O caso Pinheirinho e o pensamento marxista.
Marx e o Direito.
Marx e o Direito.
Desde a ‘Questão Judaica’, quando
ainda não estavam definidas as bases da dialética marxista, Marx já denunciava
a irrealidade da Constituição, o fato dela constituir uma idealização quando
premissa fundadora do Estado capitalista. A perspectiva do Estado como um ente
que uniformiza as relações sociais a partir das premissas de uma determinada
classe é ponto essencial na crítica de Marx. “O Estado político comporta-se
espiritualmente para a sociedade civil da mesma forma que o paraíso para a
terra” (A questão judaica, página 355)
Citando
o Prof. Dr. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima “Não se trata de afirmar que a condição
econômica é sozinha a causa ativa de tudo e, no mais, o resto possui apenas um
efeito passivo. É, precisamente, a alternância dos efeitos sobre o fundamento
da contínua necessidade econômica a se realizar, em última instância. Não se
trata de, como se deseja aqui e acolá e de forma confortável, afirmar o efeito
automático da economia, mas os homens fazem a sua própria história, porém num
dado e condicionado Milieu” (Em: http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt2/sessao1/Martonio_Lima.pdf ) . Entretanto, diferente de outros autores, Marx não
teorizou o Direito, ele apenas estudou o fenômeno jurídico dentro de outras perspectivas
mais amplas. Por isso, Marx não é muito bem quisto por teóricos do Direito, uma
vez que além de crítico ferrenho do Direito, seus escritos são poucos
substanciais nessa área.
O caso Pinheirinho: como a justiça
estabeleceu o domínio de uma prerrogativa constitucional sobre a outra.
Versa a Constituição Brasileira:
Pró-reclamante.
Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos: inc.
III - a dignidade da pessoa humana;
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: inc. XXIII - a propriedade atenderá a sua
função social;
Art.
6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Pró-proprietário.
Art.
5º, inc. XXII - é garantido o direito de propriedade;
É
preciso aludir, antes de prosseguir a arguição, que embora o marxismo condenasse
o Direito como perspectiva de uma classe, a história não se fez como previu
Marx. As pressões por direitos não geraram o colapso do capitalismo: o sistema
se reinventou. Essa análise é própria dos teóricos neomarxistas da Escola de
Frankfurt e é ainda em larga medida utilizada para explicar a falha no
diagnóstico marxista de que o capitalismo convulsionaria em sucessivas crises. Assim,
o sistema sobreviveu por concessões. O Estado de Bem-estar social é o Estado do
capitalismo amenizado, fenômeno próprio e inerente ao breve século XX. É
próprio desse fenômeno do Estado social a segunda dimensão dos Direitos
Humanos, a perspectiva do Estado como ativo em prol da igualdade social. É
desse contexto que foi gerado o art. 6º, ou seja, os direitos sociais presentes
na constituição de 88.
Esse
fato é essencial, pois, por uma análise histórica, percebe-se que a segunda
dimensão de Direitos não está abaixo nem acima da primeira, a dos direitos
individuais ou civis. Desta feita, não há sentido em estabelecer uma norma
sobre a outra, até porque existe uma hierarquia de ordenamentos sim, mas
estamos falando somente de normas constitucionais.
O
juiz encontra ferramentas para decidir em caso de conflito de normas. Por mais
que os autores do positivismo jurídico queiram fazer crer que a norma é
soberana, os diferentes caminhos escolhidos pelos magistrados são fruto de uma
percepção ideológica. E são advindos, igualmente, da prática observável. Ou
seja, embora as duas vertentes de normas sejam fundantes do Estado, não há no
Brasil o efetivo direito a moradia, mas há, claramente, o direito a propriedade
privada. Os operadores do Direito, embora talvez não conscientemente, estão de
alguma forma sabidos da forma como a Constituição se firmou no Brasil e como
ela não foi capaz de alterar a realidade secular brasileira. E aplicam as
normas também porque sabem que nem todos são iguais perante a lei e que as
pressões sofridas pelos mesmos, quando se alinham a grupos menos favorecidos,
podem ser fatais para suas pretensões de carreira.
A
decisão de indeferir os pedidos de acesso ao terreno por parte de centenas de
moradores, em prol da massa falida do Sr. Naji Nahas é uma decisão que reforça
o que Marx dizia sobre o Direito. O idealismo de Hegel falhou porque pensou que
as ideias moldariam o mundo. O que Marx atentou, e que é a base da sua
dialética, é que o mundo molda as ideias. O fato da Constituição falar sobre
direito à moradia não quer dizer que na prática o judiciário se posicionará em
prol dos menos favorecidos, mesmo que tenha elementos legais para tanto.
A
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB 2010, diz claramente no
seu artigo 5º que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum”. Diz o comentador Gustavo Ferraz de
Campos Mônaco, livre-docente pela FDUSP, que “o direito, na qualidade de
fenômeno cultural, exprime os valores de determinada sociedade, em determinada
época. Diante de vários valores possíveis, o Direito elege, por meio de órgãos competentes
para tal escolha, aqueles valores que quer ver protegidos, seguidos,
respeitados pelos membros do grupo social, inclusive pelos juízes no processo
de aplicação da norma jurídica” (CC Comentado - Editora Manole, 2013).
Entretanto,
mesmo a Lei de Introdução se constituindo como um conjunto de normas
norteadoras da interpretação do Direito Brasileiro, os juízes de primeira e
segunda instância ignoraram suas disposições ou a interpretaram de maneira
bastante duvidosa para sustentar a remoção das famílias.
A
reclamação da ADMDS.
A
reclamação da ADMDS tem como elemento mais interessante à essa discussão a
exposição dos fatos: São José dos Campos, mesmo sendo um dos municípios mais
ricos do Brasil, possui um déficit habitacional de 30 mil moradias. Também é
notório que os removidos não teriam como encontrar outro abrigo, uma vez que o
valor pago para aluguel é irrisório. Além disso, qualquer sujeito minimante
informado sabe que a Polícia Militar paulista é uma das mais violentas do mundo
e a remoção seria certamente problemática, o que prova que os juízes não
cumpriram as premissas de aterem-se aos resultados práticos de suas decisões,
flutuando suas consciências apenas na prerrogativa idealista e parcial de umas
poucas normas.
A
perspectiva dos reclamantes da ADMDS coaduna-se com a perspectiva marxista: “Para
que não restem dúvidas acerca da violação de normas procedimentais, aponta-se
agora a existência de procedimentos para situações do gênero. Adota-se na presente
reclamação uma forma que descreve a realidade (o ser) para então se discutir a
norma (o dever-ser).” Ou seja, os reclamantes partem do real para discutir a
norma, não pretendem dominar a realidade pelo idealismo normativo. Isso
demonstra que a norma pela norma é um princípio frágil e perpetuador do Direito
como ideologia burguesa.
Conclusão
Concluindo, o direito tem avançado no sentido de absorver os tensionamentos sociais, numa clara demonstração de poder de determinados grupos, o que prova que a prática é essencial para o avanço das demandas sociais. Se o capitalismo não convulsionou em crises reiteradas, ainda assim, são casos como Pinheirinho que demonstram que o direito mudou, mas a mentalidade de seus aplicadores ainda parece estar atrelada a uma dada perspectiva de classe. Para além, Marx, se não é suficiente para explicar tudo, traz contribuições interessantes para o campo jurídico que demonstram que muitas vezes o Direito mais se assemelha a um véu que se assenta sobre realidades muito discrepantes.
Victor Abdala de Toledo Piza - 1o ano DIREITO NOTURNO.