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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Pra não dizer que não falei das flores - e dos espinhos.

Sob a perspectiva de Boaventura de Sousa Santos, a indagação sobre a possibilidade de o direito ser uma ferramenta emancipatória apenas pode ser respondida positivamente se tomarmos o Direito como alternativa. 
Tal ideia de alternativa pressupõe a existência de outros caminhos e possibilidades, mas reflitamos sobre o direito como a mais plausível e legítima ao tomar a decisão sobre a ADPF 186, apontando a suposta inconstitucionalidade das políticas afirmativas adotadas pioneiramente pela UnB.
O prisma em questão têm como vértices relações e ideologias de desigualdade, ausência e certa descrença. Há também seus opostos; a busca pela igualdade (de fato), a presença, a atuação e a esperança no campo regulativo. 
Comecemos pela descrença. 
Descrença essa alimentada pela indiferença de outros campos sociais sobre o assunto, varrido sob o tapete de um eterno "não é problema meu"; a inclusão "de fachada", nutrida pela falaciosa democracia racial. O preconceito velado, a negação de um espaço tido como direito, mas afastado pela impossibilidade de desfrutá-lo. Tudo nos leva à percepção de que marcas trazidas por mazelas passadas não foram superadas completa e naturalmente como alguns afirmam. 
Afinal, o que resta ao olhar ao redor e em nada se ver? O que resta ao perceber a ausência de seus semelhantes, a ausência de sua cor, de sua representação? Sejamos diretos: o que resta à criança ao não encontrar nenhum exemplo no qual se inspirar, apenas exceções, precedidas pelo garrafal APESAR DE negro, pardo, índio...? 
A descrença aí se instaura. O sentimento de não pertencimento não se restringe aos portões das universidades - embora seja esse o questionamento -, mas nos mais diversos ambientes e "degraus" de reconhecimento.
Frente à isso, o que resta? Resta o direito. Não o direito positivamente tido como mantenedor da ordem, do status quo.Mas o direito, nos termos de Boaventura, como alternativa à revolução.
Eis o cume a se desbravar para que outros repitam os passos no caminho à emancipação: a luta não como forma de fuga ou destruição das engrenagens sociais (contrariando o que alguns apontariam como caos, ou pior, segregacionismo semelhante ao hitleriano) mas sim como modo de reconstrução de ideais defasados, revitalização de princípios restritos a teoria, principalmente, objetivando a inclusão.
Garantir? Sim. Como? Descobriremos ao tentarmos.
Há sim, um caminho tortuoso a se percorrer na trilha do direito e da regulação. Há espinhos e fortificações maiores do que se enxerga envolvendo a sociedade civil íntima, a tida como "civilizada". Mas, maior que tudo isso, há a descrença muito professada e revestida pelo desânimo geral.

Falemos, sim, dos espinhos que o direito insiste em perpetuar, mas não esqueçamos de falar das flores que ainda podem vir do mesmo terreno, se desbravado.


Rúbia Bragança Pimenta Arouca
1º ano Direito diurno

Narrativas de exclusão, o direito e a discussão de cotas raciais no contexto brasileiro.



Ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 186, o Supremo Tribunal Federal reconheceu não só a constitucionalidade das cotas raciais nas universidades e cargos públicos ou privados, mas também o papel do Estado na desconstrução de uma narrativa excludente.
É interessante notar a convergência da regulação e emancipação do Direito, ao mesmo tempo em que há um embate de narrativas. Como dizem Fabiana Luci Oliveira e Virgínia F. da Silva, em especial no que tange os discursos em julgados, “Nas narrativas estão contidas representações sociais e estas exprimem realidades coletivas, são coisas sociais e produto do pensamento coletivo”¹, assim, esse embate de narrativas é fruto da heterogeneidade dos grupos sociais, e é saudável para o Direito que exista, de modo a acarretar em sínteses melhor adequadas, elaboradas, ou eficazes para o problema enfrentado.
            Ainda, no que se refere aos discursos empregados, é importante notar o viés de negação do problema racial em alguns trechos da ADPF, chegando a afirmar “[...] que, no Brasil, ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro [...]”², fato demostrado em inúmeras pesquisas, livros e discussões sobre o assunto, inserindo essa narrativa no chamado “mito da democracia racial”, já que, apesar de não ter havido discriminação legislativa na maior parte do país, a situação de desvantagem de negros em relação a brancos no imaginário coletivo foi construído e mantido por séculos em reportagens, conversas, discussões, donde se vê até hoje seus efeitos (baixa representatividade de pessoas negras em cargos de alto prestígio social, maior taxa de encarceramento, salário menor em relação a colegas brancos que desempenham uma mesma função, etc) – é mítico acreditar que esses efeitos negativos numa camada especifica da população se deve a diversos outros fatores menos da condição racial. Lembrando, porém, que raça é apenas um recurso metodológico utilizado nessas discussões, já que não encontra respaldo científico, apenas social (é uma ferramenta demonstrada de exclusão social, que, no contexto brasileiro, se construiu com base em fenótipos, ou seja, na aparência externa do indivíduo, estabelecendo uma pigmentocracia entre a população – aqueles de pele mais clara e traços mais caucasianos, como nariz fino, lábios pequenos, cabelos lisos, etc., têm melhor inserção social do que aqueles com traços diversos, ainda que dentro da mesma camada econômico-social, que para Boaventura de Sousa Santos poderia ser identificado como um problema pré-contratualista, já que é prometido, no discurso cotidiano, ascensão social a todos os grupos que se esforçarem, não importando sua cor de pele, gênero, orientação sexual, condição física ou mental.
            Outro problema identificável nas narrativas contrárias à implementação de cotas raciais é a dificuldade em lidar com uma possível existência de medidas imediatistas e paliativas e medidas que pudessem inserir todos num mesmo patamar de oportunidades. Quanto a isso, os ministros do STF identificaram importância e oportunidade de implementação da discussão nos círculos sociais quando há implementação de políticas de ação afirmativa, tornando o problema da exclusão social mais palpável, realista, alcançável, já que camadas populacionais que outrora não teriam tanto contato entre si poderão construir essas narrativas em conjunto.
            Por fim, no âmbito legalista, como primeiranista não considero ter referenciais suficientes para entrar nesse mérito, me restringindo a lembrar que a legislação brasileira já possuí, além de fundamentos constitucionais para a existência de ações afirmativas (como interpretado no julgamento da ADPF 186, por exemplo) e tratados internacionais por nós retificados, legislação ordinária tratando do tema (lei 12.711/2012), a ser revisada em 2022, conforme a mesma, concluindo que, ainda que não realize pretensões de grupos diversos a implementação das chamadas cotas raciais, o Estado Brasileiro atualmente as adota, tendo assumido compromissos internacionalmente para combater o preconceito racial no país, podendo essas medidas serem interpretadas como um modo de combate, utilizando o direito para correção de desigualdades.

- Tatiane E. Lima, 1º ano de Direito - Matutino

¹ OLIVEIRA, Fabiana Luci; SILVA, V. F.. “Processos judiciais como fonte de dados: poder e interpretação”. Sociologias (UFRGS. Impresso), RS, p. 251, 2005.
² ADPF 186/2009, fls. 28.

Entre Fossos, Anzóis e Peixes

O contrato social, assim como o Direito, pela óptica de Boaventura de Sousa Santos, é uma produção de regulação e controle social, busca manter um certo status quo que agrade a classe que o produz, a classe que está por trás da ideologia fundante dessa realidade. Dessa forma, as classes menos favorecidas no quesito econômico e de inserção social se encontram desfavorecidas nesse contrato social, sendo seu meio de resposta e emancipação as lutas sociais, tal como a segurança de um salário mínimo e férias remuneradas. Isto é, a busca por um intersecção entre regulação (proveniente do direito preestabelecido) e emancipação (dada pelas lutas sociais das classes desfavorecidas no contrato vigente), bem como traz o referido autor em seu texto “Poderá o Direito Ser Emancipatório?”.
Ainda apoiado na exposição de Boaventura, tem-se a manifestação do fascismo social, ou seja, uma dominação explícita de um grupo sobre o outro, cria verdadeiros “castelos neofeudais” em que há um enorme fosso impedindo o transito e intercambio entre esses grupos. Esse fosso materialmente pode ser pequeno, não ultrapassando o limite de poucos quilômetros, mas quando se analisa os fatos, essa barreira é intercontinental. Com finalidade elucidativa tem-se o exemplo do Campus da Unesp Franca e o bairro francano Vila Gosuen, ou mais popularmente “Puxa-Faca”, isto é, de um lado um centro de produção a transmissão de conhecimento, de outro um centro de violência e abandono social. Beira a utopia sonhar com a absorção dos jovens residentes desses bairros (jovens em sua maioria negros, estudantes da rede pública e trabalhadores desde uma idade mínima “semi-aceitável”) pela universidade estadual residida em Franca, isto é, falta a esses o chamado capital cultural, falta o incentivo e a representatividade de seus iguais, ou aqueles que eles têm por iguais, dentro da instituição.
Visando sanar essa falta de representatividade universidades brasileiras tomaram a atitude pioneira de estabelecer um programa de cotas para alunos desfavorecidos em relação à ampla concorrência do vestibular, como a cota para o ingresso de negros. Com isso, o Partido Democratas, em 2009, buscou maiores explicações em relação à legitimidade legal desta última estabelecida na Universidade de Brasília, argumentando que tal medida era inconstitucional, contrariando princípios constitucionais, como o da igualdade, ao privilegiar alguns durante o processo seletivo entrou com o pedido ao poder judiciário de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (a qual denominou-se ADPF 186). Após análise do Supremo Tribunal Federal determinou-se que o sistema de cotas é válido e legítimo, uma vez que busca efetivar os direitos de igualdade e cidadania previstos na Constituição Federal de 1988. Tal decisão se torna importante uma vez que empodera todo um seguimento social, dá lugar de fala a quem se encontrava até então calado, dá esperanças de um futuro diferente não só para o jovem que ingressa na universidade com o auxílio de cotas, mas também por todos aqueles que o cerca.
“Não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar” era uma das mais recorrentes argumentações que se fazia quando o intuito era se opor ao programa “Bolsa Família” há cerca de uma década atrás, quando o tema estava em árdua discussão, referindo-se à produção de uma população acomodada que vive nas custas do assistencialismo governamental. Com o programa de cotas, enquanto uma ação afirmativa, ensina-se a pescar, coloca o anzol na vara do cidadão, isto é garante uma especialização profissional e uma bagagem de conhecimentos que propiciará o desenvolvimento social, cultural e econômico do indivíduo em conjunto com seu grupo social. Dessa forma, a população que está de fora do “castelo neofeudal” passa a pescar em seu fosso, a quebrar as muralhas que os mantem de fora, ao mesmo tem em que se emancipam de tudo aquilo que os prendem à uma realidade degradante e em certo ponto inferior. O importante é não parar as lutas com a conquista do sistema de cotas, mas evoluir a educação e as possibilidades garantidas ao amplo público, cotas são uma medida paliativa, a estática desse movimento significa a transmutação desses novos pescadores em peixes, como diz o rapper Criolo “é que o anzol da direita fez a esquerdar virar peixe”, ou seja, permanece, dessa forma, o controle das classes sociais beneficiadas pelo contrato social sobre aquelas que não estavam presentes no momento de sua produção.

Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito Matutino  

Regulação: prisão ou instrumento de mudança social?


Regulação, cárcere sem grades,
Que faz do jurista pássaro preso numa jaula sem cadeados,
Talvez, por simples conformismo ou desesperança,
Assim, o conservadorismo avança, e a emancipação retrocede.
A regulação proporciona-me uma igualdade formal,
Todavia, sabemos que no material é diferente,
Não trata os desiguais em suas desigualdades.
No entanto, quando o jurista se faz pássaro solto, emancipado e liberto,
Lutando pelos ideais de justiça e equidade, tanto propagados na Universidade,
A regulação atinge os antes esquecidos,
As cotas raciais foram finalmente implementadas,
O negro e o índio finalmente adentram o espeço acadêmico,
Produto da regulação do Direito sempre tão julgada,
Fez da isonomia material, minimamente implantada.
No entanto, a dívida histórica ainda não foi sanada,
O racismo persiste e prende Rafael Braga,
Barack Obama é caso isolado, nessa sociedade que mata Luana Barbosa,
Que nós, futuros juristas, lutemos por um Direito emancipatório,
Que preserve vidas e atinja a equidade.

Bruna Maria Modesto Ribeiro, 1 ano, diurno