Segundo Boaventura de Sousa Santos, o direito pode ser mobilizado para transformar-se em uma grande ferramenta para o combate de injustiças e desigualdades. Para o autor, o Direito precisa ser mobilizado para assumir uma perspectiva cada vez mais emancipatória, tornando-se um aparato para que o povo possa reivindicar seus direitos dentro do campo social. Em seu texto ‘’Para uma revolução democrática da Justiça’’, Sousa Santos destaca a necessidade do indivíduo aproximar-se do conhecimento jurídico que trata de seus direitos enquanto cidadão, pois este saber é uma força potencializadora da autonomia jurídica e política daquele indivíduo, visto que muitas vezes esse sujeito acaba se distanciando de um mundo que fala ‘’juridiquês’’ justamente por não entender e acompanhar o linguajar que já tornou-se comum - embora arcaico - nos espaços da Justiça. Quando não adaptados de acordo com as realidades populares, o entendimento sobre o que é o Direito torna o acesso a ele quase impossível, dificultando a participação política e social de indivíduos que podem ser agentes transformadores, pois possuem demandas sociais que são manifestadas de maneira particular e/ou coletiva no meio social.
A necessidade de uma nova face jurídica é o ponto de partida para fazer o Direito perder o caráter mecanicista e elitista para assumir um tom mais humanista, levando em consideração questões que estão além das normas positivadas e que fazem parte de uma sociedade que é atravessadas por diversas narrativas que se encontram e diferenciam-se sob os mais variados aspectos. A ideia de uma revolução que democratize o acesso à Justiça é fundamental para Boaventura, pois sinaliza que os indivíduos sociais poderão atuar na sociedade não somente de forma passiva, mas de maneira ativa e interventora.
Para explicar diversos acontecimentos sob o argumento do não reconhecimento das regras que regem o Brasil, é possível analisar um caso famoso no qual o um dos princípios básicos da Constituição que prega que ‘’todos são inocentes até que se prove o contrário’’ foi severamente desrespeitado em função de artimanhas políticas.
Por exemplo, no ano de 2018, foi decretada a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi um preso político solto depois de 580 dias encarcerado, recebendo sua soltura em 2019 após o Supremo Tribunal Federal(STF) ter considerado inconstitucional a prisão de segunda instância que condenava o político pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Para muitos, a prisão de Lula foi um ato louvável que partiu da decisão do juiz Sérgio Moro e estava em conformidade com a Lei Maior. Entretanto, por falta de conhecimento acerca do mundo jurídico, a massa da população foi condicionada por fake news e fanatismos fundamentados no conservadorismo, de que aquela prisão que acontecia, era até então um dos maiores feitos da justiça brasileira sem notar que o caso, na verdade, estava sendo tratado de maneira totalmente arbitrária e inconstitucional.
Após muitas tentativas da defensoria de Lula apresentar as inconstitucionalidades no processo, o caso do ex-presidente tornou-se famoso mundialmente por exemplificar de modo direto e óbvio que o cerceamento da liberdade do ex-metalúrgico foi uma prisão política. A decisão parcial de Moro nada relacionava-se com as normas jurídicas do país, servindo apenas aos interesses de uma classe política que tinha como plano orquestrar a prisão de Lula para tirá-lo da corrida presidencial, pois sabiam que assim facilitariam o caminho da vitória para o atual representante da República.
Por falta de conhecimento jurídicos acerca dos direitos que são intrínsecos a todo e qualquer cidadão, muitos brasileiros foram manipulados e direcionados a acreditar que uma prisão que ia contra a Constituição do país estava amparada na legalidade. Após o caso sofrer muita pressão popular com o movimento ‘’LulaLivre’’ que tomava conta do Brasil justamente por reconhecer ilegal a prisão do famoso político, Lula foi absorvido das acusações e solto. A liberdade do petista foi fruto de uma insistente manifestação que crescia cada vez mais e estava tomada pela consciência e clareza que o processo contra Lula, era um processo injusto. Assim, é possível perceber a importância de ter conhecimento de direitos básicos que envolvem a noção de dignidade humana, pois quando os indivíduos começam a perceber o poder político e jurídico que carregam em seus corpos, o acesso à justiça deixa de existir somente no mundos da ideias e começa a concretizar-se de forma sólida nos espaços sociais. A análise de julgado do caso Lula é a prova de que quando a população tem conhecimento do funcionamento do ordenamento jurídico, ela pode mobilizar o Direito e usá-lo como ferramenta democrática.
Seguindo as ideias do autor, promover a expansão do Direito de forma a combater a vontade e os interesses hegemônicos, é uma constante batalha que precisa ser travada por diferentes grupos nas mais diversas situações. Além disso, o intelectual também discute o papel dos operadores do Direito, destacando a necessidade de formar a consciência de que os advogados não podem ser meros reprodutores do Direito, mas sim cientistas que precisam buscar compreender cada vez mais a formação sociocultural do contexto em que estão inseridos, impulsionando sua atuação jurídica em prol das urgências sociais que fazem parte de um projeto popular que tem a função de lutar por aqueles que são injustiçados e marginalizados. Possuir conhecimento acerca dos direitos e reivindicá-los, é uma estratégia de luta que aponta para desenvolvimento de uma justiça democrática que emancipa os indivíduos, colocando-os de frente com uma possível chance de reestruturar o ensino, o entendimento e a prática jurídica na sociedade.
PEDRO OLIVEIRA SILVA JÚNIOR - DIREITO / NOTURNO
Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail dia 06 dez. 2021, 04h22
Nenhum comentário:
Postar um comentário