Não pode haver ausência
de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou – Manuel de Barros
Manuel
de Barros no poema, “O livro sobre nada”, falava das palavras, mas elas também servem
ao Direito. Este, aliado à política, busca conciliar soluções, mediações, regras
e transformações na sociedade, principalmente na sociedade contemporânea.
Luiz
Carlos Barroso, em “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade
democrática”, demonstra um Direito separado da política, mas também evidencia a
associação entre os dois quando o Direito torna-se um manifesto da vontade da
maioria declarada na Constituição, estando sua aplicação de acordo com a
realidade existente. Entretanto, a realidade brasileira, algumas vezes, parece
indiferente à Constituição vigente na atualidade, gerando embates na estruturação
das atividades dos poderes no país.
Dessa
forma, Barroso elabora um excerto sobre fenômenos cada vez mais presentes na
política ocidental, mas principalmente na brasileira: a judicialização e o
ativismo judicial. Segundo o autor, o primeiro fenômeno é constituído pela
atuação do Poder Judiciário em certas questões que antes eram destinadas ao
Congresso Nacional e ao Poder Executivo, sendo mais evidenciada no país com a
Constituição brasileira de 1988. Já o ativismo judicial refere-se à um modo
específico de interpretar a Constituição, expandindo sua abrangência. Com isso,
torna-se relevante a abordagem de questões sociais, principalmente, pelo STF, o
que torna este órgão um protagonista do interesse público, gerando uma maior
atenção da mídia. De acordo com Barroso, esses fenômenos possuem um caráter
positivo, pois o Judiciário passa a atender demandas sociais que não são acolhidas
pelo Congresso. Contudo, o autor apresenta um caráter negativo também, pois
evidenciam vicissitudes do Poder Legislativo, que passa a perder seu espaço para o Judiciário.
É
notável o papel da judicialização na ADI 4.277 em relação à ADPF 132 sobre o
reconhecimento da união homoafetiva como instituto jurídico. Embora a
Constituição de 1988 silencie-se sobre os sexos dos indivíduos e seus
respectivos relacionamentos, o ordenamento jurídico não pode ignorar a demanda
homoafetiva por reconhecimento, respeito e direitos fundamentais. Embora o
Conselho Nacional de Justiça já tenha determinado a legalidade dos casamentos
homoafetivos nos cartórios do Brasil; na atualidade há a discussão acerca da
aprovação de um Estatuto da Família que considera a unidade familiar apenas a
união entre homem e mulher, além da presente Constituição, no art. 226, §3º,
que reconhece a entidade familiar também como a união estável entre homem e a
mulher. Entretanto, esse reconhecimento em lei é totalmente desprendido da
realidade efetiva do país e esse embate gera a desvinculação entre Direito e
política apresentada por Barroso. Além disso, essa ADI 4.277 é um exemplo do
papel da judicialização no país, pois o Legislativo, seja por perda de fé da
população para com o órgão, ou seja pelo seu enfraquecimento diante dos outros
poderes, faz com que o Judiciário aborde com efervescência temas cada vez mais
em pautas na atualidade, como o reconhecimento da união homoafetiva, dando o
respaldo àqueles que deveriam encontrar suporte na Constituição.
Diante
desses apontamentos citados, o ministro Celso de Mello em seu voto afirmou que,
neste caso, o STF agiu como mediador entre as diferentes forças com legitimação
no processo constitucional. Além disso, o ministro elencou a discriminação e a
exclusão que os homossexuais sofreram desde a expansão colonial lusitana. Com
isso, o ministro argumenta que ninguém deveria ser privado de direitos,
invocando assim o principio da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da
igualdade, do pluralismo, da não discriminação e da busca da felicidade para
considerar legítima a relação homoafetiva como entidade familiar.
Desse
modo, a necessidade de adaptação da lei à realidade é algo incontestável na
sociedade atual, devendo a Constituição ser um reflexo da sociedade. A
judicialização, como foi abordada por Barroso, tem sido um fenômeno atuante de
forma favorável ao lado da democracia. No entanto, o autor faz uma importante
ressalva:
A expansão do
Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia
brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do
Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita
por juízes¹.
Assim,
são necessárias profundas mudanças para que sociedade e o ordenamento jurídico correspondam-se,
principalmente para que o Direito esteja além do papel, que esteja em minha e
em sua boca, que sejam palavras que estejam, sobretudo, onde houver necessidade
e reivindicação. Mello cita então um escrito da desembargadora Maria Berenice
Dias:
Enquanto a lei não acompanha a
evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de
moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas
realidades.
¹ BARROSO, Luiz Roberto. “Judicialização,
ativismo judicial e legitimidade democrática”. Revista Atualidades Jurídicas,
n. 4, jan/fev-2009, Brasília: OAB Editora, p. 19.
Lara Costa Andrade
1º ano de Direito
(Diurno)
Sociologia do Direito