido que a lei somente seria respeitada  e recepcionada se tivesse embasamento social. A norma, assim, deveria zelar pela promoção e proteção da moral e dos bons costumes. No entanto, o que seriam os bons costumes? Conceito tão vago e abstrato quanto à definição da cientificidade do Direito, os bons costumes são relativos ao tempo e ao espaço. Se tomar banho uma vez por dia é habitual aos brasileiros, e, sempre fora aos indígenas, aos portugueses, todavia, era algo excêntrico. Se hoje vê-se uma nudez carnavalesca camuflada em tons variados de cores tropicais, antigamente ia-se à praia de terno  e vestido em pleno verão carioca.Se o voto , ao menos no Brasil, é universal e secreto, ele já foi restritivo, censitário e machista.Se os casamentos inter-raciais são fatores comuns em qualquer grande cidade americana, o matrimônio entre brancos e negros já foi proibido por lei em todo o Deep South. O Direito, portanto, é agente ativo não na solidificação dos chamados bons costumes, mas na quebra dos mesmos para a formação de novos valores, novos paradigmas, novas consciências coletivas.


Agente ativo porque sem a indagação, a revolta, o questionamento, não há progresso social. Aquele que já foi subversivo com o tempo torna-se herói para os mesmos que o massacraram.Somente com a quebra de velhos valores que novos conceitos são elaborados, que ocorre progresso social.A solidariedade mecânica é sempre reacionária uma vez que teme a inovação e o desconhecido como afrontas à suposta estabilidade e previsibilidade da tradição e do costume.Solidariedade essa que taxava de terroristas os Panteras Negras e seu civil rights movement.Malcolm X , o herói da causa negra americana de hoje, já foi considerado terrorista pela CIA.E foi por meio de comportamentos de manada que se recusava a música e os gestos de Elvis Presley já que o músico era tido como pornográfico.Atualmente, repudia-se qualquer forma de preconceito étnico, no entanto, o antissemitismo já foi parte do bom costume da Rússia Imperial.Não participar dos pogroms retratados na obra de Dostoievsky era demonstração de recusa à tradição eslava.Assim, o bom costume de ontem é o absurdo de hoje e o Direito tem sua função na transição valorativa.O Direito, portanto, deve ser emancipador e não conservador.

Direito emancipador porque nas décadas passadas viu-se movimentos de resistência armada aderirem à causa política e a crença na normatividade e na força da mesma. IRA, Hamas, Hezbollah, ainda que não integralmente, passaram a lutar por leis que protejam suas causas e seus povos. Largam-se as armas e abraça-se às leis no sentido que o Direito deixa de ser repressor em sua totalidade e passa à ferramenta de luta das minorias oprimidas. Em um tempo de vazio ideológico dos partidos tradicionais, aqueles que não se encontram, estruturalmente e politicamente, organizados como os movimentos acima, sucumbem à descrença generalizada no processo legislativo e na própria coesão de consciências coletivas devido à diversidade, a liquidez e a heterogeneidade pós-modernas.
O Direito, consequentemente, assume o poder de decisão através da crescente atuação jurisprudicional como força legislativa. Ele deixa de ser meramente reprodutor de velhos preconceitos, vícios e tradições datadas e passa a ser energia renovadora.Se os bons costumes são flexíveis e sujeitos a modificações temporais  e espaciais, o Direito também deve ser.Assim, se o falso moralismo e hipocrisia ainda sustentam a defesa dos chamados bons costumes na sociedade brasileira, somente uma frase de Nelson Rodrigues para ilustrar as contradições barrocas intrínsecas à brasilidade: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes,ninguém se cumprimentava”.

A Prática e a subjetividade Cristã.



      Em sua obra “Da divisão social do trabalho”, Durkheim estabelece o termo “Solidariedade mecânica” para se referir ao tipo de relação social que identificou nas sociedades pré-modernas.  Durkheim a chama de mecânica, pois não partem da articulação de diferenças sociais e sim de reflexos de uma verdade única e revelada, que permeia o consciente coletivo. Uma verdade seguida antes de qualquer questionamento sobre sua racionalidade ou relevância perante a ordem social. 
       Apesar do movimento de racionalização dos últimos séculos, é evidente que a “solidariedade mecânica” não se manteve apenas na pré-modernidade, as verdades “absolutas” da religião ainda permeiam o contexto social. Fatos que apenas dizem respeito à liberdade pessoal como a legalidade da prática de aborto de fetos sem viabilidade, o reconhecimento da união homoafetiva e também o recente reconhecimento de união estável poliafetiva em Tupã-SP, ainda recebem por grande parte da população enormes críticas e condenações embasadas na subjetividade do Ordenamento Divino.
      É evidente que a verdade pretensamente universal do Cristianismo invade a liberdade daquele que nem ao menos acredita nos pressupostos religiosos. É evidente que os dogmas cristãos tolhem enormes possibilidades práticas de progresso e emancipação individual e social. Que a velha cartilha de etiqueta de 2000 anos prende o coletivo a tradição que em prática já fracassou, tudo em favor do subjetivismo da “puritana” consciência coletiva que trará a vindoura salvação daquele que a segue. 
      O tolhimento do direito de escolha não pode se justificar em um absolutismo espiritual, os preceitos cristãos não podem ser impostos à aqueles que simplesmente não se identificam com eles, é imprescindível que o homem tome seu rumo de maneira livre, seja entregando a entidades espirituais ou não, que as escolhas sejam de cada um, que não haja interferência por questões majoritárias de crença.



Solidariedade capitalista


  Durkheim pode ser considerado um dos fundadores da Sociologia. Ele quem, com maior vigor, afirmou o caráter científico e específico do conhecimento sociológico. Percebe-se nitidamente no pensamento do autor influências positivistas, de Comte, e a marca mais importante em sua compreensão, o coletivismo metodológico.
  O coletivismo metodológico, que propõe que a forma ideal para compreender a vida social seja a partir das coletividades, sob a influência positivista, está refletido na importante noção de fato social do autor, em resposta aos anseios de objetividade e de filtração do conhecimento sociológico.
  Já a consciência coletiva é o psicológico do corpo social, é a representação de um contrato invisível entre os membros. Percebe-se então dois lados da mesma moeda: um da consciência particular e outro da coletiva, ambas funcionando de modo contraditório, uma vez que a segunda prevalece sobre a primeira, produzindo um conflito interno nos membros que se opõem às imposições desta.
  O conflito advém quando um ou mais indivíduos se recusam a agir segundo o que está pré-estabelecido, sobretudo se há uma lei ou regra que determine, limite ou proíba certas manifestações, em tais casos, ou o indivíduo aceita a consciência coletiva como sua e a reproduz, ou sofrerá sansões sendo cobrado, privado ou até mesmo excluído e sedo posto à margem social.
  É através delas, coercitivamente, que a sociedade industrial e sua divisão do trabalho se forma. Durkheim pensa na sociedade como um corpo vivo e em funcionamento e tal qual um organismo vivo em algum momento ela nasce, se desenvolve e padece.
Pensar na divisão do trabalho sob a ótica durkheimiana nos remete à reflexão sobre solidariedade em dois aspectos: o da solidariedade mecânica e da solidariedade orgânica que estão em um desenvolvimento inversamente proporcional.
  A sociedade acredita e incorpora a solidariedade orgânica como algo promissor e revolucionário que atribui aos indivíduos papeis de privilégio e destaque na sociedade acreditando que a mudança seria benéfica, mas não conseguem compreender que nesse caso o que não é beneficiado, é muito desfavorecido.
  A passagem de solidariedades, da mecânica para a solidariedade orgânica, é à base da compreensão da formação capitalista social e é através do conceito de solidariedade orgânica que o autor desempenha sua função de teórico das elites, cunhando uma consciência otimista em relação ao novo procedimento que individualizaria não só os bens de produção, mas também os seus métodos.