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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

"em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos"

    Na Ação direta de Constitucionalidade 4.277, se pede que o artigo 1.723 do Código Civil brasileiro seja interpretado conforme a constituição, bem como a luz de seus princípios. O voto dos ministros foi unânime em reconhecer a união homoafetiva como uma entidade familiar, possuidora dos mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. Contudo, através dos votos dos ministros surgem questões sobre o protagonismo cada vez maior do judiciário nas questões que caberiam tradicionalmente aos poderes Executivo e Legislativo.

    A questão da união homoafetiva ficou mais de 15 anos em debate no Congresso Nacional, sem que este entrasse em um consenso sobre o assunto. E por isso, a parte da população interessada e angustiada por respostas, recorreu ao judiciário em busca da proteção de seus direitos fundamentais. Segundo Luís Roberto Barroso, esta demanda por justiça é resultado de um acesso maior a informação, bem como consequência da redemocratização brasileira que fortaleceu o poder Judiciário.

Esse protagonismo do Poder Judiciário, fortalecido pelo monopólio da última palavra de que dispõe o Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional,  nada mais representa senão o resultado da expressiva ampliação das funções institucionais conferidas ao próprio Judiciário pela vigente Constituição, que converteu os juízes e os Tribunais em árbitros dos conflitos que se registram no domínio social e na arena política, considerado o relevantíssimo papel que se lhes cometeu, notadamente a esta Suprema Corte, em tema de jurisdição constitucional. (Voto do Ministro Celso de Mello)

    Nesse contexto, a apesar do texto constitucional, presente no art. 226, não permitir explicitamente a união homoafetiva, ele também não a proibi, abrindo uma brecha para sua interpretação, visto que tal silêncio não implica, necessariamente, que a constituição não assegure seu reconhecimento, pois o importante é proteger todas as formas de constituição familiar, sem dizer qual é a melhor. Desta forma, o judiciário, que não é mais somente a boca da lei, possui constitucionalmente o poder de atuar como coparticipante no processo de criação do direito ao ser legitimo para interpretar as expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como ocorrido com o caso da união estável homoafetiva em que impediu que se fosse feita uma interpretação restritiva complexa ideia de família.  

Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria (BARROSO, p.6)

    Além disso, a atuação do Supremo Tribunal Federal se deu de maneira contra a maioria omissa e conservadora existente no legislativo, que deixa muitas vezes prevalecer suas concepções individuais, principalmente de cunho religioso ou moral e violando, por consequência, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Desta maneira, o STF permaneceu ao lado da minoria viabilizando a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade, e da não discriminação, elementos essenciais para a configuração de uma verdadeira sociedade democrática visto que esta, como previu Barroso, não se resume ao principio majoritário. Assim, “o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa” (BARROSO,p. 6). Caso a Corte não cumprisse o seu papel constitucional e fechasse os olhos para essa nova realidade, se agravaria a falta de proteção as minorias ou a desproteção de pessoas que estão tendo seus direitos lesionados, como estava ocorrendo com os homoafetivos.

Sem embargo, em um Estado Democrático de Direito, a efetivação de direitos fundamentais não pode ficar à mercê da vontade ou da inércia das maiorias legislativas, sobretudo quando se tratar de direitos pertencentes a minorias estigmatizadas pelo preconceito – como os homossexuais que não são devidamente protegidas nas instâncias políticas majoritárias. Afinal, uma das funções básicas do constitucionalismo é a proteção dos direitos das minorias diante do arbítrio ou do descaso das maiorias.
Diante deste quadro, torna-se essencial a intervenção da jurisdição constitucional brasileira, visando a garantir aos homossexuais a possibilidade, que resulta da própria Constituição, de verem reconhecidas oficialmente as uniões afetivas. (BRITTO PEREIRA, Procuradora-Geral da República)

    A omissão do legislativo, que não proporcionou uma regulação legislativa a respeito da união homoafetiva, provocou uma proteção insuficiente dos cidadãos que pretendiam resguardar seus direitos fundamentais, bem como aqueles direitos decorrentes da união estável.  Com esta análise, a partir da ótica abordada por Barroso, é possível concluir que a atuação do judiciário neste caso demonstra a Judicialização, visto que este atuou dentro da sua jurisdição constitucional de guardião da constituição. Ademais, os ministros do Supremo Tribunal Federal atuaram também em resposta a uma demanda da população para preservar os direitos fundamentais dos homoafetivos e resguardar o regime democrático, pautando seus votos em questões racionais, com base na Constituição brasileira.

A judicialização, que de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente. (BARROSO, pp. 5-6)

 Mariana Miler Carneiro
1° ano-  Noturno

Judicialização: solução moderna legítima?

Vive-se sob o paradigma de que a divisão dos poderes, ou seja, a atribuição a órgãos distintos e especializados das funções estatais de legislar, administrar e julgar é a forma ideal de garantir a democracia e o respeito aos direitos fundamentais. No entanto, contrariando essa expectativa, atualmente, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira, consolidando a chamada “judicialização”. Essa centralidade do judiciário na tomada de decisões sobre algumas da grandes questões nacionais gera polêmicas e muitas dúvidas: a legitimidade democrática fica comprometida? O Judiciário possui capacidade institucional para decidir acerca de determinadas matérias? A divisão dos poderes é ignorada?

A fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, marcada pela transferência da decisão de questões políticas e sociais importantes das tradicionais instâncias políticas (Congresso Nacional e o Poder Executivo) para o Poder Judiciário torna-se nítida nas discussões sobre o reconhecimento como entidade familiar da união das pessoas de mesmo sexo. Para alguns juristas, o texto constitucional é taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos. No entanto, outra corrente sustenta que o reconhecimento dos direitos oriundos de uniões homoafetivas encontra fundamento em todos os dispositivos constitucionais que estabelecem a proteção dos direitos fundamentais, no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio da igualdade e da não-discriminação, na proteção à segurança jurídica, bem como na noção de que família é caracterizada pelo amor, comunhão e identidade.

Segundo Barroso, a judicialização decorre do próprio modelo de Constituição analítica  e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil.Isso equivale a afirmar que a judicialização não decorre da vontade do judiciário, mas sim do constituinte. Essa concepção justifica o papel central do judiciário na questão do reconhecimento da união homoafetiva:o judiciário foi provocado a se manifestar, ele decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Nesse ínterim, retoma-se à corrente que defende uma interpretação não reducionista do conceito de família, legitimando o papel do Judiciário na decisão acerca do reconhecimento da união homoafetiva: o objetivo constitucional é promover o bem de todos.

Nessa perspectiva, alguns juristas, entre eles Barroso, distinguem o conceito de judicialização de ativismo judicial. Enquanto o primeiro conceito decorre da própria constituição e permite que as discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais, ativando a cidadania; o último termo expressa, com uma conotação pejorativa, a postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Barroso  entende que no contexto de retração do Poder Legislativo, do distanciamento entre classe política e sociedade civil potencializa-se a judicialização, pois com o avanço do neoliberalismo e o afrouxamento das estruturas de direitos sociais, as demandas da sociedade foram canalizadas para o Judiciário, que tornou-se então o “muro das lamentações do mundo moderno”. Nessa óptica, percebemos que as demandas da minoria homossexual brasileira é uma expressão desse processo: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do legislativo prejudicou à  satisfação dessas necessidades, logo deslocou-se para o Judiciário a competência de impedir o sufocamento, o desprezo, a discriminação desse grupo.

Podemos afirmar que a centralidade do papel do judiciário na questão do reconhecimento da união homossexual é uma usurpação do poder, já que criaria uma espécie de “Constituição Paralela”, trazendo um risco à democracia? Ou, de forma oposta, isso permite uma concretização democrática e consolidação das garantias fundamentais, pois representa uma adaptação da visão normativa às necessidades do tempo, viabilizando o “modo de pensar do possível”, uma “teoria constitucional da tolerância”?. O Ministro Joaquim Barbosa parece inclinar-se para  segunda tendência ao sustentar que, pelo descompasso entre os mundos dos fatos e o universo do Direito, cabe ao Judiciário resolver as lacunas entre direitos e sociedade. Nisso se insere a ideia de Konrad Hesse: “o que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição é o que deve ser determinado mediante a incorporação da ‘realidade’ de cuja ordenação se trata”.

 Apesar das dúvidas que evolvem esse processo, das críticas e elogias à “politização da Justiça” fica claro, conforme aponta Barroso, que o Direito sempre terá uma vertente política no que tange à busca da justiça, da segurança, do bem-estar social. Porém, é perceptível também, que Direito não é ou, não deveria ser Política em relação à submissão da vontade de quem está no poder, não deveria tender ao facciocismo, à  valorização de uma maioria em detrimento das minorias. Em ambos os casos, a decisão pelo Judiciário acerca do reconhecimento da união homoafetiva nos trouxe lições  e ganhos importantes, ao derrubar o argumento da “dificuldade contramajoritária” desse órgão de poder, expressando que o Judiciário representa também a população sim, e, ao defender seus direitos, contribui para a construção democrática e preservação da cidadania.  

Em síntese, apesar das controvérsias que envolvem a “politização da Justiça” ou a “Judicialização da Política”, é inegável que esse processo possui uma força crescente no Brasil, é indubitável, também, que dele pode resultar ganhos democráticos, porém, o mais importante é perceber que isso se liga a uma questão mais ampla:  como o Direito legitimamente conseguirá acompanhar as mudanças da sociedade e as consequências resultantes disso? Ou como outrora Boaventura de Souza e Santos já salientava: “enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas”.  Barroso se mostra sensível a esse problemática e sustenta que “precisamos de reforma política; e essa não pode ser feita por juízes”. Fica a questão: quem tem o papel legítimo de realizar a reforma política? quem tem o poder de buscar as soluções modernas? .

Victória Afonso Pastori
1º Ano- Direito Noturno

A questão da união homoafetiva

          O fenômeno da judicialização é encontrado em várias sociedades, mas principalmente nas sociedades democráticas ocidentais. A judicialização é a tomada de decisões pelo Poder Judiciário sobre assuntos polêmicos, ou seja, de grande repercussão no país. Tais decisões eram para ser tomadas pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional. Este fenômeno acontece, principalmente, pela diminuição do poder Legislativo dentro do Estado Nacional.
          No texto de Barroso, ele relata que, nos últimos anos, a expansão do judiciário nessa direção, tem sido alimentada por uma crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo. Segundo ele, a judicialização ocorre por uma necessidade política e poderia ser considerada uma solução mais prática para a crise de representatividade do Poder Legislativo, que é bastante comum no nosso país.
          Porém, a judicialização não deve ser confundida com o ativismo judicial, o qual envolve uma conduta ativa do judiciário, quando este, antecipadamente, utiliza um modo particular para a interpretação da Constituição, ampliando seu sentido e alcance. Já a judicialização, como explicado anteriormente, é uma consequência de vários fatores, como a própria crise de legitimidade citada. Com isso, há uma expansão do judiciário, que passa a preencher certas lacunas deixadas pelo legislativo em variadas questões. As diferenças entre judicialização e ativismo judicial são explicadas por Barroso:

“A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte. O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.” (p.17)

          Um exemplo dessas questões preenchidas pelo judiciário é a ADI 4.277, que traz como pauta um tema muito discutido atualmente: o reconhecimento de direitos na união homo afetiva. Houve o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como uma nova forma de família pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Para tal reconhecimento, é relevante relembrar a frase de Kelsen, que se aplica muito bem ao contexto: “o que não estiver não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Para estes ministros, pela constituição de 1988 utilizar a expressão “família” de forma abstrata, ela não limita a sua constituição apenas por homem e mulher, sendo assim, a união homo afetiva deve ser considerada legitima, pelos próprios princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade contra a discriminação.
          Portanto, levando em consideração a visão de Barroso, conclui-se que o papel do judiciário neste caso evidencia a Judicialização, já que este agiu conforme a sua jurisdição constitucional de guardião da constituição, como o autor explica: “o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes.” (p. 19).


Julia Helena Tury Blumer

1º ano Direito Noturno