Na
Ação direta de Constitucionalidade 4.277, se pede que o artigo 1.723 do Código
Civil brasileiro seja interpretado conforme a constituição, bem como a luz de
seus princípios. O voto dos ministros foi unânime em reconhecer a união
homoafetiva como uma entidade familiar, possuidora dos mesmos direitos e
deveres dos casais heterossexuais. Contudo, através dos votos dos ministros
surgem questões sobre o protagonismo cada vez maior do judiciário nas questões
que caberiam tradicionalmente aos poderes Executivo e Legislativo.
A
questão da união homoafetiva ficou mais de 15 anos em debate no Congresso
Nacional, sem que este entrasse em um consenso sobre o assunto. E por isso, a
parte da população interessada e angustiada por respostas, recorreu ao
judiciário em busca da proteção de seus direitos fundamentais. Segundo Luís
Roberto Barroso, esta demanda por justiça é resultado de um acesso maior a
informação, bem como consequência da redemocratização brasileira que fortaleceu
o poder Judiciário.
Esse protagonismo do Poder Judiciário, fortalecido
pelo monopólio da última palavra de
que dispõe o Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, nada
mais representa senão o resultado da expressiva ampliação das funções institucionais
conferidas ao próprio Judiciário
pela vigente Constituição, que
converteu os juízes e os
Tribunais em árbitros dos conflitos que se registram no
domínio social e na
arena política, considerado o
relevantíssimo papel que se
lhes cometeu, notadamente a
esta Suprema Corte, em tema de jurisdição
constitucional. (Voto do Ministro Celso de Mello)
Nesse
contexto, a apesar do texto constitucional, presente no art. 226, não permitir
explicitamente a união homoafetiva, ele também não a proibi, abrindo uma brecha
para sua interpretação, visto que tal
silêncio não implica, necessariamente, que a constituição não assegure seu
reconhecimento, pois o importante é proteger todas as formas de constituição
familiar, sem dizer qual é a melhor. Desta forma, o judiciário, que não
é mais somente a boca da lei, possui constitucionalmente o poder de atuar como coparticipante
no processo de criação do direito ao ser legitimo para interpretar as
expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como ocorrido com o caso da união estável
homoafetiva em que impediu que se fosse feita uma interpretação restritiva complexa
ideia de família.
Se uma norma
constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva,
ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria (BARROSO, p.6)
Além
disso, a atuação do Supremo Tribunal Federal se deu de maneira contra a maioria
omissa e conservadora existente no legislativo, que deixa muitas vezes
prevalecer suas concepções individuais, principalmente de cunho religioso ou
moral e violando, por consequência, os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Desta maneira,
o STF permaneceu ao lado da minoria viabilizando a plena realização dos valores
da liberdade, da igualdade, e da não discriminação, elementos essenciais para a
configuração de uma verdadeira sociedade democrática visto que esta, como
previu Barroso, não se resume ao principio majoritário. Assim, “o Judiciário
decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa” (BARROSO,p. 6). Caso
a Corte não cumprisse o seu papel constitucional e fechasse os olhos para essa
nova realidade, se agravaria a falta de proteção as minorias ou a desproteção
de pessoas que estão tendo seus direitos lesionados, como estava ocorrendo com
os homoafetivos.
Sem
embargo, em um Estado Democrático de Direito, a efetivação de direitos fundamentais não pode ficar à mercê da vontade ou da inércia das maiorias
legislativas, sobretudo quando
se tratar de direitos pertencentes a
minorias estigmatizadas pelo preconceito – como os homossexuais – que
não são devidamente protegidas nas instâncias políticas majoritárias. Afinal, uma das funções básicas do
constitucionalismo é a proteção dos direitos das minorias diante do arbítrio ou do descaso das
maiorias.
Diante deste quadro,
torna-se essencial a intervenção
da jurisdição constitucional brasileira, visando a garantir aos homossexuais a possibilidade, que resulta da própria Constituição, de verem reconhecidas oficialmente as uniões afetivas. (BRITTO PEREIRA, Procuradora-Geral
da República)
A
omissão do legislativo, que não proporcionou uma regulação legislativa a
respeito da união homoafetiva, provocou uma proteção insuficiente dos cidadãos
que pretendiam resguardar seus direitos fundamentais, bem como aqueles direitos
decorrentes da união estável. Com esta análise,
a partir da ótica abordada por Barroso, é possível concluir que a atuação do
judiciário neste caso demonstra a Judicialização, visto que este atuou dentro
da sua jurisdição constitucional de guardião da constituição. Ademais, os ministros do Supremo Tribunal
Federal atuaram também em resposta a uma demanda da população para preservar
os direitos fundamentais dos homoafetivos e resguardar o regime democrático,
pautando seus votos em questões racionais, com base na Constituição brasileira.
A judicialização, que de
fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica
da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel
constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente. (BARROSO,
pp. 5-6)