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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A sociedade e o Direito Penal

O sociólogo Durkheim como francês, em que compreende a transição para a sociedade moderna como um processo permeado de revoluções, preocupou-se em analisar a coesão social. Os socialistas franceses afirmavam que, o processo de divisão intensa do trabalho levaria à um egoísmo extremo e culminaria em uma desagregação do tecido social, já que cada componente só estaria preocupado consigo mesmo. Já Durkheim analisará tal sociedade por meio de um espectro diferente o que o levará a outro extremo: a crescente agregação social. O sociólogo afirma que, tal especialização do trabalho, quanto mais levada ao extremo, individualiza as funções acarretando numa maior co-dependência entre os atores sociais- diferentemente das sociedades pré-modernas, em que possuíam sua coesão pautada em uma mesma crença.   Assim, ao analisarmos o Direito Penal antigo, muito dele apontava mais para um sentimento de vingança do que para a defesa da coesão social em sí, já que a ligação de tal sociedade era pautada por crenças, ou seja, deveria-se defender os dogmas de tal crença. Com a humanidade caminhando para a modernidade temos a transição para um Direito Penal com viés racional, começa a analisar os crimes de outra forma, e então minimizando diversas penas, ou as tornando menos desproporcionais.
A especialização da produção então levaria à extrema desagregação ou agregação social. Precisamos atentar para o fato de que, mesmo após a revolução industrial e toda a subdivisão de funções ainda não houve desagregação social, mesmo que há a problematica da noção egoística da vida.
Trazendo tal reflexão para o Direito Penal, podemos observar que ele tende a minimizar a pena. E isto é essencial. As medidas tomadas pouco ressocializam, apenas "restituem" o criminoso onde deve estar, para confortar a todos. O necessário não é só minimizar o Direito Penal, como transmutá-lo para uma forma de restituição da coesão social e não só para punir o criminoso, ou seja, restituí-lo como membro social, e assim revelar a sociedade orgânica que está se desenvolvendo.

 No texto “A divisão do trabalho social”, uma das discussões de Émile Durkheim é a respeito da evolução do direito ao longo de um processo histórico, analisando-o nas sociedades primitivas e nas sociedades modernas. Para ele, as sociedades primitivas apresentavam uma normatividade jurídico-religiosa, tratando-se, portanto, de preceitos transcendentais e não criados pelos homens. Sendo assim, as pessoas obedeciam a essas normas sociais de maneira puramente mecânica, ou seja, sem analisá-las de maneira crítica e racional, mas de maneira, de certo modo, instintiva; apenas para manter a coesão social.
Já nas sociedades modernas, Durkheim defende a ideia de que o ato de seguir tais normas é uma “solidariedade orgânica”, pois esta é fruto de uma interdependência interna, diferentemente do caso anterior, em que essa “solidariedade” é chamada de “mecânica” por se tratar da resposta a um impulso externo.
Apesar do direito ter seguido um caminho com uma perspectiva racional, ainda hoje é influenciado por costumes e hábitos socioculturais. A ciência do direito ainda enfrenta dificuldades frente à consciência coletiva – que era presente nas sociedades primitivas – mesmo depois de todo esse processo de racionalização e da impostura do “saber jurídico” como um saber especializado.
Essas dificuldades podem ser percebidas quando a população não apoia aquilo que é proposto, de maneira racional, pela ciência do direito. Por exemplo, quando um criminoso sequestra, fere a integridade física ou mata uma pessoa e, em seguida, é preso, a população, em geral, não vai considerar a pena recebida compatível com o crime praticado. Com isso, muitas vezes atitudes de policiais que agridem criminosos são apoiadas pela coletividade, que sentem que, desse modo, a justiça foi feita, apesar de tais policiais não respeitarem os direitos humanos. Nesse exemplo, não prevalece a ideia de justiça baseada no Direito Restitutivo, presente nas sociedades modernas, mas sim a ideia de justiça baseada em uma consciência coletiva e punitiva.
Então, mesmo que o direito seja, na verdade, uma racionalização de valores sociais, culturais e religiosos de uma determinada sociedade, muitas vezes a população não aceita essa normatividade como sinônimo de justiça, seja pela deficiência na operação do direito, seja por este não satisfazer os anseios sociais, que trazem consigo uma carga valorativa e emotiva considerável. 

When you look at the world


Para a banda irlnadesa U2, “When you look at the world, what is it that you see ?” 
Eu vejo um mundo que é marcado, ainda hoje, pela solidariedade mecânica. Quando observamos opiniões de diferentes pessoas convergindo para apenas um lugar, isto pode ser um indicio de tal solidariedade. Durkheim nos diz que a solidariedade mecânica é a “consciência coletiva”, aquilo que está impregnado em todos, mesmo sem que estes a tenham adquirido.

Com isso, é possível explicar uma parte das opiniões radicais a respeito de um crime ou algo do gênero. Nós tendemos a crucificar aquele que comete deslizes criminais baseados na consciência coletiva. Isso ainda impregna o direito. Por meio dos juris populares, pessoas que teoricamente teriam um discernimento maior dentre os populares julgam o criminoso. Quando o crime tem repercussão nacional e causa indignação, a condenação do acusado é certa e o questionário respondido pelos jurados dará a pena máxima.

“I can’t see what you see when i look at the world.” Seria o ideal. Cada um de nós vemos algo diferente, sem nos deixar levar pela multidão, tecendo nossas próprias opiniões, minimizando ao máximo a solidariedade orgânica.

A Solidariedade Mecânica e o Direito

 No capítulo II da obra "A Divisão do Trabalho Social", Émile Durkheim apresenta o conceito de solidariedade mecânica, sendo possível descobrir a partir deste a essência do crime e outros aspectos importantes para melhor estudo e compreensão da relação entre o Direito e o comportamento humano.
 Por solidariedade mecânica entende-se que é uma consciência coletiva que emana de uma autoridade. Não é de origem natural como a solidariedade orgânica, é algo definido de forma artificial, quase como um  pacto feito inconscientemente. É marcada pela passionalidade e resulta em uma diferenciação social pouco complexa.
 Devido ao fato de não obedecer à razão, todo Direito derivado da solidariedade mecânica é diferente em cada sociedade; é exatamente por seu uma mera convenção que ele não consegue adquirir a universalidade. Assim, apesar de crime ser todo ato que ofende a consciência coletiva, cada sociedade considera atos diferentes como crimes. A pena de morte, o canibalismo e a tortura como sanção são exemplos de como a concepção do que é crime é mutável, as vezes até mesmo flexível, de acordo com a cultura, mantendo apenas sua essência.
 Então, baseando-se nas questões da passionalidade e da flexibilidade da definição de crime, pode-se constatar que o Direito advindo da solidariedade mecânica é o Direito Penal. Portanto, é possível concluir que a racionalidade leva ao Direito Restitutivo, enquanto sua ausência implica em repressão e violência.