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domingo, 12 de dezembro de 2021

Direito e raça - Achille Mbembe

 

No 17º Seminário do Lapidando ideias, foi tratada a questão da raça a partir da perspectiva de Achille Mbembe, grande filósofo camaronês. A palestra foi ministrada pelo Professor Doutor Jonas Rafael dos Santos, que expôs os pensamentos e teorias de Mbembe acerca de tópicos como direito e economia, por exemplo, em meio à discussão de raça.

Mbembe debate sobre a decolonialidade, conceito essencial, e se posiciona a favor de um estudo que foge do eurocentrismo, visando explorar novos caminhos críticos e científicos e alcançar novas fronteiras, como o continente africano, este que se faz presente de maneira significativa no compartilhamento de suas visões.

Para Mbembe, o racismo é tecnologia fundamental de dominação, principalmente em meio ao capitalismo imposto. O estudo da valorização do capital e sua interligação com o racismo podem ser analisados no decorrer da história, com um início de opressão que ainda permanece e uma posterior luta por direitos e equidade.

Quando o Direito entra em questão, esta permanente opressão pode ser visualizada através da violência e do encarceramento em massa, por exemplo, que ocorre com a população negra, exposta não só por meio de pesquisas e dados, mas também de forma rotineira e visual, pelas redes sociais, pela televisão ou, lamentavelmente, em sua forma prática, vivenciada por grande parte da população.

Sendo assim, a raça, segundo Mbembe, não passa de uma ficção útil para que o mundo continue a realizar mudanças por meio da destruição e da violência, e ser mantido perante a dominação estabelecida, que utiliza do racismo para manutenção da elitização de tantas áreas importantes para o funcionamento de uma sociedade que deveria agir de forma democrática, como o próprio direito.

Isabella Anjos - 2° Semestre – Direito Diurno

Para o Direito, a questão da raça importa?

A palestra intitulada "A questão da raça em Achille Mbembe", ministrada pelo Professor Jonas Rafael dos Santos, navega pelas ideias do grande pensador camaronês, autor de grandes obras, dentre elas, “Crítica da Razão Negra”. Obra lançada em 2013 que podemos colocar como uma espécie de releitura da obra “Crítica da Razão Pura”, de Immanuel Kant, lançada ao final do século XVIII. Uma palestra riquíssima para estudantes do curso de Direito, mas para aqueles que visam adentrar em questões sociais além das proporcionadas pelo tecnicismo. Uma análise na abordagem sociológica do tema, mas não apenas, já que a reflexão deve partir do âmbito jurídico e nele que nos deparamos com o seguinte questionamento: a questão da raça importa?!

Neste ponto podemos iniciar nossa análise, visto que, o Direito Moderno foi um grande responsável pela reprodução dos ideais coloniais capitalistas e racistas, disseminados pelo mundo através do imperialismo europeu. Uma construção histórica baseada nas relações de poder, que se utiliza do princípio da raça como um  organizador da sociedade capitalista. Na concepção de Mbembe, Raça é o nome dado àquilo que se possui ojeriza, raça é uma ficção útil do racista, aquele que se afirma pelo ódio contra qualquer outra determinação ou forma de sociedade que não julga digna ou um espelho de si. Assim, podemos dizer que a invenção do Negro, como uma raça inferior, foi essencial para a acumulação do capital, ao passo que o Direito foi determinante na formação deste sistema opressor. Aos que foram arrancados do solo africano para desembarcar, escravizados, a serviço do sistema capitalista.

Deste modo, homens e mulheres são esvaziados, transformados em mercadoria em um momento histórico de acumulação do capital, entre os séculos XVI até meados do século XIX. Os marcos para que ocorressem um rompimento no ideal racista em sua forma mais degradante a condição humana, podemos citar a revolução haitiana, fim do trafico de escravos e posteriormente, o desmoronamento do Apartheid na África do Sul. Porém, isso não significa que o Negro deixou de sofrer racismo devido a cor de sua pele, atualmente, no sistema neoliberal que impera sobre nossa sociedade, o ideal racista deixou de possuir apenas atributos biológicos, agora se coloca de modo funcional. Uma funcionalidade que pode ser observada pela incorporação do sistema, transformada por novas designações raciais. Designações estas, que Mbembe chama de Necropolítica, ao qual o Estado Neoliberal se organiza atualmente. 

A partir deste argumento, o autor camaronês cita a Faixa de Gaza como o grande paradigma da Necropolítica. Um sistema de poder que opera sobre os indivíduos, decretando quem vive ou quem morre, espalhando desigualdades e operando um ideal de sociedade, punindo e disseminando preconceitos para qualquer forma de determinação que não seja a hegemônica. Neste ponto, podemos caminhar na forma em que o Direito atua para buscar novas soluções, um longo e árduo processo que exige resignificar a história. Uma luta contra hegemônica para atribuir valores aos quais foram ignorados ou subentendidos por séculos. Se o Direito opera para o sistema, faz-se necessário trabalhar para transformá-lo. Mbembe diz que um dos caminhos passa por dar o protagonismo à África, resignificando sua história, seu povo, aqueles que se desenvolveram lá, ou para os milhões espalhados pelo mundo das diásporas. 

Uma luta global contra o racismo e o modo funcional no qual o sistema neoliberal age sobre todos nós. Por isso, demanda uma abordagem a partir de um triângulo de experiências racistas no mundo ocidental: A brasileira, a americana e o na forma que ocorreu na África do Sul. Só assim, será possível uma luta global e não limitada pela forma americana, atualmente, a mais difundida e exposta como um padrão racista. Tanto, que nosso Direito, muitas vezes apenas reprodutor de outras experiências precisa abandonar a condição de colônia para ditar a regra a partir da nossa realidade, expor a concepção racista de sociedade oriunda do capitalismo que se formou na Europa e criar novas formas independentes acerca da questão em que o racismo estrutural se originou no Brasil. 

Por esses e vários outros argumentos presentes no texto, podemos dizer que, no Direito, a questão de Raça importa, na medida em que toda sociedade se estruturou economicamente e socialmente através destes aspectos e para superá-los devemos dar a atenção necessária ao tema, sem generalizá-lo, sem deixar que o usem para manipular e mantém a sua dominação. Atingir uma nova forma jurídica que possua parâmetros legais que superem tal lógica opressora. Deste modo, a Raça importa até ela deixar de importar, ou seja, até que ela não seja a ferramenta provedora de desigualdades as quais visualizamos por vários séculos.

A raça como fator importante para o Direito

    A questão sobre raça e o direito é muito discutida por Achille Mbembe em sua obra Crítica da razão negra, com uma visão voltada para as epistemologias do Sul, isto é, aquelas que são inviabilizadas pelos conhecimentos hegemônicos (Norte). Nela, ele contempla a genealogia do termo raça, um complexo perverso e gerador de temores e tormentos. Essa não é um fato natural como muitos pensam, mas uma projeção ideológica cuja função é desviar a atenção de conflitos relevantes, uma construção europeia para justificar a superioridade do homem branco e a inferioridade do negro, esta também uma invenção vinda da europa que tem a função de dominação. 

    O capitalismo é um dos precursores dessa visão, dado que sua organização se deu com base na raça na fase de acumulação primitiva de capital, no qual era preciso a subjugação de grupos para ter a legitimação de utilizá-los como objetos e de mostrar a sua inferioridade. Com o neoliberalismo, um novo projeto político e econômico que leva consigo novas tecnologias de dominação, não são apenas aqueles vindos da África que sofrem com esse processo, mas todos que que estiverem na zona de precarização, ampliando para os brancos também, mas não na mesma intensidade.

    Dessa forma, com a construção da nossa sociedade e as origens do sistema que vivemos, a raça importa nas decisões do direito, visto que efeitos e novas tecnologias de dominação são implementadas a todo momento e as epistemologias do Norte ainda dominam nas decisões de diversos tribunais.

    Um julgado que ficou bastante polêmico e é um dos vários exemplos de decisões nos tribunais que avaliam pela raça dos indivíduos, foi o n°0009887-06.2013.8.26.0114 de latrocínio em que a juíza escreve “Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido.”. Com essa fala, percebe-se que o oposto do descrito: pele, olhos e cabelos pretos são o estereótipo padrão de bandido, remetendo que características físicas influenciam nos comportamentos delituosos e que pelo jovem ser branco não teria predisposição para o crime. 

    Esse pensamento também reflete na distribuição de presidiários no Brasil, em que 66,7% do encarcerados são negros, isto é, a cada três presos, dois são negros. O que mostra que decisões como essa ocorrem diversas vezes e que muitas ainda se baseiam na raça dos indivíduos, colocando o branco como um padrão universal e o negro fora do complexo de racionalidade do ser humano, não sendo considerado como um.

    À vista disso, Mbembe explica que é importante que a África se responsabilize pelos negros da diáspora, para que remetam a sua história, que possam sentir orgulho dela e desfrutar de seus benefícios. Dessa forma, com o sistema capitalista em vigência e o neoliberalismo sendo aplicado, a raça importa nas decisões do direito, visto que epistemologias do Norte ainda estão muito presentes e a África continua sendo um lugar em que suas contribuições e presença são tidas como inexistentes.

Referências:

https://www.conjur.com.br/dl/juiza-reu-nao-parece-bandido-branco.pdf

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml

Camila Gimenes Perellon - Matutino


A importância da raça para o Direito

 

A luz da obra Crítica da Razão Negra de Achille Mbembe, o professor Jonas Rafael dos Santos discorre sobre a importância de se ensinar a cultura africana em suas diferentes convergências e divergências na educação basilar no Brasil. Essa linha de pensamento é sustentada pela importância de se dissolver a visão estritamente eurocêntrica que já foi cultivada por muitos anos, assim, desenvolvendo novas gerações miscigenadas capazes de se identificarem e adorem uma visão de maneira mais multidimensional.

Diante dessa perspectiva, evidencia-se a relevância dos processos seletivos dos vestibulares incorporarem literários de cultura africana em suas listas de leituras obrigatórias. A exemplo disso, enfatiza-se a célebre obra Mayombe de Pepetela quem esteve inserido num contexto de liberdade dos movimentos modernistas de 1970 pautados pelo movimento de Negritude e pelo processo de Independência de Angola. Por isso, essa obra inclusive reflete o processo árduo discorrido por Mbembe a respeito da construção das identidades nacionais soberanas africanas essenciais para a consolidação do processo do direito à cidadania, contudo, sem silenciar a diversidade tribal enraizada e tendo como plano de fundo histórico a exploração colonial de subjugação dos países dominadores europeus.

               Ademais, mesmo diante da complexidade que representa se desfazer da visão colonial pautada no racismo, é imprescindível discorrer sobre o conceito de Mbembe a respeito da Necropolítica. Essa ideia representa o poder de ditar quem deve ou não morrer. Em outras palavras, legitima-se que o Estado utilize sua autoridade e discurso para criar zonas de morte com o objetivo de descartar os indivíduos mais vulneráveis da sociedade como os negros.

            Esse conceito pode ser nitidamente observável por meio da violência policial contra a população de origem afrodescendente tanto em âmbito internacional (caso do sufocamento de George Floyd) quanto nacional (assassinato de João Pedro). Na música Capítulo 4, versículo 3, escrita pelo grupo Racionais há a ilustração clara desse cenário:  A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras/ Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros/ A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo”.

Além disso, no que tange a esfera jurídica, nota-se o quanto que o racismo atrelado ao crime permeia a mentalidade de inúmeros funcionários do direito, como por exemplo a juíza Lissandra Reis Ceccon quem proferiu uma sentença em 2018 com a seguinte afirmativa: "Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.

Portanto, verifica-se a pertinência e relevância de muitas ideias desenvolvidas pelo camaronês Achille Mbembe e transmitidas na aula do professor Jonas Rafael, principalmente no que se refere aos pilares fundamentais da educação brasileira que posteriormente também formará agentes do governo como policiais e juristas. Soma-se a isso como o conceito contemporâneo de necropolítica e a violência policial permitem compreender alguns dos percalços que os negros enfrentam de assegurar sua identidade que ultrapassa a mera dominação europeia.

 

Referências bibliográficas:   

https://www.migalhas.com.br/quentes/297368/reu-nao-possui-estereotipo-padrao-de-bandido--possui-pele--olhos-e-cabelos-claros---diz-juiza-de-sp

https://www.letras.mus.br/racionais-mcs/66643/

O direito como instrumento de racialização de grupos étnicos


Por possuir uma relação cíclica com a sociedade, em que ela o elabora e ele a regulamenta, o Direito ao se inserir na lógica capitalista, possui função fundamental como um instrumento dos poderes de dominação na nossa sociedade atual. Assim, à luz do pensamento de Achille Mbembe quando ele afirma que o papel dos poderes contemporâneos é possibilitar a extração que exige uma intensificação da repressão, o campo jurídico se enquadra como um mecanismo facilitador das opressões.

Posto isto, a raça importa para o Direito quando este profere discursos hegemônicos e as decisões tomadas pelos juízes são influenciadas pelo pensamento racista, isto é, conforme Mbembe define, colocar o semelhante como um objeto ameaçador do qual seria necessário se proteger ou simplesmente destruir em virtude de não conseguir dominá-lo inteiramente. Há, evidentemente, a impunidade jurídica para aqueles que não se inserem nos grupos racializados do sistema econômico vigente, segundo um estudo realizado pela Pública na cidade de São Paulo 71% dos pretos acusados pelo Ministério Público foram condenados, frente à 67% dos brancos. 

Além disso, o peso dado aos crimes cometidos são diferentes, enquanto pessoas de pele retinta são taxadas de traficantes quando portam quantidades ínfimas de drogas ilícitas, indivíduos brancos são apenas “usuários”, mesmo que a quantidade não seja a caracterizada para uso próprio. A essa realidade deve-se levar em conta a necessidade de subjugar os povos racializados para legitimar a suposta superioridade de determinados grupos, principalmente aqueles que se caracterizam com os saberes hegemônicos.

Portanto, a pauta da raça no Direito tem essencial importância, visto que este, por ser permeado pela hegemonia branca, ocidental e falocêntrica, possibilita que as diversas opressões sejam fundamentadas pelo discurso jurídico, mesmo que se coloque como uma área neutra da sociedade. Sendo assim, para que se rompa a dinâmica de opressão, as lutas e os saberes contra hegemônicos devem ocupar o espaço jurídico, dar a este um novo ponto vista, daqueles que foram racializados.


Referência:

 DOMENICI, Thiago; BARCELOS, Iuri - Negros são os mais condenados por tráfico e com menos drogas apreendidas - 07/05/2019 ; Disponível em: https://exame.com/brasil/negros-sao-mais-condenados-por-trafico-e-com-menos-drogas-em-sao-paulo/ ; Acesso: 12/12/2021

Sim. Para o Direito, raça importa.

    Historicamente, o termo “raça” foi empregado para dividir os seres humanos em diferentes classes de poder, de modo que foi estabelecido um cenário hierárquico no qual os chamados “brancos” são considerados representantes de um modelo civilizatório ideal, enquanto os chamados “negros” são taxados como inferiores. Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, considera a ideia de “raça” como uma ficção útil e uma projeção ideológica, a qual é utilizada para legitimar a exploração e submissão de povos não europeus.

A noção de raça permite que se representem as humanidades não europeias como se fossem um ser menor, o reflexo pobre do homem ideal de quem estavam separadas por um intervalo de tempo intransponível, uma diferença praticamente insuperável. Falar delas é, antes de mais, assinalar uma ausência – a ausência do mesmo – ou ainda uma presença segunda, a de monstros e fósseis. (MBEMBE, 2014)


    Nesse cenário, considerando as ideias do sociólogo francês Pierre Bordieu, a branquitude, enquanto grupo dominante, impõe a definição do mundo social conforme seus interesses, de modo a garantir a manutenção desse sistema de dominação. Isso se dá por meio do poder simbólico conferido aos indivíduos brancos, os quais ocupam as principais posições de autoridade na organização da sociedade. O campo jurídico não é exceção: os juízes e juristas, responsáveis por determinar os rumos do Direito, contribuem, uma vez que majoritariamente brancos, para a perpetuação da estrutura racista do mundo social.

    Um exemplo disso é o caso ocorrido em 2020 no Paraná, em que uma juíza – branca – condenou um homem preto a catorze anos de prisão devido à cor de sua pele. Na sentença constava que o réu era “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. Com isso, é evidente o uso da noção de raça pelo Direito para condenar indivíduos não brancos, retirando-lhes o aspecto humano e taxando-os como criminosos natos. Em relação a isso, Mbembe afirma: “A raça é o meio pelo qual os reificamos e, baseados nessa reificação, nos transformamos em senhores, decidindo desde logo sobre o seu destino, de maneira que não sejamos obrigados a dar qualquer justificação”.

    Sendo assim, nota-se que, para o Direito, raça importa. A criação e perpetuação de tal conceito fictício está relacionada justamente a uma lógica de poder e exploração, na qual, por meio dessa ideologia, as pessoas não brancas são reificadas. Nesse contexto, o Direito é um dos muitos instrumentos utilizados pelo grupo dominante – no caso, os brancos – para exercer seu poder e impor seus interesses frente a sociedade.


Referências:


BOURDIEU, P. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

MBEMBE, A. “Crítica da razão negra”. Lisboa: Antígona, 2014.

UOL. Juíza diz que homem negro é criminoso "em razão de sua raça" e o condena. São Paulo: 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/12/sentenca-de-cunho-racista.htm. Acesso em: 12 dez 2021. 


Johann Plath - Direito Matutino

A QUESTÃO DA RAÇA EM FACE DO DIREITO: COMO O RACISMO SE MANISFESTA E É SUSTENTADO PELO DIREITO NO BRASIL

 

Para o Direito, a questão da raça importa?

Este é um questionamento realmente interessante e muito importante para ser pensado e debatido, já que, aplicando-se uma visão racializada ao Direito, podemos alcançar novos entendimentos e mudar conceitos antigos, formados com base em apenas partes de um todo que é estranho à maioria. Afinal, existe um multiverso que abarca vários universos individuais, mas ao mesmo tempo interligados, dos quais alguns foram ainda pouco explorados pelos teóricos (como é o caso da raça), mas que podem ser identificados em qualquer área, como por exemplo, no Direito.

Mas, para desenvolver a relação que há entre Direito e raça, e responder à questão colocada, é preciso desenvolver este universo da raça e entender o porquê de ele ser desconsiderado por tantos por tanto tempo. E para isso, vamos utilizar um autor que não ignorou as questões da raça em sua produção, o camaronês professor de história e de ciências políticas, Achille Mbembe.

A primeira coisa a se dizer sobre o trabalho de Mbembe é que, segundo ele, a raça é algo criado, uma ficção útil à certo fim, o da dominação. E o que motivou a divisão de humanos em raças humanas foi o sistema capitalista, que sempre se baseou na supressão e na opressão de certos indivíduos, sem os quais não se sustentaria, uma vez que depende da exploração de sua força de trabalho para gerar riqueza. Mas essa divisão em raças não faz sentido senão dentro da sociedade humana capitalista, já que não é natural e não existe em outra espécie qualquer. No reino animal, mesmo os indivíduos que possuem características distintas – como pelagem de cor diferente - não são segregados, e nem considerados como de outra raça.

E o que mantém o sistema funcionando e as estruturas como elas são é, em grande parte, o Direito que acaba por ser não uma ferramenta de mudança social e busca da justiça, mas um mecanismo de manutenção do racismo. É triste saber disso, mas o Direito teve – ao lado da religião, especialmente a igreja católica – papel fundamental no apagamento das pessoas negras, de construí-los como “não-pessoas” vindas de um “não-lugar”, onde não há cultura e todos são bárbaros e dependentes do homem branco para avançar. Aceitou e trabalhou para que pessoas negras fossem escravizadas e trocadas como mercadoria. No Brasil, manteve a escravidão por três séculos, e quando deu fim a ela, abandonou as pessoas escravizadas a sua própria sorte, e se manifesta hoje em favor do racismo criando mecanismos como a diferenciação entre racismo (inafiançável e imprescritível) e injúria racial (afiançável e prescritível).

Portanto, sim, para o Direito, a questão da raça importa. Mas infelizmente não é da forma que gostaríamos, lutando contra o racismo e promovendo a igualdade aos indivíduos, sem distingui-los por coisas criadas para justamente gerar desigualdade. E não só no Direito vemos a questão racial se destacar de forma negativa, existe uma necropolítica em outras estruturas do Estado. Racializando situações, enxergamos o racismo e a opressão do negro em todas os lugares e esferas da sociedade, em todos os períodos da história do nosso país.

 

Rodrigo Beloti de Morais

1º Ano - Noturno

O Direito como eco das questões raciais

   

   “Queremos ser livres, fazer a nossa vontade, e a todo o momento arranjamos desculpas para reprimir os nossos desejos“. A frase retirada do romance Mayombe do angolano Pepetela exemplifica fielmente como o racismo encontra-se intrínseco à toda sociedade. Isso, pois, tal preconceito encontra-se sobretudo enraizado no ideário dos próprios negros, os quais, por serem subalternizados durante séculos, acabam por reprimir suas vontades até mesmo inconscientemente, como reflexo da violência até hoje sofrida. Acerca da questão de raça, a palestra apresentada pelo Prof. Dr. Jonas Rafael dos Santos à luz dos pensamentos do intelectual camaronês Achille Mbembe levanta o debate se, para o direito, a questão racial importa?

    Consoante Achille Mbembe, racismo é uma construção histórica a partir de uma relação de poder, que sempre teve como objetivo a subjugação de grupos racializados devido a necessidade de legitimação da superioridade de um grupo em relação a outros. Segundo essa análise, o conceito de raça torna-se o princípio organizador de todo o sistema capitalista, sendo este último dividido em 3 fases, segundo Mbembe. A priori, durante o capitalismo primário a questão racial baseou-se na necessidade de justificativa para a dominação dos povos europeus sobre os negros africanos. É nesse período que o termo “negro” é elaborado pelos brancos, como forma de internalizar a inferioridade do povo africano - que nesse momento era comercializado e escravizado em massa para à América -, já que o capitalismo sempre precisou de subsídios raciais para explorar recursos do planeta. Em suma, o conceito de “raça” não existe enquanto fato natural ou genético, não passando de uma ficção útil criada pelos europeus como projeto civilizatório para justificar a superioridade do homem branco em detrimento ao homem negro. 

    Passados séculos, com a ascensão do sistema neoliberal, as questões raciais em meio ao capitalismo atual ganham novas formas. Nesse ínterim, o Estado neoliberal se instrumentaliza através da necropolítica, a política da “morte”, objetivando criar sempre um inimigo - tal qual os Estados Unidos contra os povos do Oriente médio após o atentado de 11 de setembro. As estratégias de guerra, que antes eram utilizadas no continente africano no contexto de dominação de tais povos, hoje são vistas, por exemplo, nas favelas do Rio de Janeiro, seja por meio do abandono do Estado em relação às políticas públicas de inclusão ou diretamente na presença violenta. Assim, hodiernamente presencia-se uma violência sistêmica contra os negros, que reflete diretamemte nos tribunais.

     Portanto, estando a questão racial intrínseca à formação do sistema desde seus primórdios, pode-se afirmar que, no direito, a temática racial importa sim. A construção histórica do racismo encontra-se atrelada diretamente aos tribunais, sendo provada através de dados, já que, segundo o IBGE, a população encarcerada negra é a maior, correspondendo a 66% do total. Ademais, a violência do Estado perante às “regiões de zoneamento”, isso é, “o não lugar que habita o não ser - negros e pobres” segundo Mbembe, é evidente não só no dia-a-dia brasileiro, como no de todo o mundo. A violência estatal, fruto na necropolítica supracitada, é evidente em massacres como no complexo de favelas do Jacarezinho no Rio de Janeiro, que causou o genocídio de 30 inocentes ou na morte do norte americano George Floyd pela polícia. Logo, o sistema judiciário não passa de um reflexo da sociedade em que está inserido, escancarando inúmeras vezes as injustiças e falhas de uma sociedade até hoje  racista.


Beatriz Ferraz Gorgatti - 1° ano direito matutino 

 

A questão da raça para o Direito

Para compreender a questão racial dentro do direito, é preciso fazer uma análise histórica, retomando o início do capitalismo e, consequentemente, o início da exploração de africanos.

A construção do racismo ao longo dos séculos deu-se pela criação de um sistema de poder no qual grupos racionalizados sempre eram explorados por outros que se consideravam superiores. Sendo assim, o negro era visto como objeto, como se fosse apenas mais um produto do capitalismo.

Dessa forma, o racismo foi tornando-se fundamental para a estruturação desse sistema econômico baseado no capital. Conforme cita Achille Mbembe, o negro se tornou signo do não-ser e a África se tornou o não-lugar, demonstrando um afastamento aos povos de origem africana, com a ideia de repúdio.

Trazendo essa questão para o aspecto jurídico, uma pesquisa realizada em 2019 evidenciou que, na época, 66,7% da população carcerária era negra, ou seja, para cada não negro preso no Brasil, dois negros foram presos. Isso demonstra como, apesar das políticas públicas contra o racismo e a escravidão ter sido abolida há 133 anos, para o direito, infelizmente, até hoje é determinante a cor e a condição social das pessoas.

Esse processo de encarceramento em massa da população afrodescendente é retratado no documentário “13ª emenda”, que explora como essa condição é imposta pela classe dominante, que exerce o direito, com fundamento de branquear a sociedade de forma não óbvia, aprofundando as raízes do racismo estrutural em países com histórico severo de escravidão.

Dessa forma, uma das melhores maneiras de fazer com que tais ideais sejam menos difundidos é a partir de professores ensinando para os alunos a história dos africanos ainda na África, com a sua organização e a lógica do continente, tirando, aos poucos, aquele imaginário europeu já enraizado na educação acerca da vida dos africanos antes da América.

Bruna Pereira Aguirre - XXXVIII - Matutino

A RAÇA E O DIREITO

O direito é uma figura muito emblemática e sempre ocupou um papel central nas sociedades humanas. Foi o fundamentador de muitas atrocidades, como o nazismo, o fascismo e a escravidão. Partindo desse último evento, que marcou e marcará eternamente a história do planeta, afinal, racismo é uma construção história fundada na necessidade de sobreposição de um grupo sobre outro, resta uma dúvida em aberto: a questão da raça faz diferença para o direito?

Pensando que o direito é uma ciência social aplicada, não existe forma melhor de responder essa questão que não explicitando aqui uma situação real. Em 2019 uma notícia chamava a atenção, era o caso da Sra. Eliane. Ela visitava o filho preso da Fundação Casa quando foi presa e condenada por tráfico de drogas, as quais ela transportava porque o filho estava sofrendo ameaças dentro da instituição. O mais curioso é a quantidade que ela possuía, cerca de 1,4g de maconha, o tamanho de um sachê de sal. No entanto, segundo o juiz, como ela estava grávida de 9 meses, precisava ser presa para “repensar seu comportamento”. Qual o diferencial dela frente a inúmeras apreensões desse tipo? Ela é uma mulher preta, pobre e marginalizada.

A questão da raça, naquele sentido citado pelo Prof. Dr. Jonas Rafael dos Santos, como algo determinado em um contexto neoliberal, sem vínculo estrito com a origem étnica, é peça fundamental no direito. Hoje em dia, a maioria das pessoas no presidio são pretos e, principalmente, marginalizados, pessoas sem oportunidades.

Conforme o palestrante, raça não existe como fato natural, é uma construção fantasmagórica, é uma construção social, é um projeto de opressão que possibilita que os opressores oprimissem os oprimidos. Essa construção é faz com que milhares de Elianas sejam aprisionadas diariamente, fruto de um judiciário racista, com sentenças mergulhadas em ódio, o puro suco do sistema neoliberal no qual o Brasil está inserido; bem como advém de diversas aberturas legais que deixam na mão de um sistema totalmente falho a possibilidade de determinar o que é crime e o que não é.

Portanto, é impossível falar de Direito sem falar da posição da raça e do racismo, duas figuras protagonistas de diversas pautas no mundo contemporâneo e que ganharam destaque nos últimos anos, vide caso do BlackLivesMatter que cresceu com a morte do George Floyd. A realidade é que, seguindo a linha do professor Jonas, nós vivemos na era do Capitalismo Extrativista e os poderes têm a função de fundamentar isso, permitindo a invasão dos corpos e das mentes, por isso a ideia de raça e racismo ganham tanta força, são originários desse sistema desprezível. A mudança exige tempo e ações, como criar um orgulho da África e mostrar que aquele não é um continente vazio como a escravização e o eurocentrismo fez parecer, o tempo de transformação é o agora.

GABRIEL RIGONATO - NOTURNO - TURMA 38 




O homem e a mulher invisíveis

Hoje acordei com MAIS UMA notícia de que MAIS UM corpo negro havia sido eliminado. A notícia teve pouca repercussão, horas depois as pessoas já falavam sobre o aumento no preço da gasolina e sobre como o preço do dólar vem aumentando. É, negro morrendo não é novidade. Nós estamos acostumados com a produção da morte, mas não é sobre qualquer morte, é sobre a morte do corpo negro. Esse corpo negro que foi eliminado (e quase ninguém – até mesmo o Direito – se importa com isso) deixou uma filha. Essa menina, de apenas 7 anos, crescerá se perguntando o motivo de seu pai, árduo trabalhador, ter tido sua vida ceifada. 

Quando fui ao mercado na mesma tarde do acontecido, vi algumas pessoas conversando sobre e uma delas disse: “Nossa, mas eu entendo a atitude dos policiais. Vai saber se esse sujeito não ia fazer alguma coisa né?! Nunca se sabe, olha só para sua origens”. No momento em que ouvi aquilo era como se a pessoa estivesse falando latim, essa frase (se é que pode ser chamada de frase) proferida pela pessoa não fazia nada de sentido pra mim (assim como o latim). Era totalmente incompreensível. A única coisa que surgiu no meu pensamento foi: “Pois é, Karnal não estava equivocado quando mencionou que o racismo é um pleno sinal de limitação intelectual do ser humano”. 

Fui embora muito atordoada e sem compreender como um indivíduo poderia pensar dessa maneira. Cheguei a me questionar se a pessoa era algum ser extraterreste que conseguia prever o futuro. Só assim para se ter tamanha certeza de que um sujeito negro (e somente por ser negro) poderia cometer um ato delituoso. Depois da intensa perturbação, pude entender o motivo desse indivíduo pensar como pensa - o processo de normatização da morte dos corpos negros é um projeto bem-sucedido. O mundo não só reproduz a morte do corpo negro, mas se relaciona tranquilamente com ela.

Bom, lastimavelmente, não é um raciocínio incompreensível (eu gostaria que fosse, pois, sendo incompreensível talvez não fizesse sentido para ninguém manter). Podemos dizer que o capitalismo sempre necessitou de um discurso de inferioridade de raças para poder dominar o restante do mundo. A questão de raça não passa de uma ficção útil ao capitalismo. Racismo é uma tecnologia de poder.  Raça é uma construção realizada pelos europeus como forma de “justificar” o processo de dominação realizada durante anos e que ainda ocorre nos tempos atuais (mesmo que de forma indireta e não tão perceptível como no Imperialismo). 

Achille Mbembe, autor africano e negro, menciona sobre “A crítica da razão negra”. De acordo com os escritos de Mbembe, a partir da modernidade, a racionalidade negra vem sendo compreendida como a não-existência, o não-ser, o não-pensamento, o não-lugar. Vem sendo compreendida como tudo o que remete à animalidade ao invés de humanidade. Essa “razão negra” é um discurso produzido pelo ocidente, pelo homem branco. A morte do corpo negro não é um acidente, não é por acaso. A morte do corpo negro é um projeto capitalista, é um projeto de muitos Estados. A morte do corpo negro é um dos mecanismos de dominação existentes. 

    Todas essas análises me deixaram ainda mais atordoada. Quando cheguei na aula de Direitos Humanos da faculdade eu não conseguia entender como o Direito não se importava com tudo isso. Não é novidade para ninguém que todos temos direitos fundamentais previstos internacionalmente em tratados jurídicos importantes. Mas como ainda prevalece essa lógica de que existem corpos que são matáveis? Como existem corpos que estão expostos à absoluta matabilidade? Como existem corpos em que sua inteira existência é reduzida a uma vida despojada de todo direito? Entenda – O RACISMO É UMA TECNOLOGIA DE PODER. É UMA TÉCNICA DE DOMINAÇÃO FUNDAMENTAL PARA CONTROLAR O CAPITAL. 

O Direito não se preocupa com a questão de raças, pois na maioria das vezes, as leis e o Direito são feitos para as classes dominantes, e o Estado é utilizado como meio político e econômico para que essa classe consiga inserir seus interesses na estrutura social. É com pesar que afirmo que vivemos em uma estrutura na qual o Estado serve de manutenção para os interesses de uma classe dominante. Com o desenvolvimento do Estado contemporâneo, pode-se perceber o estabelecimento de certos processos de dominação. Entenda – não existe política sem a implementação de certos mecanismos de dominação. 

A partir dessa perspectiva, podemos perceber como o termo cunhado por Mbembe – Necropolítica – é extremamente importante para a compreensão das estruturas postas e da percepção de que a questão de raças não interessa ao Direito. Segundo o autor, esse conceito descreve como, nas sociedades capitalistas, o Estado define quem deve viver e quem deve morrer – é uma política da morte. Ademais, o Estado de emergência e o Estado de exceção são constantemente utilizados como forma de legitimar a suspensão de direitos daqueles rotulados como inimigos (sabemos que o corpo negro é, muitas vezes, visto como inimigo). 

Se o Direito é um meio utilizado (quase que sempre) pelas estruturas dominantes e convencionais para concretizarem os seus interesses, é mais do que claro que não interessa aos dominantes debater sobre a condição dos dominados. Ademais, para se construir uma base teórica mais concreta e visível acerca de como o Direito não se importa com a questão de raças, basta a realização de análises de dados. A música brilhante de Racionais MC’s evidência bem isso ao mencionar que “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoa mortas pela polícia, três são negras. Nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos são negros. A cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo”. Os dados são claros, basta observarmos. 

No entanto, não podemos permitir que essa condição se mantenha, temos que lutar pela sobrevivência da HUMANIDADE (e o corpo negro faz parte disso). Devemos sair do ensino eurocêntrico e convencional. Devemos lutar todos os dias para que os direitos positivados (direito à vida, à liberdade, à igualdade) sejam de fato postos em prática para todos os indivíduos. Devemos lutar para romper com a estrutura que está posta para segregar, para deixar o negro distante. Temos que lutar pela transformação do aspecto simbólico em aspecto prático. Bom, espero que amanhã eu possa acordar com uma notícia de que a justiça foi feita e de que os culpados foram responsabilizados. Esse desejo pode ser plena utopia, tendo em vista que todo mundo pode matar um corpo negro sem cometer homicídio. Mas, ainda não esperanças.


Livia Gomes 
Turma XXXVIII
Noturno


Necropolítica: o imperialismo racial

     Durante o século XIX, a procura por novos mercados consumidores para os produtos europeus resultaram no período histórico denominado imperialismo. Este, por sua vez, fomentou a exploração europeia sobre o continente africano, uma vez que através da ciência o homem branco justificava o seu domínio sobre os negros, afirmando que estes representavam uma espécie menos civilizada e desenvolvida. Dessa forma, é perceptível, ao longo desse contexto, a criação de uma ideologia falaciosa acerca do que é ser negro.

    Seguindo essa lógica, Achille Mbembe em sua obra, "Crítica da razão negra", argumenta que o conceito de raça não passa de uma ficção útil cuja função é desviar a atenção de conflitos mais verossímeis. Pensando nisso, a definição de toda a população africana em apenas um termo seria um modo de alterar o foco da intensa dominação branca sobre estes povos, permitindo a existência dessa relação de poder entre senhor e escravo. A saber que a figura do negro não existe, ela é produzida por um vínculo social de submissão e um corpo de exploração.

    Diante disso, na palestra ministrada pelo Dr. Jonas Rafael dos Santos sobre esse assunto, há a menção de que o racismo é uma construção histórica, o qual demonstra, evidentemente, a hierarquia social de cada indivíduo. Esse processo construtivo, portanto, possui seu alicerce no capitalismo, o qual intensificou os métodos exploratórios entre as pessoas, almejando alcançar o lucro máximo. Sendo assim, a figura do negro expressa o maior inimigo criado pelo Estado neoliberal, o qual oprime estes seres humanos marginalizados tanto socialmente, quanto economicamente por meio da necropolítica.

    Em suma, a questão da raça importa para o direito, visto que o ordenamento jurídico pode ser uma forma de mitigar ou, até mesmo, anular os efeitos da necropolítica, a qual elimina, diariamente, a população que mais necessita de auxílio e proteção do Estado. Com isso, o direito surge como instrumento para romper a construção pejorativa do "ser negro" e, com isso, eliminar a elevada repressão estatal sobre tais indivíduos.

Bruno Solon Viana - Direito Matutino

Raça e Direito: Intrinsecamente ligados

 

  O Direito, de acordo com Bourdieu, retira das estruturas de poder internas a linguagem na qual seus conflitos se expressam. Seguindo tal conceituação, é possível analisar que durante a evolução do Direito do século XV ao XIX, essa instituição foi utilizada como meio pelo qual a dominação, a escravidão e o racismo puderam ser racionalizados e justificados no continente europeu.

  Baseado nessa concepção de poder através do direito, os europeus desenvolveram seu pensamento mais execrado, o de que os negros, habitantes do continente africanos não eram seres humanos dignos de respeito, a lógica do não-ser vivendo em um não-lugar. Assim, partindo dessa premissa, os europeus conseguiram se apropriar do Direito para regular todos os tramites capitalistas possíveis (Relações de compra e venda de escravos, objetificação do negro, entre outros) para que a maior acumulação de riqueza fosse viável no contexto colonialista da época.

  Achille Mbembe, filósofo político camaronês, procura realizar uma análise dialética da história da raça no mundo capitalista e sua relação com o Direito. Para isso, visualizou a que a própria concepção de raça não passa de uma ficção fantasmagórica construída pelos europeus para servir como base para o seu sistema capitalista em plena ascensão.

  Assim, o panorama da relação existente entre Direito e raça demonstra que estão intrinsecamente ligados, uma vez que, na modernidade, foi devido às justificativas e amparos legais, que surgiu o conceito de raça. Visto isso, Mbembe continua a analisar o desenvolvimento dessa relação, passando pelo momento terrível do Apartheid na África do Sul e do racismo institucionalizado nos Estados Unidos até chegar ao momento atual.

  O mundo contemporâneo trouxe mudanças drásticas nessa questão, de modo que, com a ascensão do sistema Neoliberalista, o conceito de raça transcendeu a cor da pele. Chegando a abarcar as relações existentes na economia de mercado, transpondo a lógica colonialista de exploração daquele considerado inferior. Faz-se imprescindível, portanto, que essa íntima relação entre direito e raça se modifique até o ponto de exterminar essa ficção de que existe uma diferença e uma hierarquia baseada na cor da pele.

A raça no contexto jurídico

    No filme “Os sete de Chicago”, na verdade existiam oito julgados. O oitavo acusado era Bobby Seale, militante negro dos Panteras Negras, que mais tarde acabou sendo retirado do caso e julgado separadamente, mas durante todo o filme é mostrado situações absurdas pelas quais ele passou durante um julgamento permeado pelo racismo, como sendo o único que estava preso durante o andamento do caso, entrou algemado na sala do tribunal, não estava presente durante o protesto tratado, não teve como representante seu advogado de escolha por estar doente na época e não lhe foi concedido o adiamento do julgamento. Apesar do filme retratar o julgamento que ocorreu nos Estados Unidos em 1968, é possível perceber uma série de caracteristicas opressivas relacionados ao direito e a raça.

    Segundo Achille Mbembe, em seu livro “Crítica da Razão Negra” e exposta pelo Dr. Jonas Rafael dos Santos, o racismo é uma construção histórica baseada em relações de poder, uma tecnologia política para legitimar a superioridade de um grupo em relação ao outro, fundamentada na questão do capital. Em consonância a isso, existe o conceito de efabulação, uma ideia de fábula, uma ficção feita pelo poder hegemônico, que seria útil para manutenção desse sistema opressor e que criou essa ideia de raça, de objetificação do homem negro, um “não ser”, assim como os efeitos disso, tanto na questão da desigualdade econômica tanto no contexto jurídico, ocorrendo um alterocídio, que seria um assassinato da diferença, uma negação da humanidade do outro.

    Nesse sentido, pode-se dizer que o direito é um instrumento para a manutenção do racismo, e ajuda nessa efabulação da raça. Durante diferentes contextos históricos utilizava-se do sistema jurídico para consolidar práticas abomináveis contra a população negra, como durante o período da Escravidão e sua perpetuação que foi apoiado pelo jurídico, que ao mesmo tempo exterminava com qualquer tipo de direito civil que se pudesse pensar e fundamentava sua comercialização como se fossem objetos, até os dias atuais, no qual é possível perceber todo esse histórico por meio do racismo estrutural e da marginalização desses indivíduos, que se faz presente na forma como os negros são tratados dentro do sistema jurídico, seja pela pouca quantidade de estagiários e advogados negros, ou pela grande quantidade de negros no sistema penitenciário, além das implícitas formas de racismo dentro do tribunal.

    Assim, é importante o estudo decolonial para entender que o direito é sim uma ferramenta opressiva se continuar nesse molde hegemônico ocidental, e se faz importante ações para que isso mude e ele se torne um enfrentamento contra essas práticas que machucam os grupos vulneráveis, como ampliar a atuação de defensores públicos para essa parcela da sociedade, caracterizar a injúria racial como crime de racismo, entre outras ações plurais que abandonem essa razão branca vigente durante tanto tempo e efetivem direitos e políticas públicas igualitárias.

Lívia Maria M. Bonifácio, turma XXXVIII, matutino

A intensificação do racismo pelo direito

 

Achille Mbembe em seu livro “Crítica da razão negra” demonstra que o racismo ainda não foi superado, o termo raça, utilizado para segregar grupos de etnias diferentes da europeia, visa desvalorizar aqueles que não são europeus, tornando-os como desumanos e inferiores. O direito intensifica o racismo, uma vez que torna o negro invisível aos olhos da justiça, a escravidão é um exemplo disso, visto que o direito legitimava as relações escravistas. Nesse sentido, vemos como o direito colaborou na estruturação da divisão entre os “seres”, protegidos pela lei, e os “não seres”, que são tratados como objetos, ou seja, não são assegurados pela legislação.

Na atualidade, vemos muitos casos que o direito escolhe a “raça” que vai proteger e a que vai tratar com indiferença, muitos julgamentos que basta a cor da pele para definir a sentença, não importando qual o delito cometido. O caso de um jovem negro, Jhonny Ítalo da Silva, que foi algemado na moto em movimento de um Policial Militar, é um exemplo que pode ser dado para explicar se a questão da raça importa ou não para o direito. O abuso de cargo do PM, não foi considerado ilegal pela Juíza do caso, ela afirmou que não houve irregularidades na prisão em flagrante, desse modo, Jhonny se torna mais um dos inúmeros negros que não são amparados pela lei.

 Fora este caso, vemos diariamente como o direito julga baseando-se no critério da raça, Ágatha Felix, menina de 08 anos que morreu no meio de uma operação policial no Complexo do Alemão, Kauã Rozário, menino de 11 anos baleado durante um confronto entre PMs e suspeitos e Jenifer Gomes, criança de 11 anos que foi morta com um tiro no peito são vítimas desse sistema de justiça que enquadra os negros como “não seres”, sendo tratados como coisas, pois nem mesmo a idade impediu o acontecimento dessa crueldade.

Dessa maneira, vemos que a questão da raça é um critério de decisão para o direito, que casos que parecem ser de séculos atrás, na realidade são da atualidade e enquanto o campo jurídico continuar a normalizar os absurdos cometidos contra a população negra, não haverá justiça. Portanto, cabe ao direito passar por uma reforma, que transforme a opressão em luta contra o racismo, sendo o movimento “vidas negras importam”, que foi viabilizado pela morte de George Floyd, de extrema importância na luta por essa reforma.

Julia Piva - Noturno

Para o direito, a questão da raça importa?


Na palestra do professor e doutor Jonas Rafael dos Santos, ele afirma que Achille Mbembe entende a raça como geradora de tormentos e temores. Não obstante, o direito encontra-se atormentado por essa lógica racial e, sendo assim, sofre uma influência notória.

Juridicamente, conferir o status de sujeito de direito ao negro era algo imaterial durante o sistema escravista e colonial. Após seu fim, ele foi colocado em um espectro abstrato de igualdade de um direito branco universal. Na atualidade, quando analisado o sistema carcerário brasileiro, os dados do Anuário de Segurança Pública afirmam que a proporção de negros nas prisões cresceu 14% em um período de 15 anos, ao passo que a de brancos caiu 19%, sendo que, de cada três presos, dois são negros. Destarte, essa igualdade é meramente utópica. O encarceramento brasileiro tem cor e, dessa maneira, o direito também. 

Desse modo, a questão do racismo é notória e extremamente presente. Quantas não são as manchetes que tratam indivíduos negros como traficantes e brancos, que cometem a mesma infração, são caraterizados de diversas maneiras, exceto com tal termo? Sendo assim, é necessário discutir os direitos dessa população fora da perspectiva desse direito branco universal de igualdade imaterial. 

Portanto, dado que o Brasil é um país historicamente escravista, o qual não realizou a integração do negro de forma devida na sociedade, os reflexos em todos os setores são percebidos. Posto isso, o direito não foge dessa perspectiva racial, uma vez que, assim como entendido por Mbembe, a raça é o princípio organizador da sociedade e a base para seu entendimento.

    Anna Beatriz Hashioka- Direito diurno

A importância da raça para o direito

        A palestra do professor Dr. Jonas Rafael dos Santos, centrada na obra de Achille mbembe, traz a tona uma questão extremamente relevante para o direito: A raça importa ao direito? E quanto? Acredito que sim. Pois assim como as diversas condições sociais importam ao direito, não poderia ser diferente com a raça, que consigo traz diversas vivências, particularidades e circunstâncias próprias a ela.

        Somente poderia ser irrelevante a questão racial ao direito numa sociedade absolutamente horizontal entre as raças, onde não houvesse qualquer desigualdade entre elas. Porém não é o caso da sociedade brasileira. As diversas etnias tem suas diferentes formações históricas no contexto brasileiro e estas particularidades tem grande influência na colocação social de cada uma delas dentro do contexto brasileiro, o que inevitavelmente impõe ao direito a apreciação destes diferentes contextos. Como exemplo pode ser citado O artigo 58, inciso III, da Lei n.º 6001/1973, que proíbe o provimento de bebidas alcoólicas para indígenas não integrados. 

        Ainda que o foco desta lei sejam os indígenas "não integrados", não é clara a dissociação desta desintegração com a sua condição racial, afinal, como o balconista de um bar poderia medir o grau de integração de uma pessoa de feições indígenas que lhe peça uma garrafa de cerveja? Outro exemplo é a posição do negro na sociedade brasileira. Por mais de 300 anos este conjunto de etnias foi a composição majoritária do sistema escravista brasileiro, ainda hoje se apresentam traços destas injustiças passadas nas vidas dessas pessoas que o direito deve considerar sob o risco de se tornar um "anti-direito", um instrumento de dupla vitimização. 

        Portanto se faz claro que o papel da raça no direito existe e é tão fundamental quanto as demais condições sociais das pessoas que sejam relevantes para as ações nas quais o direito se envolve. Considerá-la é fundamental para a aplicação justa da lei na subjetividade dos casos que são abordados e, portanto, fundamental para o fim último do direito, a justiça.

Rafael C M Martinelli    Direito Noturno/2o sem

A raça e a construção de direitos em Mbembe

 A questão do racismo foi e é, ainda hoje, uma questão central para a sociedade mundial. Milton Santos, em uma das poucas vezes que discorreu sobre a questão do negro, enfatizou que a mobilização da sociedade em relação ao racismo é realizada a partir de uma perspectiva emocional, faz-se necessário um processo de conscientização da população quanto ao racismo, pois é uma questão que engloba a todos. Em comunhão com essa ideia, Achille Mbembe propõe a construção de uma coalização de combate ao racismo, uma vez que ele seria uma construção histórica a partir da legitimação da superioridade de determinados grupos em relação a outros racializados. Ainda, o historiador defende a ideia de que vivemos na era do capitalismo extrativista, onde o homem é o recurso a ser extraído, através da extração, perfuração de corpos e mentes sob a ótica do liberalismo, passando a refletir em suas obras o mundo a partir da África como centro do mundo, inovando a perspectiva eurocêntrica até então vigente.

Mbembe parte das formulações de pensadores europeus, africanos e americanos para construir seu próprio pensamento, se apropriado de conceitos como biopolítica e biopoder, entendendo o racismo como uma tecnologia de dominação fundamental para organizar o capital, com origens no século XV, a partir da chegada de Colombo nas Américas. Ele divide a Modernidade em três momentos: a acumulação primitiva do capital, entre os séculos XV e XIX, caraterizada por rede de tráfico de homens e mulheres transformadas em mercadorias e moedas de troca; as revoltas do final do século XIX até finais do século XX, com destaque para o processo de independência do Haiti e o processo de descolonização africana; e por fim, no século XXI, com a globalização dos mercados e da economia mundial com o advento do neoliberalismo, trazendo o conceito do devir-negro do mundo.

Para ele, o negro foi uma invenção dos europeus com a intenção de legitimar a dominação, pois o capitalismo sempre precisou de subsídios raciais para dominar o planeta. A escravidão foi o único complexo servil hemisférico que transformou as pessoas de origem africana em mercadorias, sendo o negro o protótipo desse processo. Mbembe não há defende que não há como dissociar os termos negro e raça, definindo raça como a representação primária geradora de terror e sofrimento, não existindo enquanto fato social, físico, antropológico ou genético, não passando de uma ficção útil, uma construção ideológica com fins de desviar a atenção de conflitos considerados mais genuínos como luta de classes ou de gênero. Nesse contexto, o negro se tornou um signo do não ser e a África o signo de um não lugar. Essa invenção do negro foi fundamental para o processo de acumulação de riquezas e do controle do trabalho subordinando, permitindo também inovações cruciais nas áreas de transporte, produção, comercialização e seguros.

O racista, na sua perspectiva, seria a pessoa que se afirma pelo ódio, construindo o outro não como seu semelhante, mas como objeto ameaçador e do qual deveria se defender ou destruir, visto que não conseguiria dominá-lo totalmente. Assim, o escravo negro se revela através da história como um sujeito plástico, submetido a um processo de transformação por meio da destruição, se desgarrando, através do tempo, da condição do escravo, buscando um caminho de orientação para o futuro. Com o neoliberalismo, o conceito de raça sofreu mutação, transcendendo a questão da pele e da cor, e passando a configurar uma dinâmica além da exploração, transformando o racismo de algo biológico para multidimensional, tornando o termo negro uma denominação para todo aquele em condição de precarização devido à nova fase do capitalismo mundial, com destaque para a circulação de pessoas entre fronteiras.

Para Mbembe, episódios como o assassinato de George Floyd e tantos outros de extrema violência contra negros, privando-os de seus direitos básicos, não são acidentes e sim reflexo da violência vivida por países que passaram pela experiência do plantation, que vivenciaram os horrores do período escravocrata, como Brasil, Estados Unidos e Caribe. Ele ainda defende que enquanto a África não for autossuficiente, se responsabilizando também pelos negros da diáspora, não será possível combater efetivamente o racismo no mundo. Nesse sentido, é possível deduzir que os negros não poderão desfrutar os benefícios de serem seres humanos plenos, detentores de direitos concretos, sem uma comunidade, uma coalização para vencer esse status e tornar o continente africano uma referência para os negros, sendo motivo de orgulho, através da reformulação do ensino e da educação de sua história e sua cultura em nível mundial, reconstruindo uma nova África. É necessário extrair e triangular as experiências sobre racismo, para não se ter um discurso unilateral, para que as garantias fundamentais se façam presentes a todos e não a determinados grupos e círculos sociais.

(Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno)

A RAÇA, A NECROPOLÍTICA E A DOMINAÇÃO DOS CORPOS PELO BIOPODER

 A raça, segundo o filósofo Achille Mbembe, é um mecanismo de disciplinamento dos corpos que passa pelo registro da violência e permanece, mesmo com a abolição da escravidão (no caso de países historicamente escravocratas), como uma estrutura de dominação. No caso do Brasil, com quase 400 anos de escravidão, o horizonte colonial continua. O conceito de Mbembe sobre necropolítica também se relaciona com a temática da raça e as suas formas de dominação (através do direito, por exemplo). Isso, pois o biopoder, ou seja, a soberania do direito de matar (de entes estatais ou privados regulados pelo direito) leva a uma destruição material de corpos. E quais corpos são esses? Aqueles corpos descartáveis na visão daqueles com o biopoder, e essa descartabilidade pode ser entendida através do conceito de raça.

A questão da raça em Mbembe é abordada em diversas obras, dentre elas a mais relevante "Crítica da razão negra", e, assim, o racismo é colocado como uma questão à todos. O autor defende que o racismo é multidimensional e a raça é uma construção fantasmática para um uso ideológico que coloca o negro como um "não ser" e a África como um "não lugar". Achille dita que a construção da modernidade perpassa pela raça e, na atualidade, o neoliberalismo mudou esse conceito. Isso, pois hoje o ser luta para ser explorado, o ser contemporâneo quer estar dentro do sistema neoliberal porque, se não tiver, ele vai adentrar para a descartabilidade da necropolítica. Atualmente, os corpos dominados pelo biopoder são considerados humanos, ou podemos dizer que são verdadeiros mortos-vivos, apenas esperando a sua hora?

Vitor Raffaini Gheralde     1 ano      Dir.Matutino   

PARA O DIREITO, A QUESTÃO DA RAÇA IMPORTA?

Segundo Sara Araujo, o “direito moderno eurocêntrico é um instrumento poderoso de reprodução do colonialismo, promovendo exclusões abissais e circunscrevendo o horizonte de possiblidades à narrativa linear do progresso” (ARAÚJO, 2016, p. 88). Logo, o direito moderno, como produto do ocidente, mostra-se racista à medida que utiliza da raça como parâmetro de diferenciação entre os que “merecem” proteção legal e os que devem ser “combatidos” como inimigos.

Primeiro é importante entender o que significa “raça” e quais as consequências dessa conceituação. O termo raça, invenção europeia, foi designado para agrupar etnias, povos e nações não europeias (MBEMBE, p. 39) e as colocar no lado do invisível. Mbembe complementa dizendo que “a noção de raça permite que se representem as humanidades não europeias como se fossem um se menor” (MBEMBE, p. 39). E o direito moderno apenas afirmou tal posição. Como exemplo disso tem-se a escravidão, fenômeno que foi estruturado pelo direito, isto é, o direito estruturou a compra e a venda, os direitos do senhor sobre o escravo, as formas de castigo, dentre outros pontos. Portanto, nota-se que o direito serviu como instrumento racista, pois promoveu a divisão da sociedade entre os “seres humanos”, os quais possuíam direitos, e os “não seres”, os quais, por serem “inferiores”, deveriam ser tratados como coisas.

Na atualidade, contudo, tal questão ainda se mostra pertinente, servindo a raça como parâmetro para a separação dos brancos e dos não brancos. Assim, o direito reproduz o racismo sistêmico, intensificado pelo colonialismo em virtude desta política de dominação desenvolver-se a partir da afirmação da inferioridade do outro. Em outras palavras, o direito moderno se desenvolveu juntamente com a promoção do racismo pelo colonialismo, o que resultou em um direito racista por si só. Achille Mbembe afirma que “o Negro é representado como protótipo de uma figura pré-humana incapaz de superar a sua animalidade” (MBEMBE, p. 39). Logo, o direito nasce reproduzindo tal visão ao colocar no lado do invisível aqueles que não se enquadravam no estereotipo europeu.

Essa exclusão promovida pelo colonialismo e reproduzida pelo direito é exemplificada em vários casos quase que cotidianos no Brasil. Tem se como exemplo as guerras travadas pelos agentes do direito nas favelas do Rio de Janeiro, local, como dito pelo Prof. Dr. Jonas Rafael dos Santos, vistos como um “não lugar que habita o não ser (negro e pobre)”. Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a suspensão dessas operações durante a pandemia, ocorreu um massacre, em 2021, no Jacarezinho, favela do Rio de Janeiro, onde as vítimas, em sua maioria, eram negras.

Portanto, nota-se que a raça importa para o direito como parâmetro diferenciador, isto é, aqueles que se enquadram nos parâmetros europeus tem tratamento privilegiado, enquanto os não europeus, os não-seres, são excluídos e exterminados.

Bibliografia

ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o

cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.o 43, set/dez 2016.

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.