Desde seus surgimentos, a Filosofia e a Sociologia já abrangeram variados temas e discussões, como o entendimento da relação do homem para com o meio em que vive, a própria análise qualitativa da definição de "homem", área conhecida como Ontologia; a Ética, a Epistemologia, entre outros campos diversos. Entretanto, houve sempre um assunto recorrente em ambas as áreas e situado entre sua intersecção, o estudo da liberdade individual, suas implicações para com cada indivíduo, e principalmente, suas implicações para com a sociedade, na qual a oposição entre coletividade e individualidade se torna intrínseca e inexorável, e portanto, passível de análises sociológicas, antropológicas e filosóficas.
Para uma análise sociológica efetiva sobre esta relação, não haveria outro caminho senão a basear em autores célebres que já versaram sobre este mesmo tema, sendo eles Charles Wright Mills e Marilena Chauí. Apesar de serem de contextos históricos e sociais disntintos, ambos versaram sobre assuntos comuns e relacionados, como a forma que os indivíduos se comportam em sociedade, frente ao cerceamento de suas liberdades individuais. Sendo assim, percorrerei suas teorias relacionadas, Imaginação Sociológica de Mills, e os tipos de juízo de Marilena, a fim de ao menos instigar reflexões importantes nos leitores.
Mills conceitua a Imaginação Sociológica a partir de preceitos importantes, dos quais o entendimento é imprescindível para o entendimento desta, sendo eles a perda da consciência externa e abrangente dos indivíduos, em razão da limitação que suas vidas privadas impõe a eles; as rápidas transformações sociais que originam uma sensação de "crise de valores" nos indivíduos que percebem que seus valores foram substituídos ou alterados, culminando numa apatia destes mesmos indivíduos frente a situações coletivas; e a análise de todo o contexto histórico e social de uma sociedade, bem como de seus indivíduos, a fim de romper com abordagens deterministas e com abordagens sumamente individualistas.
Desta maneira, a Imaginação Sociológica apresenta-se como a única ferramente capaz de romper com a alienação causada pelo acúmulo de experiências privadas em detrimento da coletividade, fazendo com que os indivíduos em posse dela entendam que as perturbações vividas em sua esfera privada (esfera micro) modificam e são modificadas por questões públicas de ordem coletiva (esfera macro), ou seja, que por mais individuais que sejam, acontecimentos privados remetem sempre à noção de coletividade.
Situações contemporâneas como o crescimento abrupto de condomínios em detrimento de espaços públicos e a descriminalização geral do porte de armas no Brasil, exemplificam a oposição entre individualidade e coletividade, uma vez que em ambos os exemplos, a limitação da consciência imposta pela vida privada de cada indivíduo acaba implicando negativamente na vida pública e coletiva. Desta forma, enquanto o argumento para a construção de condomínios autossuficientes e isolados do restante das cidades, assim como os argumentos para a liberação do porte de armas de forma mais acessível á população forem o favorecimento do indivíduo sob uma perspectiva exclusivamente individualista, toda a coletividade sofrerá as consequências negativas, sendo essas, respectivamente, a decadência dos espaços públicos de convivência, bem como das interações sociais subjacentes; e o aumento da violência, furtos, assassinatos e acidentes.
Marilena Chauí também ilustra esta linha de raciocínio exposta acima ao expor e opor dois tipos juízos, isto é, entendimentos acerca de algo, sendo o Juízo de Fato e o Juízo de Valor; este se refere aos entendimentos construídos dentro das perspectivas exclusivamente individuais de cada indivíduo, sendo, portanto, subjetivo, já esse se refere aos entendimentos que independem da subjetividade, ou seja, baseiam-se em fatos. Em situações em que o Juízo de Valor, instrospectivo e individual, é posto em prioridade em relação a um Juízo de Fato, científico e incontestável, situações como as expostas acima podem ocorrer, uma vez que, no exemplo da expansão da segregação social motivada pelo crescimentos dos condomínios, o entendimento de que, frente à possibilidade de melhoria e desenvolvimento de espaços coletivos de socialização, a melhor escolha a ser feito é a construção de mais espaços privados, representa a escolha do Juízo de Valor, em detrimento do Juízo de Fato, o qual representaria, nessa situação, o entendimento das consequências de tal segregação social para um bom funciomento do corpo social.
Conclui-se, principalmente de forma reflexiva, que o limite do individualismo é a coletividade, caso esse afete negativamente esta. Espero veementemente que o leitor tenha apreendido a relevância das abordagens de Mills e da Marilena acerca da questão levantada, mas sobretudo, a relevância de Mills, que, com a Imaginação Sociológica, nos dá os meios necessários para uma manutenção ativa da sociedade. Deixo, em conformidade com a proposta inicial do texto, algumas reflexões relevantes para os ávidos e curiosos leitores acerca de um tema muito presente hodiernamente, o Aborto: Em que ponto a criminalização do aborto abrange questões coletivas e não exclusivamente individuais? Qual a relevância de crenças individuais para decisões políticas amplas? Qual bem público o Estado privilegia ao inviabilizar o aborto? A quem interessa a inviabilização do aborto?
Teodoro Susi Alves
Direito Noturno - 1 semestre