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domingo, 24 de março de 2019

Experiência: o caminho baconiano para o entendimento da realidade

   Francis Bacon, em suas obras, mostrou ao mundo uma outra forma de se praticar ciência: o empirismo. Sua teoria consistia no estabelecimento de um método que, ao invés de percorrer caminhos duvidosos e pouco produtivos através do labor da mente, se sedimentava na interpretação da experiência sensível. Tal mudança de panorama fez com que a realidade pudesse ser encarada de uma maneira mais resoluta que, guiada pelo exercício empírico, considerava as adversidades da natureza humana. 

   Partindo de uma análise histórica, o filósofo inglês e seu pensamento atuaram na Idade Moderna promovendo uma tentativa de trazer maior esclarecimento em relação aos obstáculos dogmáticos e preconceitos da sociedade daquela época. Entretanto, mesmo com o passar do tempo, algumas dessas barreiras para o desenvolvimento do conhecimento ainda se fazem presentes,  adquirindo novas configurações. Tanto quanto no Período Moderno, na contemporaneidade o exercício empírico ainda se mostra essencial para entender da melhor forma o funcionamento da realidade social com todas as suas complicações.

   Uma dessas barreiras que continua enraizada na sociedade, em especial no Brasil graças a sua carga histórica, é o preconceito racial. O racismo, em termos gerais, consiste na crença irracional da superioridade de uma etnia sobre outra. Tal pensamento resulta em ações que ferem direitos naturais de inúmeros brasileiros que, por consequência, são marginalizados. Essa situação, sem pormenorizar, criou duas realidades completamente diferentes: a do privilegiado, que se vê livre dos transtornos causados por essa intolerância infundada e forma suas convicções sem uma base empírica forte no que diz respeito aos entraves racistas atuantes em seu meio, e a do negro, que encara diariamente os obstáculos da discriminação racial.
   Assim, analisando as tirinhas de Alexandre Beck por um olhar baconiano, é dedutível que o uso da razão pura não proporciona um entendimento que contemple a realidade social e o racismo enraizado nela. Para a verdadeira compreensão sobre o acontecimento seria necessária uma certa vivência que o amigo de Camilo não possuía e não tinha conhecimento sobre. É preciso combinar a racionalidade humana com a interpretação da experiência sensível para se esclarecer sobre a situação. Dessa forma, entende-se que, independentemente de serem infundadas ou não, as irracionalidades do ser humano, como nesse caso o racismo, se fazem presentes e precisam ser consideradas na observação das interações sociais. Para isso, é necessário praticar uma reflexão empírica sem sobrepor sobre ela uma razão silogística monarca. Uma análise movida apenas por lógicas simplistas, como afirmava Bacon em seu livro "Novum Organum", mais valia para consolidar erros do que para a indagação da verdade, sendo mais prejudicial do que útil para a humanidade. 
                                              Victor A. Lopes (Direito Noturno)

Razão e experiência: uma articulação com fins emancipatórios


Francis Banco em “Novum Organum’’ e René Descartes em sua obra “Discurso do Método’’ apresentam métodos de adquirir o verdadeiro conhecimento utilizando das faculdades da razão e da experiência.Os autores do século XVII se revelam como essenciais no desenvolvimento de uma filosofia e de uma ciência detentora de fins práticos.São considerados os pais da ciência moderna ao introduzirem uma ciência  neutra,guiada pela racionalidade e preocupada em visualizar a realidade do mundo e de suas relações, construindo um conhecimento condizente com essa ordem.
Descartes acreditava na capacidade da ciência de transformar mundos e o espaços ao redor, de alterar a realidade vigente. Para Bacon essa realidade denominada como vontade do mundo seria passível de mudanças, porém se sobreporia a vontade pessoal a qual pode ser interpretado como o agente dessa mudança.
Essa relação entre razão e experiência assim como, seu uso para modificar o status quo da sociedade constituem reflexões que não se bastam no campo teórico e reflexivo.Como intencionava Descartes, a busca por distinguir o falso do verdadeiro, o injusto do justo se embasa na racionalidade.Todavia nem sempre o que a razão nos revela é de fato posta em prática.
A razão é  inerente ao ser humano, compreendida como sua essência- definida por Descartes ,no inicio do Discurso do Método, como comum e igualmente distribuído entre os homens:

O bom senso é a coisa mais bem distribuída  do mundo:pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar  mais bom senso do que têm.Assim, não é verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de distinguir  o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual em todos os homens; [...]

Deste modo todo ser humano é essencialmente igual, independente de particularidades da forma ou matéria, possuem razão e  partilham da mesma espécie. Por outro lado a experiência assevera que socialmente os homens não são entendidos como iguais. Na prática, em sociedade o tratamento direcionado a pessoas de pele brancas se difere excessivamente da abordagem de pessoas negras ou pretas.Na vontade do mundo, ou seja naquilo que o é de fato, encontram-se práticas de racismos e discriminação contra a população negra- uma pessoa negra inocente sente receios perante autoridades que uma pessoa não negra dificilmente sentirá.
Pessoas negras tem a muito sofrido violências por serem quem são, isso indica que nem sempre a ciência consegue atingir inteiramente os fins práticos para qual foi designada-como o caso da dialética apresentada por diversos pensadores de que todo ser humano é por essência idêntico.Diante disso, nos cabe questionar se é possível que um dia exista a vontade pessoal dentro de cada indivíduo, capaz de unificar e articular a razão e experiência, a verdadeira ciência cuja finalidade seja emancipatória apta a transformar o presente cenário de desigualdade e alcançar a emancipação do ser humano.
Lívia Aguiar (Direito Matutino)

A Razão como Intérprete do Sensível

     A razão é responsável por realizar o intermédio entre o processo cognitivo e as manifestações sensíveis do mundo, viabilizando o surgimento de interpretações sobre as experiências vivenciadas por cada indivíduo.
     Nesse sentido, a realidade – para cada ser – é única, visto que sua construção está intrinsecamente vinculada à carga empírica, cultural e sentimental que abarca o indivíduo, e, portanto, fruto de sua história
     Isto posto, as charges de Alexandre Beck protagonizam um fator em consonância na vida de uma parcela majoritária da população negra, a discriminação racial. Desse modo, em uma das tirinhas, o personagem negro se priva de participar de uma brincadeira inocente, em virtude do medo imposto pela presença policial na área e, em outra, o mesmo demonstra carregar consigo uma nota fiscal de seus pertences. As duas ações do personagem não são compreendidas por seu colega, Dinho, o que nos permite inferir que esse fator de consonância - presente na realidade de Camilo - não se manifesta da vida de seu amigo.
     Nesse ínterim, o comportamento de Camilo é proveniente da racionalização de um compilado de experiências que estão presentes em seu cotidiano e no da população negra, condicionando sua conduta a divergir das de seu colega. Ressalta-se que esse comportamento só é possibilitado a partir do momento em que o indivíduo obtém contato - de algum modo – à discriminação racial. Assim, em função da ausência de manifestações sensíveis que, pelo intermédio da razão, condicionam Dinho a se portar de maneira similar a Camilo, depreende-se que partilham de realidades sociais diferentes.
     Por fim, o amigo de Camilo não se privou da racionalização do ocorrido, apenas realizou uma interpretação alternativa da experiência vivenciada por ambos. Assim, enquanto a resposta de Dinho se manifesta por meio da indignação, a de seu colega se manifesta por meio da normalização do autoritarismo, visto que se trata de um fator recorrente, consonante em sua vida.

Caio Laprano (Direito Noturno)