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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

  

Sara Araújo coloca em termos simples uma realidade complexa. Os termos norte e sul representam muito mais que dois hemisférios. Representam um mundo visível e outro invisível, separados por uma linha abissal. O que Sara faz é mostrar como o hegemônico reage a tudo aquilo que foge do padrão estabelecido por ele. 

Tudo aquilo que é considerado correto fica do lado norte da linha abissal. Ao ultrapassar a barreira abissal temos a epistemologia do sul. Sendo essa, tudo o que é esquecido, invisível ou inaceitável na lógica nortista. Sara ainda diz que a ciência e a jurisdição vão se tornar inimigos do pensamento não hegemônico, já que legitima os limites de comportamento estabelecidos pelo norte. 

É com base nesse raciocínio que o caso da Bienal do Livro no Rio de Janeiro pode ser entendido. A apreensão de obras por apresentarem cenas de homotransexualismo é um verdadeiro epistemicídio. As ideias do sul são sufocadas antes mesmo de se tornarem visíveis. As obras, que por apresentarem cenas que desafiam o sistema, devem ser embaladas e devem advertir seu conteúdo, que estava circulando de “maneira desavisada”. 

Os direitos de liberdade de expressão e acesso à informação são violados na apreensão de livros durante a Bienal. Mas passam despercebidos aos olhos de quem censura, afinal, quem está no sul não possui direitos. A sociedade civil incivil são as verdadeiras vítimas ao não possuírem direito nenhum. Os únicos direitos importantes são aqueles que dizem respeito ao norte, e corroboram com o sistema. É por isso que quem defendeu a apreensão das obras se justifica na defesa da moral familiar, que é supostamente ferida na Bienal. 

Para Sara Araújo, a solução para esse caos, que ignora os direitos de uma minoria maioria da sociedade, é romper a linha abissal. De certo modo, isso aconteceu na medida cautelar apresentada pelo STF. Ao suspender a liminar que determinava o lacre nos livros que tratavam da homotransexualidade, foi dado um passo para romper a barreira que separa o sul do norte. Mesmo o reconhecimento da entidade familiar formada pela união de parceiros do mesmo sexo por alguns dos ministros também é um passo e, direção a abolição dessa linha. No entanto, muito ainda deve ser feito para trazer as pautas do sul ao foco. Apenas dessa forma direitos fundamentais serão providenciados de fato a uma parte rejeitada e invisível da população.


Laura Lopes de Deus Pires
Direito matutino - tuma XXXVIII

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