A socióloga Sara Araújo, em sua obra, Os Primados do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone, nos mostra uma latitude do pensamento hegemônico que é produzido predominantemente nos países do norte do globo terrestre. Já o Sul, representaria tudo aquilo que não é hegemônico dentro dessa concepção eurocêntrica de mundo. Sara nos faz refletir que as noções do Norte e Sul vão além do referencial geográfico, abrangendo as perspectivas epistemológicas, étnico-raciais, de gênero, da sexualidade, de quaisquer expressões que possam representar o não-hegemônico. Para ultrapassarmos essa linha abissal Norte e Sul, do ponto de vista do pensamento, precisamos pensar numa epistemologia do sul que foge à hegemonia eurocêntrica e superar o silêncio que perdura por séculos, que é o silêncio do conhecimento que começa a emergir como uma forma para superar o abismo entre Norte e Sul.
Não há que se falar, obviamente, em teoria pura do direito, como se atreveu Kelsen, na medida em que o Estado, os legisladores e julgadores vivem em sociedade e carregam consigo uma visão de mundo que, naturalmente, influenciará em seus julgamentos. Uma visão de mundo eurocêntrica, que considerou por longos anos pessoas brancas como superior as demais raças, homens brancos como referencial de supremacia humana, está presente na estrutura normativa, refletindo no racismo e machismo estruturado na sociedade. Tendo em vista que o direito inaugurado com a Revolução Francesa é um direito burguês, logo, surgiu com o objetivo de legitimar essa estrutura hegemônica no Norte, que com a Expansão Marítima europeia chegou às terras do Sul projetando esses padrões nas sociedades subjugadas. O direito precisa superar esse silêncio e buscar novas maneiras de pensar o direito, fora dessa concepção hegemônica do Norte. Um exemplo dessa projeção dos países do Norte está na própria indumentária dos advogados, já que o terno foi criado pensado em um clima frio e nós vivemos em um país tropical. Um advogado esta proíbo de participar de audiências trajados de qualquer outra forma que não seja essa do terno e gravata, isso está regulamentado em portaria de todos os tribunais.
Não podemos deixar de mencionar, ainda numa perspectiva do pensamento de Sara Araujo, que o capitalismo é um sistema que reforça essa hegemonia de pensamento dos países do Norte e amplia o abismo existente entre Norte e Sul. Não é raro vermos decisões judiciais respaldadas em fenótipos, como no caso de uma juíza de campinas que considerou um acusado de roubo de “fugir à regra” dos condenados por ter pele, cabelos e olhos claros sugerindo que as pessoas negras são mais propensas ao crime. Em ouro julgado, temos o caso do julgamento da Mariana Ferrer, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, SC, ofendida durante o julgamento pelos advogados do acusado e um promotor afastado por supostamente usar o termo “estupro culposo”, ou seja, quando não existe a intenção de estuprar. Vemos o absurdo desse caso que legitima cultura estupro e torna à mulher culpada pela própria violência sofrida dento dessa estrutura machista. Fica claro que nosso sistema jurídico foi erigido por essa estrutura eurocêntrica que impõe, em suas estruturas capitalistas, sua percepção hegemônica de mundo.
Precisamos buscar alternativas não hegemônicas para fazer ruir essas estruturas desenhadas pelos países do Norte e começarmos a arquitetar nossas próprias estruturas, respaldadas dentro da nossa realidade psicossocial e cultura do Sul e quando possível, fora do sistema capitalista, que transforma tudo que toca em mercadoria, até o direito.
Edson dos Santos Nobre
Direito/Noturno 2º Semestre
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