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terça-feira, 30 de agosto de 2022

Uma Perspectiva do poder simbólico no caso da ADPF 54

 Na ação de descumprimento de preceito fundamental de número 54, que ajuíza a não imputação de crime em caso de aborto de fetos diagnosticados com anencefalia, fica claro o embate entre dois capitais distintos da sociedade que na perspectiva de Pierre Bourdieu significa um antagonismo não declarado no campo da sociologia jurídica.

O campo desta batalha é o jurídico, porém, os argumentos utilizados, em síntese, partem de preceitos exclusivamente morais no qual se origina toda a problemática do aborto. De um lado está a dignidade e o direito a saúde tanto física quanto mental das gestantes de fetos acéfalo do outro um argumento completamente retrogrado do nascimento a qualquer custo ditado por autoproclamados defensores da moral e bons costumes.

Está mais do que claro, até pela decisão favorável que não se pode levar em consideração unicamente o juízo de valores ou preceitos religiosos na resolução de tais conflitos, mas também um parecer mais técnico, que de forma autônoma traga uma resolução mais definitiva para o caso. A prevalência do entendimento favorável demonstra que o poder simbólico gerado pela pressão de uma classe oprimida por mais difícil que seja pode gerar pequenos progressos na sociedade em geral.

Alessandro Paula e Silva

Dura Lex Nuper Lex: Uma análise da ADPF 54 à luz de Bourdieu

 

No ano de 2012,  o Supremo Tribunal Federal decidiu por 8x2 aquele que se tornaria um dos casos mais emblemáticos da sua história bicentenária, trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, a matéria julgada foi, ab ovo, se era possível realizar a interrupção terapêutica da gravidez em casos de anencefalia do feto.

Mais do que um hard case jurídico, a ADPF 54 provocou grande mobilização e debate na sociedade em geral pela forte carga moral do tema. “Interromper terapeuticamente uma gravidez de feto anencefálico” é, de certa maneira, uma forma floreada de se dizer “abortar”, o aborto sem dúvida é uma das matérias mais sensíveis, debatidas e controversas da atual realidade jurídica, para determinada parcela da sociedade, deveria ser um direito acessível e pleiteável das mulheres, para outros trata-se de um crime contra a vida, a autorização jurídica do infanticídio discricionário.

            É possível notar que estes últimos, que acreditam ser o aborto uma infâmia, o fazem por pura motivação moral filosófico-religiosa e ainda que seja legítimo (e desejável) possuir um código de conduta moral pessoal até coletivo, a problemática surge ao querer transplantar esse código ético para o código jurídico. É justamente o que adverte o sociólogo francês Pierre Bourdieu ao falar sobre a instrumentalização do Direito, para ele as classes dominantes além de capital econômico e detenção dos meios (como proclama Marx) possuem ainda o capital simbólico, isto é, um poder cultural e institucional que pode (e é) utilizado para impor uma visão específica de mundo ao resto da sociedade, dessa forma, se é a classe dominante marcadamente cristã, como no Brasil, as estruturas jurídico-sociais refletirão, ainda que de forma implícita, a moral cristã.     Quando o habitus, matriz cultural incorporada que predispõe os indivíduos a certas escolhas, torna-se fonte do Direito, ele próprio transforma-se num instrumento.

            Ainda no caso, é necessário refletir que o aborto no Brasil não é exatamente proibido, ele tem sua permissividade restrita à determinadas situações, como o estupro, a ameaça grave à vida da gestante e depois da ADPF 54, os casos de anencefalia fetal, estas situações onde o aborto é permitido foram conquistadas ao longo dos anos, isso pode ser explicado através do conceito do “espaço dos possíveis” de Bourdieu, aquilo que é objetivamente plausível e aceitável pela sociedade muda com o passar dos anos, dessa forma é necessário haver uma historicização das normas, isto é, trazer a interpretação hermenêutica para a atualidade, como foi feito na ADPF 54, visto que à época da elaboração do Código Penal, não era sequer possível identificar a anencefalia fetal preventivamente, dessa forma não é possível esperar que a legislação da época preveria a interrupção.  

Para Bourdieu (a contragosto de Kelsen), O Direito não encontra em si próprio o princípio da transformação (embora se expressam demandas na linguagem jurídica, os princípios da transformação jurídica provêm do externo), é preciso mobilização cívico-social para promover a modernização jurídica, sem essa mudança estaremos para sempre estagnados em normas que já não atendem os moldes contemporâneos ou pior, seguiremos escravos de um código moral que talvez não nos pertença, e ainda que pertença não nos devia ser possível imputá-lo aos outros como norma.  

 

Daniel Godas Galhardo Damian

1° Ano Direito - Matutino

ADPF 54 segundo alguns microcosmos

 

Sabe-se que atualmente é possível abortar uma gravidez a partir do momento do diagnóstico de anencefalia em um feto e que isso na verdade é o procedimento recomendado para esse tipo de caso, entretanto as coisas nem sempre foram assim pois esse direito é relativamente recente.

A anencefalia praticamente sempre acaba causando a morte do feto, geralmente o mesmo acaba na condição de natimorto, mas quando nasce com vida acaba progredindo a óbito em no máximo poucos dias. Outro problema importante dessa condição é que ela aumenta o risco de complicações no parto para a mãe podendo causar poli-hidrâmnio, hipertensão arterial, prolongamento da gravidez e uma série de coisas, aumentando os riscos de morbimortalidade materna.

Apesar desses problemas demorou um pouco para que se decidisse a respeito da descriminalização, para uns os problemas eram tão sérios que a descriminalização se tratava de uma questão humanitária, enquanto para outros a criminalização deveria ser mantida por conta de uma moralidade e valores conservadores, mas a classe dominante não deveria decidir sobre esse tipo de coisa, felizmente o Direito foi eficaz na intermediação desse conflito.

Assim como o Direito, a religião, política e a medicina são microcosmos diferentes, que se desenvolveram de maneiras distintas rumo a diferentes conclusões. Suas explicações para o mesmo fenômeno são totalmente diferentes e felizmente para as mulheres o STF decidiu fundamentando-se na ciência e na questão humanitária a favor da descriminalização nesse caso, mas também fez uma concessão para quem por algum motivo não quer interromper a gravidez, isso faz com que os pratos da balança da justiça se alinhem para a classe dominante e dominada ao garantir um direito para a segunda classe defendendo-a dos interesses do grupo dominante e mantendo para a mulher a sua dignidade tal como previsto na Constituição Federal. Adaptando não só o direito, mas também os valores da sociedade para o presente.

Otávio Meira Beije

ADPF 54 e a consideração simbólica da existência: os embates e soluções expressas pela construção da língua jurídica e a influência do poder simbólico, à luz da perspectiva de Bourdieu

 Os procedimentos estruturais propostos pelo desenvolvimento da conjuntura simbólica da existência propiciaram a Pierre Bourdieu, bem como a todos aqueles filiados aos seus postulados teóricos, um cenário de quase infinitas possibilidades de ramificação referencial e de adaptação e extensão a diversos outros campos – o que inclui o próprio campo do Direito (o jurídico). Deste fato emanaram aspectos como a existência de variados campos, habitus, espaços dos possíveis, e procedimentos de racionalização e de historicização. A partir das contribuições cardeais de Bourdieu, torna-se viável e até mesmo desejável utilizá-las como meios de visualização da ADPF de número 54, julgada pelo STF, que versa acerca da interrupção da gravidez em casos de anencefalia.

Cabe destacar, inicialmente, que a referida ADPF é um exemplo concreto de embates entre campos e, consequentemente, espaços dos possíveis e poderes simbólicos distintos; isso porque representa a relação conflituosa entre o âmbito individual (dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade e direito à saúde – fatores expressos, inclusive, no Acórdão em análise) e o âmbito coletivo (que se estendeu a duas áreas dois pilares principais: o Direito Penal vigente e os valores defendidos pela sociedade civil). Cada um destes âmbitos (campos), como já dito, reflete áreas delimitadas por circunstâncias internas, chamadas de espaço dos possíveis, que condicionam posturas adequadas e desejáveis (os habitus) caracterizadas por ensejarem e serem ensejadas por formas distintas de poder simbólico.

De acordo com o seu idealizador, os campos consistem em parcelas da realidade simbólica sociedade que sofrem, constante e invariavelmente, alterações por meio de disputas entre poderes e habitus igualmente simbólicos – os quais são bagagens e recursos, que são naturalmente variáveis de acordo com o indivíduo. A partir dos campos, são delimitados aquilo que Bourdieu intitulou de espaços dos possíveis: alterados pelas relações sociais, simbolizam os meios e limites a partir dos quais os agentes podem se dispor para serem capazes de exercer nos campos o poder simbólico. Outra característica imanente é a ideia de que cada campo possui o seu próprio espaço dos possíveis e isso também ocorre no campo jurídico, cujo respectivo espaço é delimitado por fatores como as doutrinas, jurisprudências e normas jurídicas. No entanto, nem todos os fatores presentes em determinado espaço dos possíveis foram criados juntamente com ele. Não raro, alguns são transplantados de outros campos sociais a partir do processo chamado racionalização, que traduz certos fatores externos para a linguagem de outro campo, legitimando-os e resultando na manutenção da homologação (construção constante da linguagem própria de cada campo).

O procedimento evidenciado pode ser exemplificado pela própria ADPF 54, que é marcada pela tradução de certos elementos externos (comuns aos espaços dos possíveis da biologia e do senso comum) para a linguagem própria do campo jurídico. Duas referências elementares para o julgamento em pauta foram a definição da vida (que auxilia a definir a condição de aborto) e os interesses e “bons costumes” da sociedade civil (que também norteiam os posicionamentos). Assim sendo, quando o ministro Alexandre de Moraes se mune do argumento de que a anencefalia não pode ser tida como um viabilizador considerável para tipifica-lo como aborto, ao considerar que a vida de um anencéfalo não possui um futuro certo e proveitoso, ele, apesar de situado no campo jurídico, recorre a meios alienígenas a este, na tentativa de racionalizá-los e, portanto, torná-los argumentos plausíveis. O mesmo ocorre com o ministro Marco Aurélio durante a sua atitude indispensável de recorrer à consideração da dignidade da mulher e da autopreservação humana, dois elementos retirados dos valores do campo social que já foram racionalizados e convertidos em direitos.

O imenso óbice provocado pelos procedimentos de racionalização ocorre a partir do confronto entre distintos espaços dos possíveis, posto que cada qual possui os seus próprios limites e recursos. Considerando o julgamento da ADPF 54 e a causa que o ensejou, o confronto mencionado deu-se a partir do contraste entre duas posturas em relação ao mesmo espaço dos possíveis: uma restritiva (conservadorismo) e outra expansiva (práticas progressistas). Cada um dos opostos, apesar de situado no mesmo campo (o jurídico), apresentam habitus distintos, isto é, formas de ação determinadas e determináveis que são naturalmente diferentes, de modo a promover agitações constantes a partir do manuseio dos mesmos recursos. Consequentemente, ambos os habitus utilizam a mesma linguagem (o espaço jurídico dos possíveis e todos os seus acréscimos) com finalidades diferentes. O habitus conservador, por exemplo, utiliza os artigos 124, 126 e 128 do Código Penal vigente almejando criminalizar a interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Em contrapartida, o habitus liberal utiliza direitos fundamentais (como a dignidade) para defender a inconstitucionalidade dessa medida.

Como efeito de tal contraste entre habitus no mesmo campo, tornam-se viáveis mecanismos como a neutralização e a universalização. O primeiro preconiza o uso do plano etéreo, abstrato, para a construção da legitimidade da proposição; de tal modo que aquele que utiliza os artigos do Código Penal acaba por tornar-se apenas um meio passivo de expressão e não um agente que os interpreta ao seu bel prazer. Já a universalização, por outro lado, converte certo desejo individual em uma demanda coletiva; fato este que pode ser exemplificado por meio do uso dos direitos fundamentais enquanto um meio de apoiar-se no coletivo para adquirir legitimidade.

Por derradeiro, após terem sido inseridos no espaço dos possíveis de determinado campo por meio da racionalização, os aspectos (anteriormente estranhos, atípicos) são condicionados pelo tempo a serem objeto de outro meio transformador: a historicização. A ela compete a atualização progressiva e adequada dos componentes dos espaços dos possíveis, de modo que se torna invariável e incontornável. Por meio dela, ocorreu a estrutura basilar do julgamento ainda em análise, posto que uma cláusula penal (consideração culpável do aborto) foi trazida para o mesmo plano de uma demanda social (cenário de anencefalia), que, mesmo não tendo sido originada no ano do julgamento (2012), era uma necessidade notória da época e, ainda na atualidade, não perdeu a sua imprescritibilidade. A partir da adaptação da norma penal à necessidade do presente, através dos procedimentos da historicização, foi concebido o veredicto final: o resultado da luta simbólica ocorrida entre os diferentes habitus que tornou inconstitucional a consideração de que a interrupção do aborto em casos de anencefalia pode ser tida como algo previsto pelo Código Penal e, portanto, penalizado a partir das mesmas normas que punem os casos tipificados de aborto. 


Mario Augusto Monteiro Filho

PIERRE BOURDIEU

 O Tema “aborto” sempre foi rondado de polêmicas devido a questões de cunho religioso, que fornecem combustível à discussão da vida do feto em oposição à escolha da mulher, à progressão da gestação em caso de estupro, entre outras situações. Indivíduos que posicionam-se de forma a proteger o feto, buscam justificar suas medidas através do argumento da fundamentalidade da vida. No caso desta análise de julgado, o nascituro apresenta a condição de cérebro subdesenvolvido, portanto, ao nascimento, com chances imensas o bebê pode nascer sem vida. E ao comprovar tal condição, pode vir a tornar-se objetivo da mulher a interrupção da gravidez. Este conflito entre a moral religiosa e a razão pode ser caracterizada dentro do conceito de “Espaço dos Possíveis”, com o similar constante embate acerca da razão e a moral para tomadas de decisões jurídicas. No contexto do problema da análise atual, o Ministro Marco Aurélio utilizou a racionalidade e ao apelar para a jurisprudência, tentou garantir o direito à interrupção da gravidez em que não há possibilidade da sobrevivência do nascituro. 

João Vinícius Gonçalves Bertoluci Direito - 1° Ano/Noturno

O Direito de Bourdieu e a ADPF 54

 Entre as delimitações que contornam o pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu têm-se a necessidade de evitar o formalismo jurídico, o qual seria o estudo do Direito como algo separado, autônomo, da sociedade. Além do instrumentalismo jurídico, que é a utilização do direito pelas classes dominantes na forma de um poder simbólico. Com isso, no que tange a análise da ADPF 54 pelo pensamento supracitado, onde foi decidido em favor do aborto em casos de anencefalia, houve a resolução de forma condizente com a Constituição e com os direitos fundamentais, como o direito a vida da mulher. Assim, foi evitado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal o instrumentalismo jurídico, já que, nesse caso, o poder dominante era favorável à decisão conservadora de negar o direito de aborto. Ademais, durante o conflito de ideias do caso da ADPF 54, houve a aplicação do conceito de “universalização” do Bourdieu, o qual é definido como o uso do direito para exprimir uma certeza. No caso, foi utilizado o raciocínio científico, de que há baixíssima possibilidade de vida para o feto anencefálico.
Isabela Bucci Lopes 1º ano – Direito / Noturno 

Abordo de fetos anencéfalos

 

Ao longo da vida de uma pessoa, esta absorve, desde o seu nascimento, uma série de conhecimentos, regras, formas de pensar e agir que a caracteriza e que são chamadas de capitais (algo que não é necessariamente uma riqueza física, mas que é simbólica). Esse capital, inclusive, a diferencia de outras pessoas, mesmo que possuam características em comuns, como morar no mesmo bairro, estudar na mesma escola e ter recursos financeiros equiparados. Da mesma forma, um grupo de pessoas detentoras de um certo capital se diferencia de outro grupo que possuem um capital distinto.

Tais diferenças são valorizadas e aceitas pela sociedade, o que faz com que um grupo detentor de um capital mais avantajado exerça dominância arbitrária sobre os que não possuem um capital semelhante, e gera o que é chamado por Bordieu de habitus, que contribui, por sua vez, para que essa dominância, muitas vezes, não seja percebida, pois os indivíduos acham, por exemplo, que certos comportamentos são corretos. Assim, para o autor, a influência desse grupo favorecido por seu capital simbólico é um tipo de violência simbólica, sútil e naturalizada (sua ideia vai contra a ideia de Weber de que o Estado é a instituição detentora da violência física e simbólica), se manifestando de várias formas, como é o caso do racismo, do machismo, da homofobia, etc., e em vários ambientes, como nas escolas, nas relações de trabalho, dentre outros. Um exemplo de capital simbólico muito valorizado atualmente é o capital cultural, que individualiza os grupos sociais entre si e que diz qual o “valor” ou “status” desses grupos na sociedade e em determinada situação.

Ao longo da história social da humanidade, sempre houve uma situação de dominância de uma classe privilegiada sobre uma outra classe que não possui as mesmas condições políticas, econômicas e culturais (capitais). Para resolver essa diferença de poder entre essas classes, durante séculos, ocorreram inúmeras revoltas sociais (sendo muitas delas violentas) contra uma elite interessada na manutenção de sua posição social. Essa luta por mais direitos é contínua e ocorre até os dias de hoje.                                                                                                                                                                        Essa obtenção de maior igualdade da classe dominada na sua sociedade, vem sofrendo ultimamente, inclusive no Brasil, uma tendência de não ser mais armada, de forma que esses conflitos de interesses estão sendo disputados no campo jurídico. Isso ocorre devido ao fato de essa classe ter se tornado mais desperta a respeito de seus direitos e perceber que a atual legislação permite que suas demandas possam se concretizar, bem como está ciente que outros ramos do conhecimento social (ciência, arte, por exemplo) acompanha seus interesses de forma que a sua luta por mais garantias tenha mais legitimidade e ter maiores chances de ser reconhecida (é o que se chama do espaço dos possíveis).

Assim, apesar de essas pessoas não terem o hábito de lidar com o direito, pois são na sua maioria, de origem de camadas mais populares, buscam no direito uma solução para seus problemas, tentando obter um direito popular que não está apenas a serviço de uma elite dominante (como criticava Karl Marx) e faz isso, muitas vezes, por causa da morosidade do seu poder Legislativo em atender essas demandas da sociedade, pois é apático. Assim, o meio jurídico vem se tornando não mais um monopólio dos que possuem o conhecimento (capital) de como lidar e interpretar as leis, tornando-o mais sensível às exigências sociais, tendo parte de sua autonomia quebrada ao mesmo tempo que se altera por causa dessas pressões.

Nesse sentido, foi julgado pelo STF a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 54, proposta em 2004, que questionava se o aborto de anencéfalos estaria caracterizada pelos artigos 124, 125 e 126 do código penal (tratam do crime de aborto). Isso foi possível devido aos novos conhecimento que vieram da medicina (espaço dos possíveis) e que confirmam que um feto anencéfalo não é viável, pois poderia falecer durante o período da gestação ou poucos minutos após o nascimento (mesmo se sobrevivesse após o nascimento, o período que permaneceria vivo seria curto). Por isso, fazer com que a mãe tivesse que passar por toda a gestação resultaria em um sofrimento extremo e desnecessário, pois as mudanças na gestação são não apenas físicas, mas psicológicas.                                                                                                                    É necessário esclarecer que a intensão aqui não é descriminalizar o aborto,  visto que isso não seria conseguido, pois o direito não segue todas as pretensões desejadas por um seguimento da sociedade (mesmo porque, o espaço dos possíveis não permitiria isso). O que se desejava é que a interrupção da gestação de um feto anencéfalo não fosse considerado aborto e que essa decisão de interromper a gestação pudesse partir da mãe, se quisesse, mesmo porque essa gestação pode acarretar riscos para a sua saúde.                                                                                                                                                                     Isso foi importante, pois antes o assunto dependia da decisão de cada juiz e após o julgamento da ADPF se obteve mais segurança jurídica nesse tema.

Basicamente, dois princípios constitucionais foram confrontados: o direito da dignidade humana e o direito à vida. Como nenhum princípio é absoluto, foi usado o princípio da proporcionalidade para resolver a questão na medida que se buscou analisar até que ponto a dignidade humana é considerada em relação à difícil questão de definir quando começa a vida e quem a define (se é a religião, a moral, a lei ou a ciência), além de ter que se considerar até que ponto prevalece o direito à vida (direito humano fundamental de 1ª geração), que é protegido pelo art. 5º da CF.

Nesse contexto, pode-se observar os fenômenos da racionalização do direito, na medida em que a decisão favorável obtida não foi de interesse exclusivo do juiz (que muitas vezes decide baseando-se em informações da ciência, como foi o caso nessa ADPF, e não em suas crenças, o que  caracteriza uma neutralidade)  nem de um grupo interessado na decisão, mas considerada como uma necessidade da coletividade.

O ministro Marco Aurélio foi o relator da ação que foi julgada oito anos após a sua proposição pela confederação nacional de trabalhadores, que viu que profissionais de saúde poderiam ser condenados por terem interrompido uma gestação de anencéfalo, pois os tribunais julgavam a questão de formas diversas. Ao todo, onze ministros do STF participaram e a ação teve oito votos a favor e dois contra. Por fim, um outro aspecto a ser mencionado  é a historicização do direito, no sentido de que  a dignidade humana e o direito à vida, previstos na CF na época de sua promulgação, foram interpretados e empregados segundo a realidade social em que se encontrava o país.

A decisão do STF permite agora que a mulher possa decidir em prosseguir ou não com a gestação no caso de um feto anencéfalo e tal decisão permite que o Brasil esteja no caminho correto em se tornar cada vez mais em um estado democrático de direito, fazendo com que a constituição federal não seja um mero pedaço de papel (como afirmou Ferdinand Lassale).

 

 

Nome: Allan Patrick Ayres de Souza                     Série: 1ª ano diurno

Bourdieu e a ADPF 54

 Em 12 de abril de 2012 o Supremo Tribunal Federal aprovou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) com 8 votos a favor e 2 contra. O tema da ADPF 54 era pela permissão do aborto em caso do feto ser anencéfalo. Dentre os argumentos favoráveis utilizados estavam, a incapacidade de se tornar uma vida autônoma, e que o feto morreria, se muito tarde, logo após seu nascimento. Considerando essa questão de aborto de anencéfalos, por que tem tanta importancia? E por que gera tanta polêmica? O termo "Poder Simbólico" de Bourdieu explica isso. O Poder Simbólico nada mais é do que uma forma de impor uma certa visão de mundo sobre a sociedade através de demonstrações de poder. Em seu livro “O Poder Simbólico” ele diz: “As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas (...)”. Com isso é possível deduzir que há uma luta de interesses, ou uma luta pelo Poder Simbólico, pelo controle do corpo da mulher. Por um lado há aqueles que lutam por uma maior autonomia da mulher sobre seu corpo e por outro lado há também aqueles que querem preservar valores religiosos em que toda a vida é sagrada e deve ser preservada. E o campo jurídico é importante para o Poder Simbólico porque além de mudar as próprias leis, seu formalismo trás legitimidade perante a sociedade, tornando assim o campo jurídico em um campo de batalha ideológico. Guilherme Ducca Mello Noturno

ANÁLISE DE JULGADO – SOCIOLOGIA ADPF-54

 

O caso da ADPF-54 (Interrupção de gravidez em caso de anencefalia) colocava em “conflito” o direito fundamental da autonomia da vontade da mulher grávida e o direito à vida do feto anencefálico. A partir da sustentação dos ministros e da conclusão de que, em casos de anencefalia não existe potencial de vida extrauterina, verificou-se que tal interrupção de gravidez não configuraria aborto, confirmando, assim, a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126, 128, incisos I e II do código penal. A decisão dos ministros do STF, por 8 votos a 2, fora de que, em casos de anencefalia, o aborto terapêutico não pode ser caracterizado como crime.

Apesar da não unanimidade e de forte influência religiosa contra a decisão tomada, pode-se atestar a laicidade durante o processo da ADPF, uma vez que a participação do CNBB como Amicus curiae foi rejeitada.

Dentro do “espaço dos possíveis”, mesmo que diante de um caso contrário em que uma criança anencéfala sobreviveu por alguns meses fora do útero materno (caso este rechaçado por médicos que afirmam um provável erro de diagnóstico), a solução encontrada para o caso fora a mais coerente.

 PEDRO XAVIER PEREIRA – DIREITO, MATUTINO

 

Bourdieu e a resolução da ADPF 54

 Bourdieu desenvolve sua teoria em meio a questões complexas, impulsionadas pela universalização de direitos no período posterior à Segunda Guerra Mundial, no qual a mera instrumentalização e formalização do direito passou a entrar em conflito com o evidente desenvolvimento de instituições políticas e normas fundamentais com cunho amplamente social. O autor analisa o desenvolvimento do direito posteriormente às grandes teorias do século anterior e movimentações históricas promovidas na primeira metade do século XX. Dessa forma, Bourdieu desenvolve sua tese com visão panorâmica das dificuldades e embates desenvolvidos na sociedade capitalista e a instrumentalização do direito por parte desta. A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54), julgada em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal, não atuou em via contrária ao que prevê o código penal. Portanto, o aborto permanece tipificado pela lei penal como uma prática criminosa sob a qual o estado detém o poder de rechaço. Todavia, a decisão promulgada pela suprema corte expõe o embate no que Bourdieu denomina como ‘’espaço dos possíveis’’. Ficou decidido por 8 votos a 2 que a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto anencéfalo não atinge o que o Código Penal prevê, e, portanto, se trata de uma prática legal. O caso obteve intensa repercussão na sociedade brasileira, instituições detentoras de grande capital social como igrejas católicas, evangélicas e instituições espíritas utilizaram de seu poder simbólico para buscarem criminalizar a prática legalizada pela ADPF, procurando a sobreposição do direito à curta vida do natimorto em detrimento dos direitos fundamentais das mulheres, que, citando o Min. Barroso, ‘’não são útero a serviço da sociedade’’, e, portanto, devem ter sua liberdade de escolha assegurada. Bourdieu busca engendrar a lógica positiva da ciência com a normativa da moral. Sob tal perspectiva, conforme o voto do relator “aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível. (…) o feto anencéfalo, mesmo biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e, acrescento, principalmente de proteção jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida”, se denota a clara conexão entre a lógica científica da impossibilidade de vida do anencéfalo com valores sociais. Portanto, se torna claro que a discussão promovida pela ADPF 54 se trata de um embate de interesses entre classes sociais através do campo jurídico. Através de valores reacionários, instituições historicamente dominantes buscam impor seus interesses e dominar a regulação do campo social. Todavia, conforme afirma a decisão dos ministros, o direito deve adaptar-se constantemente às transformações sociais e abrigar o que a contemporaneidade atesta, que no caso é a superação de valores religiosos seculares, que buscam legitimar a prevalência dos direitos do natimorto em detrimento dos direitos fundamentais da mulher, ser humano capaz e com vida possível. A decisão promulgada pela corte abriu espaço, posteriormente a discussões entre entidades heterogêneas, para a aplicação de uma jurisprudência para casos semelhantes pautada em valores abundantemente racionais, com uma discussão que acopla todos os campos que compõem a vida social, fatos científicos e participação de entidades sociais.

Vinicius Mota Correa de Souza

ADPF 54: uma análise a partir do arcabouço teórico de Pierre Bourdieu

 

A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional de nº 54) trata da interrupção da gravidez em um caso de feto anencéfalo. Em linhas gerais, a anencefalia é definida como uma má formação do cérebro, que se caracteriza pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana. Como se trata de uma patologia letal, mesmo quando o bebê sobrevive ao parto, a vida extrauterina geralmente é inviável por mais que alguns minutos ou horas.

Na referida ADPF, com relatoria do Ministro Marco Aurélio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, como parte requerente, demanda a declaração de “inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código Penal (...)”. Ou seja, a parte requerente demanda que o aborto no caso citado não seja compreendido como crime, tal qual previsto nos artigos acima citados do Código Penal brasileiro.

Apesar da demanda se dar na esfera judicial, trazendo o conceito de “campo” desenvolvido por Pierre Bourdieu em “O Poder Simbólico”, percebemos que a questão revela uma situação de conflito envolvendo diversos campos: campo jurídico, campo médico, campo científico, campo moral e campo social.

Em relação ao “espaço dos possíveis”, conceito que trazemos do mesmo autor, podemos perceber que a demanda em questão consegue se fundamentar com amparo tanto na legislação existente, bem como na jurisprudência, na literatura jurídica e na doutrina. Em relação a legislação vigente, o próprio voto do Ministro Gilmar Mendes evidencia esse espaço dos possíveis.

Mesmo compreendendo a interrupção da gravidez de anencéfalo como aborto, o ministro recorre ao próprio Código Penal e aos “excludentes de ilicitudes” previstos pelo mesmo. Historicizando a norma, Gilmar alega que a legislação penal oriunda da década de 1940 estava inserida em um contexto bastante diferente do atual, o qual não dispunha das possibilidades de diagnósticos trazidas por mais de meio século de desenvolvimento tecnológico e científico. Nesse sentido, a norma deve ser interpretada a luz dos novos tempos.

Ainda dentro do campo dos possíveis, temos as alegações da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que, amparada nos preceitos constitucionais de “dignidade da pessoa humana”, “liberdade e autonomia da vontade”, e “direito a saúde”, coloca a situação de verdadeira “tortura” para a mulher manter a gestação de feto anencéfalo que, por conta de sua condição, não teria a capacidade potencial de sobreviver e ser pessoa. Nesse sentido, não podendo ser pessoa, não existiria um sujeito passivo do crime de aborto.

Por fim, ainda dentro da perspectiva de Bourdieu, a decisão proferida pelo acordão do Supremo Tribunal Federal e as alegações emitidas na referida ADPF revelam as pretensões de universalidade e neutralidade do campo jurídico, que busca fundamentar a decisão com base no próprio ordenamento jurídico vigente, bem como em preceitos médicos-científicos, evitando, dessa forma, manifestações de cunho moral pessoal.

 

Citando a literatura médica aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte intrauterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante.

 

 

            O argumento contido no trecho acima citado evidencia claramente a busca da “neutralidade/objetividade” pretendidas pela ciência como parte da fundamentação da decisão. O outro aspecto de “imparcialidade” consiste no que já tratamos quando falamos do campo dos possíveis, ou seja, na busca de justificar a decisão com base em uma interpretação racional do ordenamento jurídico brasileiro, tentando mostrar a interpretação como um desdobramento racional contido na própria legislação.

 

Saymon de Oliveira Justo

A ADPF54 e Pierre Bourdieu

  Pierre Bourdieu foi um filósofo francês que tem grande relevância no campo jurídico, ainda mais em sua obra “Poder Simbólico”, a qual demonstra o poder exercido pelos grupos sociais mais altos hierarquicamente, sobre o Direito. Esse poder é exercido nos “campos” e no “espaço dos possíveis”. Mais especificamente, a dominação ocorre no campo do poder, que frui por todas as relações humanas, o campo do poder busca a disputa da autoridade, e o espaço dos possíveis é o que legitima certas ações desses campos.
     Portanto, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF54) é notório que há um choque de diferentes campos, o lado mais conservador é o de apoio à vida/cristão, e o lado mais liberal é o jurídico. O ministro Gilmar Mendes teve um voto muito importante para a aprovação da ADPF54, ele considerou que o caso é uma ofensa à integridade física e psíquica da mulher, além de ser considerado uma violação do direito da privacidade e intimidade. Decretando assim, a aprovação da legalização do aborto em casos de anencefalia. Prevalecendo assim, uma disputa de poder demonstrada nos campos socias de Bourdieu.
Luis Fernando de Jesus Ribeiro 1°ano Direito - Noturno

Os “campos” de Bourdieu e a ADPF

 A partir da ótica do filósofo Pierre Bourdieu relativo à legitimidade advinda da esfera jurídica do chamado “Espaço dos possíveis” e do ponto dos conflitos de interesses do que ele chama de “Campo”, podemos relacionar, primeiramente, com a ADPF 54, pois se trata de um atrito entre aqueles que defendem uma moral, que em muitos casos está relacionada a religiosidade e sobre a definição de o que é vida entre a ciência e a tradição cristã.

Relativo ao conflito supracitado, é importante relembrar que o Brasil é um Estado laico, portanto as decisões deveriam estar isentas de influências religiosas, porém, podemos dizer que a religião é um fator que influencia diretamente na moral de um certo grupo, portanto, muitos acabam levando a definição de vida por essa ótica e costumam não apoiar o aborto, sequer em casos de fetos anencéfalos.

Outrossim, a prevalência da “vida” do feto contra a dignidade da pessoa de não ter escolha sobre o próprio corpo e ter que permanecer com uma gestação que já se sabe que não vai desenvolver, podendo trazer, inclusive, danos psicológicos devido à gravidez indesejada.

Entretanto, a resolução do caso foi favorável ao “Campo” da defesa da dignidade do genitor sobre a escolha de como proceder com a gravidez em caso de anencefalia, fica claro portanto, que esse caso é um exemplo de um caso com diversos campos e que a partir de uma discussão conseguiu evoluir no espaço dos possíveis até finalmente chegar a uma tomada de decisão.

Larissa Cristina Ferreira Melo, Direito, Noturno

A Mão Invisível do Poder

 O poder tem diversos nuances, diversos modos de se impor, podendo-se citar a força física, a coerção normativa, a violência simbólica... Já o poder simbólico, aspecto amplamente desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, refere-se a formas sutis, chegando, muitas vezes, a passarem desapercebidas, de coerção e padronização social.

Quando, por exemplo, espera-se uma certa homogeneidade visual para os funcionários de uma empresa, podando-se cabelos longos e soltos, barbas, brincos, anéis e similares, restringe-se, simbolicamente, a liberdade dos indivíduos, ainda que isso passe quase que despercebido pela sociedade em geral.

De outro modo, a utilização de determinados adereços em momentos de lazer também pode reforçar o poder simbólico exercido por determinados grupos na sociedade. Ao se desejar em demasiado um dado relógio, calçado, camiseta, isso pode refletir, também, a necessidade que certos indivíduos têm de se integrarem a um grupo e, para tal, precisam de itens que foram, em certa medida, impostos por grandes empresas e corporações mediante campanhas de marketing e similares.

Nesse sentido, ter ciência da existência do poder simbólico, de sua quase imperceptível presença nas relações sociais, demonstra-se algo de fundamental importância para a tomada de decisões mais precisas e, principalmente, mais conscientes, afinal, como propõe Bordieu, concordando ou não, o poder simbólico é uma realidade.


Wiliam de Oliveira Farias Junior

Pierre Bordieu

 Para Bordieu, o Direito como objeto de estudo levará em conta diversos aspectos sociais, como: campo (território/dimensão), capital (social, cultural, econômico, entre outros) e poder simbólico (formado a partir do exercício de domínio, levando em consideração a relação campo x capital). Dessa forma, o direito não é independente de fatores sociais, pois forças específicas no campo social lhe conferem estrutura, sendo o autor um forte crítico aos teóricos marxistas estruturalistas e aos seguidores de Kelsen.

O Direito tomará por base um espaço possível dentro do espaço social, baseado na legislação, jurisprudência, doutrina e outras literaturas específicas. Sendo assim, a disciplina admitirá uma postura que atenda tanto à lógica científica, quanto à lógica moral, sendo limitada a interpretação dos textos jurídicos conforme estes espaços possíveis.

Apesar de não ser tomado o Direito como instrumento da classe dominante ante a classe dominada, a concorrência entre intérpretes dos textos jurídicos tende a favorecer os dominantes. O Direito, portanto, não é o que deve ser, mas o que é de fato, uma dinâmica de lutas simbólicas para interpretação do mesmo. 

As lutas simbólicas no campo jurídico se configuram como um trabalho de busca pela racionalização da norma, ainda que seja impossível desvincular a interpretação da mesma ao magistrado. O juiz, ao interpretar e conceder veredictos, passa a operar uma historicização da norma, uma nova visão, um novo direito ou novas práticas, mas que precisam necessariamente ser respaldadas nas estruturas sociais. Assim, o direito consagra a ordem estabelecida socialmente ao consagrar a visão do Estado.


Karina Rodrigues Paulino da Costa, Direito, Noturno