Boaventura
de Sousa Santos aborda o direito com a seguinte questão: seria ele
emancipatório? À luz dessa indagação, pode-se analisar a
implementação do sistema de cotas raciais nas universidades, tanto
na visão dos que o apoiam, quanto dos que se opõem a ele.
O
contexto histórico a que o autor se refere é o da transição, em
âmbito global, para o sistema econômico neoliberal, o qual, também
influiu nas áreas sociais e políticas. Isso porque, o século XX
principiou a imersão mundial em uma dialética: regulação x
emancipação (forma x superação da forma). O sistema de cotas (e
todas as ações afirmativas), nesse sentido, seriam parte do desejo
de emancipação, utilizando do direito – que anteriormente fora
mero mantenedor do status quo – para distender a forma e incluir no
contrato social as minorias, ou aqueles que se encontram à margem da
sociedade “regulada”.
No
entanto, cabe aqui uma ressalva: muitos indivíduos rechaçam a
política de cotas, embalsamados pelo pensamento neoliberal,
conectados diretamente à – na verdade falha – meritocracia.
Esses, acreditam que todos são responsáveis por sua própria
manutenção na sociedade, taxando e hostilizando os que não se
mostram flexíveis o suficiente para acompanhar as velozes mudanças
no eixo social. Um pensamento, afinal, com nítidas semelhanças ao
darwinismo social, e que, desconsidera, no caso das cotas, a
famigerada – porém real – dívida histórica com os negros. Essa
veracidade da dívida é justificada da seguinte forma: mesmo após a
abolição da escravidão, o negro não foi incluído completamente
na sociedade brasileira, sendo até hoje alvo de preconceito e posto
geralmente em posição econômica e social inferior à dos brancos.
E se certas pessoas negam a dívida, ao menos a existência do
preconceito, nem mesmo o ser mais neoliberal pode negar.
Ademais,
não somente a dívida histórica e o preconceito latente justificam
o sistema de cotas. A ilusão da meritocracia é outro fator (já
mencionado) e pode ser comprovada quando, no espaço neoliberal, os
negros (e as outras minorias) concorrem com classes privilegiadas no
processo do vestibular, sendo que, a formação educacional daqueles
é notoriamente inferior à desses. Assim, e atrelado ao fato da
sociedade ser permanentemente instável, como afirma Boaventura,
devem existir políticas para oferecer oportunidades de integrar,
heterogeneizar todos os espaços sociais do país.
A
visão de uma sociedade, cada vez mais plural, é meta firmada de
diversos governos, tanto no âmbito nacional, quanto em tratados
internacionais. Portanto, a presença de minorias nas universidades
faz-se essencial para que, com o tempo, deixem de ser vítimas de
preconceito, no caso, puramente racial, determinado pelo fenótipo.
Mesmo que, os contrários às cotas exponham o fato da alta
miscigenação do país e, absurdamente, defendam a relevância do
genótipo em detrimento do fenótipo, na prática, não é isso o que
ocorre. E, particularmente, esse tipo de manifestação parece
refletir um desejo íntimo, algo próximo ao “branqueamento” da
raça, opinião de verdadeiros “redentoristas de Cam”, como se
classificando a genética de certos negros como 64% europeia,
excluíssem os 36% restantes – de outras relevantes descendências
– e o fenótipo, principal propulsor do preconceito. Afinal, o
racismo configura muito mais uma questão das ciências sociais do
que das ciências biológicas. Atrelá-lo a essa última, é, no
mínimo, retrógrado, talvez uma lembrança do positivismo?
Enfim,
o “fascismo do apartheid social”, utilizando expressão de
Boaventura, não provém do Estado, mas da própria sociedade, visto
que, a instabilidade das massas é a garantia da estabilidade
neoliberal, interessante para as classes mais altas, que, em
consequência, repudiam o crescimento das minorias. Felizmente, o
Estado e os tribunais insistem na garantia de direitos fundamentais,
reforçando a importância das cotas e que não só pela economia se
calcifica uma sociedade plural.
Ana
Flávia Toller - 1º ano Direito Diurno - Sociologia do Direito -
Aula 2.1