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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

O direito como uma lógica ética e universal

 

Pierre Bordieu foi responsável por influenciar o entendimento do campo jurídico e suas configurações. Para o pensador, o espaço social é um espaço multidimensional, em que há diferentes campos sociais, relativamente autônomos, mas que são subordinados entre si – visto que as relações humanas sejam pautadas nas distinções funcionais. Ademais, o homem é predisposto a determinadas escolhas, de acordo com seus habitus – condição de classe do homem que é influenciada pelos diversos campos que ele ocupa e vaga ao longo da vida.

Ainda para Bordieu, o Campo Jurídico especifica duas lógicas determinadas: a lei e a doutrina, que, somadas a literatura científica e as jurisprudência, compõem e delimitam o espaço dos possíveis. Sob essa perspectiva, entende-se que o direito não transforma-se por si mesmo, como se fosse independente de influências externas, mas sim tem sua hermenêutica condicionada segundo o espaço dos possíveis.

Para uma compreensão prática do chamado Espaço dos Possíveis, realiza-se o estudo da ADPF 54. O documento é um julgado que discute sobre a possibilidade ou não da realização do aborto em casos de anencefalia do feto. Assim, ressalta-se a presença de dois espaços: aquele em que há a possibilidade de interromper a gravidez e aquele espaço em que tal interrupção não é possível. Bordieu é um pensador que defende o direito como uma junção lógica da ciência com a moral, sendo assim universalmente ético.Todavia, dentro do espaço dos possíveis diferentes habitus se manifestam: primeiro, um mais conservador e religioso contrário ao aborto, julgando-o como um desrespeito a vida e vontade divina. Já o outro habitus, classificado como progressista, o qual valoriza a decisão da mulher sobre seu próprio corpo, dando a ela capacidade de decisão – ao mesmo tempo em que não se nomeia o ato como um ato abortivo, mas sim como uma antecipação da gravidez terapêutica, visto a raridade de sobrevivência do feto nesse caso.

 Após votado, foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia do feto. Os argumentos vitoriosos foram pautados na laicidade, em dados científicos e na moral, o que reafirma a noção de Bordieu de que o direito é a união lógica da ciência com a moral, sendo assim universalmente ético. A validade de tais argumentos e a ideologia defendida por Bordieu podem ser comprovadas na realidade vivida em outras países em que o aborto não é criminalizado.


Mirella Bernardi Vechiato - Direito Matutino 

ADPF 54 e Bourdieu

Pierre Bourdieu foi um importante sociólogo francês do século XX, responsável por trabalhos que influenciaram não somente no seu ramo de conhecimento, como também em diversas outras áreas relacionadas à sociedade. Intelectual, Bourdieu foi responsável por desenvolver uma série de obras acerca da humanidade, bem como sua forma de se organizar, os vínculos criados entre seus indivíduos e, sobretudo, as formas de dominação que uns exercem sobre os outros. 

 Entre suas produções, algumas que já valem ser citadas, visando uma melhor compreensão da construção futura deste texto, são as de “Campo”, “Capital”, “Poder Simbólico”, “Habitus”. Os Campos são áreas internas do espaço social, relativamente autônomos entre si, com características determinantes próprias a cada um; Capital,  para além da concepção tradicional, indica recursos de qualquer natureza, utilizados pelos indivíduos, dentro destes campos, para valer-se, hierarquicamente; Poder simbólico é relação de dominação existente entre os indivíduos de um determinado campo, ou entre os campos, pautado no controle do capital respectivo e, por fim Habitus, que tanto indica um conhecimento, obtido por influência de determinado campo, como também uma espécie de capital,  responsável por conduzir as ações e interesses de um indivíduo ou grupo, a partir do interesse daqueles que o detém.

 Já apresentados, estas noções são primordiais para a análise jurídica de Bourdieu, utilizada aqui para o estudo da  ADPF 54. Documento oriundo de uma ação organizada pela CNTS ( Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde), a Arguição previa a possibilidade de aborto envolvendo fetos anencefálicos, isto é, uma condição medica onde há  "Uma má formação rara do tubo neural, causada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária"

Formalizada em 17 de junho de 2004, foi julgada 8 anos depois, sendo votada por 10 dos 11 ministros do STF vigentes naquele momento, com apenas o ministro Dias Toffoli declarando impedimento de votação, sob  o argumento de que, enquanto o mesmo estava no cargo de Advogado-Geral da União, havia  dec larado apoio à proposta de interrupção. Com tudo isso, houve a votação e, por 8 votos a 2, a decisão foi favorável à ADPF 54.

Bastante polêmica, essa questão se enquadra perfeitamente num conflito do que Bourdieu chama de " Espaço dos Possíveis", que seria tudo que engloba o âmbito jurídico,  determinando  o que seria "possível" ou não para o Direito, como universo. Isso porque, neste caso, foi muito forte a presença de duas principais frentes de pensamento: uma, de caráter conservador, influenciada por um Habitus religioso e contrário à medidas consideradas "contrárias à ordem e aos preceitos Divinos", e outra, de forte viés progressista, influenciada por outro Habitus, que vê o direito da mulher sob seu próprio corpo como superior e que, portanto, deveria valer aquilo que a mesma quisesse. 

Ainda nessa frente, vê-se uma clara intenção, na parte dos argumentos conservadores, de fazer valer o "Poder Simbólico" que estes possuiriam, por serem aqueles mantidos pelas classes dominantes, por longo tempo,  tanto no âmbito jurídico quanto, e principalmente, no social. Isso, no entanto, iria contra o que o próprio Bourdieu entende como a verdadeira função do Direito, a qual não deveria se curvar ao instrumentalismo( direito como instrumento de controle da classe dominante, com relação aos demais indivíduos e grupos da sociedade, e validada por seu "Capital", econômico e simbólico) ou ao formalismo ( direito devendo ser uma entidade e força autônoma, sem sofrer com influências dos interesses e pressões sociais; critica a visão Kantiana de Direito) 

Com tudo o que foi apresentado aqui, fica nítida a importância que tal decisão teve, não só para esta, como também para váriasoutras decisões, futuras, que visem buscar mais direitos e proteção à grupos menos favorecidos e constantemente oprimidos, não só num campo específico, como o econômico ( o próprio Bourdieu entende isto, criticando o marxismo de caráter mais estrutural, que via esta como a única forma de dominação), mas em vários, como o sexual, o racial, entre outros.


Aluno: Bernardo Rodrigues Daneluzzi Moretto - 1⁰ Ano Direito( Diurno)