Em
2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional, após a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº. 54, interpelada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS), que as gestantes tenham o direito de abortar caso o
feto seja diagnosticado com anencefalia.
Nesse
texto tentarei analisar essa decisão do STF através da junção de argumentação interdisciplinar
com o pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu.
Para
chegar a uma decisão foi feito debates com setores da sociedade, que resultou
no julgamento que contou com argumentos de elevado nível.
Primeiramente
existe o questionamento se realmente seria um aborto, pois não estaria
eliminando uma vida, já que não existe chance de sobrevivência.
A
concepção de vida, e de quando ela se inicia e termina, não é consenso no meio
acadêmico e nem em outras esferas da sociedade. Porém a existência de vida
desde a concepção é defendida por diversas religiões, entre elas muitas de matriz
cristã (mais ativamente pelos católicos e neopentecostais) que representam mais
de 80% da população brasileira (apesar de ser incorreto afirmar que por ser
adepto de uma crença adotará todos os costumes e ideais).
Porém,
segundo Bourdieu, a ciência do direito não pode se basear somente na vontade da
classe dominante, existindo diversos outros fatores que devem ser levados em
consideração. Não sendo válido o argumento que deve ser mantida a proibição do
aborto, pois essa é a vontade da maioria.
Pelo
princípio da inviabilidade da vida também considera que o aborto não ofenderia
os direitos do nascituro (que é assegurado pela legislação desde a concepção),
pois o termo correto seria natimorto.
Também
se deve pensar no sofrimento materno e dos demais membros da família, devido ao
conhecimento da impossibilidade da geração de vida. Resultando em consequências
posteriores, como a mulher tendo oito vezes mais de chances de ter depressão
pós-parto, além do que 65% dos fetos não resistirão até o fim da gestação (e os
demais apenas alguns minutos após o nascimento).
Todos
esses malefícios levaram o aborto, nesse caso em específico, ser conhecido como
terapia de interrupção e com o fim de sua criminalização pode ser acompanhado
pelos profissionais adequados do Sistema Único de Saúde (SUS).
Bourdieu
já afirmava que o direito não está imune as forças externas, sendo impossível
não sofrer influência de outros campos científicos. Nesse caso podendo invocar
conhecimentos da medicina, biologia e psicologia (como fiz nos parágrafos
anteriores) para legitimar suas decisões, sem desviar da realidade.
Um
dos principais momentos do julgamento foi o voto do ministro Gilmar Mendes, que
através da hermenêutica concluiu que a constituição aceitaria essa modalidade
de aborto. O Código Criminal Brasileiro não considera crime a interrupção da
gravides quando ela é concebida por violência sexual ou acarreta em risco a gestante,
ou seja, estão poupando gravida de um trauma psíquico e de ameaças contra sua
vida. Se a gestação do anencefálico for levada a diante poderá resultar em
complicações psicológicas traumáticas, justificando a liberação (visto que tem
o mesmo objetivo).
Nessa
perspectiva do ministro a corte suprema não está legislando ou criando nada
novo, e sim interpretando e analisando o que pode ser aceito pelo ordenamento
jurídico brasileiro. Estando dentro de suas competências e não usurpando as
funções dos outros órgãos na república, como as do legislativo.
Mesmo
sendo interessante essa perspectiva do ministro ela não está isenta de crítica,
Bourdieu poderia concordar que essa questão pode ser analisada pelos instrumentos
da ciência jurídica, mas não é dela que virão suas soluções. Portando a visão
do ministro é conservadora, o que não anula a importância da sua decisão.
O
judiciário brasileiro está cada vez mais sendo requisitado para resolver
questões complexas, como a constitucionalidade do aborto dos anencefálicos. Através
do diálogo concluiu o que seria o melhor para a sociedade e aceitável pelo
ordenamento jurídico (mesmo que seja contra a vontade da maioria). Vale lembrar
que decisões progressistas não estão na natureza do direito (como visto
decisões progressistas podem ser justificadas pelo conservadorismo).
João
Pedro Costa Moreira – 1º Ano Direito Noturno