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domingo, 23 de março de 2025

A (des)imaginação sociológica na hodiernidade

Reconhecido como um grande expoente da produção sociológica norte - americana, Charles Wright Mills foi um professor, sociólogo e pesquisador consagrado por suas reflexões críticas acerca das relações entre a sociedade, as ações individuais e as grandes estruturas socias, criando uma ponte entre o micro e o macro social. Em sua obra célebre "A imaginação Sociológica", o autor discorre a respeito da importância do indivíduo social, principalmente do sociólogo, de deter esta imaginação sociológica, isto é, livrar-se de sua órbita privada de mundo, marcada por aspectos do cotidiano social do indivíduo responsáveis por limitar sua percepção, para poder compreender de maneira ampla a realidade, sem influência de paradigma pessoais, como também, a conexão entre as questões individuais e as forças sociais que moldam a vida cotidiana.

Mesmo se tratando de uma obra escrita e publicada no século XX, portanto, baseada em um momento e uma época distinta da atual, a falta de aplicabilidade do conceito de imaginação sociológica, criado pelo autor, ainda se faz presente. Este fato torna-se visível no caso envolvendo o filho do cantor Mussum, o qual foi impedido de sair de um shopping no Rio de Janeiro acusado de roubar a própria moto, uma vez que, os seguranças, incumbidos de "achismos" e ideais racistas enraizados na mentalidade social, caracterizados por julgar todo individuo preto ou pardo como ladrão, realizaram esta distinção envolvendo o jovem, baseando-se em preceitos próprios, não analisando, assim, de forma sociológica e ampla da realidade vivenciada.

Para Mills, a imaginação sociológica tem como princípio a capacidade de compreender como as experiências pessoais se relacionam com as estruturas históricas e sociais mais amplas, visto que, a história, o tempo e a época vivenciada são essenciais para compreender de forma completa os problemas individuais. Desse modo, a acusação de furto proposta pelos seguranças ao filho do cantor não se trata de um caso isolado, mas sim, está inserida em um contexto de racismo estrutural nas relações sociais que, mesmo após diversas leis criminalizando este tipo de ato, práticas preconceituosos e ideais arcaicos ainda são proferidos de forma explícita e velada.

Ademais, vale ressaltar que, para o autor, ao não compreender o movimento contínuo de mudanças a qual está sujeita a sociedade e não compreender a relação entre esta transformação histórica e sua experiência individual, o indivíduo entra em crise, vislumbrando seus valores e ideais mais pessoais sendo ameaçados. Diante deste panorama, grupos radicais e supremacistas como o Ku Klux Klan emergem, utilizando-se da violência e do terror, afim de tentar manter seus valores e a ordem social vigente.

Posto isso, em suma, evidencia-se a importante contribuição da obra de C. Wright Mills para a sociologia, pois oferece, ainda de forma bem atual, uma análise crítica e profunda das relações sociais, buscando entender as complexidades do mundo contemporâneo e do comportamento humano. Com isso, a utilização da imaginação sociológica permitiria que o indivíduo se distanciasse das explicações simplistas e passe a perceber o impacto das instituições, da economia, da história e da política em sua vida, evitando casos com os abordados.


As universidades públicas como espaço de produção do conhecimento: entre a razão científica e ideologias

          As instituições públicas sempre se mostraram essenciais para a produção e o avanço do conhecimento na historicidade humana, seja nos centros acadêmicos medievais, que empregavam os primeiros estudos do Direito, até os dias hodiernos, com a realização de pesquisas que impactam diretamente a função prática da organização e transformação do mundo nas mais diversas áreas de aprendizagem. Nesse âmbito, convém pontuar como certas concepções atuais, de viés conservador, vêm descredibilizando e atacando as universidades de caráter popular, utilizando-se de uma "suposta doutrinação ideológica" empregada dentro das mesmas para invalidar seu papel como mediadoras e democratizadoras do saber nas sociedades. Por esse prisma, são válidas as seguintes reflexões: como as concepções filosóficas de Descartes e Bacon refletiriam sobre essa temática? E qual a importância da perspectiva de Karl Mannheim para a autenticação das ciências universitárias?                                                 

 Em consonância a isso, sob a ótica de Descartes, em seu livro ''Discurso do Método'', a racionalidade e a dúvida metódica são imprescindíveis para a construção do conhecimento. Dessa forma, o filósofo moderno, em sua visão racionalista e pragmática, buscaria abordar a questão do papel e da influência ideológica das instituições públicas de maneira a reforçar a necessidade de uma autonomia de ideias baseada na subjetividade e na importância do método científico na produção do saber universitário. Dessarte, para o intelectual empirista Francis Bacon, a produção acadêmica dos centros de ensino superior deve ser pautada, assim como na visão descartiana, em dados concretos e verificáveis, e não apenas em discursos teóricos, sendo validada, especialmente, pela observação e experimentação.                                                                                                                      

  Outrossim, observa-se que ambas as perspectivas convergem para a importância da razão e do seguimento de métodos científicos para a validação e o "progresso" da intelectualidade universitária. Entretanto, de acordo com Karl Mannheim, em sua obra *Ideologia e Utopia*, "nenhuma instituição é completamente neutra, e o conhecimento produzido nessas organizações não é livre de influências ideológicas, pois o contexto social e as relações de poder sempre influenciam o que é considerado 'legítimo' ou 'válido' no campo do saber".  Sob essa ótica, convém destacar que a presença de doutrina não invalida o campo acadêmico das universidades públicas, mas, na verdade, o aprimora, já que essa imersão em cenários socioculturais, políticos e históricos diversos possibilita uma análise mais plural e enriquecedora do conhecimento. Em função disso, para o sociólogo húngaro, o problema não está na influência de fatores externos, que poderiam invalidar e relativizar o conhecimento dentro das instituições, mas na falta de consciência crítica para alcançar uma visão mais reflexiva e precisa da realidade, permitindo o desenvolvimento de um saber menos dogmático, aberto a revisões e novas perspectivas.  

 Logo, analisa-se que as universidades públicas não são neutras, uma vez que nenhuma instituição se apresenta totalmente imparcial, mas isso não compromete suas produções científicas, já que, em sua maioria, devem seguir métodos rigorosos de validação e análise crítica da realidade. Dessa forma, percebe-se a necessidade de coexistência entre as perspectivas de Descartes e Bacon, que valorizam a racionalidade e os métodos científicos, e o reconhecimento da pluralidade de contextos e influências socioculturais, políticas e históricas de Karl Mannheim, para garantir um ambiente acadêmico que respeite a diversidade de ideias, sem abrir mão da razão e da comprovação empírica.

Saúde Mental e a Perspectiva Sociológica

Mills C. Wright define a imaginação sociológica como a ligação entre experiências individuais e sistemas sociais mais amplos nos quais questões de saúde mental orientadas para o indivíduo, como ansiedade e depressão, decorrem das condições econômicas, políticas e culturais predominantes. Muitas pessoas concordam que a saúde mental é geralmente considerada um problema individual perplexo, mas, quando examinada sociologicamente, torna-se ainda mais complicada.

Em A Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han, argumenta que vivemos em uma sociedade caracterizada por excesso de autopositividade e autocobrança. A realidade atual é caracterizada, entre outras coisas, por uma pressão por desempenho exploratório que contribuiu enormemente para o aumento dos casos de transtornos psicológicos. Aqui, as pessoas não são mais forçadas a atender a padrões externos; em vez disso, estabelecem limites para si mesmas sob a premissa de que o sucesso e o fracasso são determinados exclusivamente pela quantidade de esforço que um indivíduo investe. Essa mentalidade traz uma cultura de fadiga, onde não fazer nada é traduzido como desperdiçar tempo, e qualquer manifestação da necessidade de descanso é equiparada ao fracasso.

Por meio da perspectiva da imaginação sociológica, ela observa que a crise da saúde mental não é um problema clínico ou individual, e sim um fenômeno social. O aumento de casos com diagnóstico de burnout, ansiedade e depressão não é solucionável apenas em nível biológico ou psicológico.


Jessyca Pacheco Almeida, 1º semestre, direito matutino 

A convocatória da imaginação sociológica: um domínio implacável.

 Partindo de um premissa holística do sociocultural vista em “A Imaginação Sociológica” de Charles Wright Mills. Gostaria de estabelecer um paralelismo entre o imaginar e o dominar, incitando a reflexão sobre o conceito previamente concebido de alteridade. Ponderando que, anterior a necessidade de impor o domínio sobre o Outro, primeiro há que percebê-lo ontologicamente como digno de domínio.

 Para isso utilizo o O capítulo "Dos Índios" da Constituição Federal de 1988 no Título VIII, "Da Ordem Social" composto pelos artigos 231 e 232 e o contexto socio-histórico da luta pela hegemonia colonial nacional que imprime a relação intrínseca da imaginação para obtenção de controle, nesse caso, etnocida. Durante a tensão do contato interétnico, houve uma lógica popular de desumanização das populações indígenas. O indígena e sua cultura no Brasil, imaginados como uma “res nullius” maleável ao coletivo. O que legitimou uma práxis predadora sobre os povos indígenas que perdura até hoje.  

 Ao Inventarmos a nós mesmos como a “normalidade” do ser humano, definindo-nos como modelo numa escala de valores autorreferencial, a realidade plural, infinita e, sobretudo, invasora que nos rodeia (Como discorre Viveiros de Castro em “Nativo Relativo”). A autorrepresentação da humanidade “verdadeira” e excludente interatua com pré-conceitos difundidos para/e pelo imaginário popular e dialoga com o que Everardo Rocha em 1984 chama de “monólogo etnocêntrico”.

 Ailton Krenak, figura em destaque no capítulo da constitucionalização dos direitos indígenas, diz que “uma sociedade que não tem novas configurações está fadada ao desaparecimento". A busca por transformações sociais efetivas e abrangentes é inerente a transformação do imaginário popular. E assim, o imaginário social se mantém ao mesmo tempo que metamorfoseia, pode ser revolucionário enquanto conservador, emancipador e nocivo. Em todos os momentos inescapável.



                              -Elisama I. S. Braga, 1º ano de direito matutino. 

Imaginação sociológica e o Direito

 A imaginação sociológica, proposta por Charles Wright Mills, é uma ferramenta do pensamento pela qual o individuo pode compreender o contexto histórico em que está inserido de maneira ampla, ao decifrar implicações para sua realidade intima e social. Na atualidade, os rápidos avanços tecnológicos facilitaram o acesso à informação, e nesse contexto, a imaginação sociológica torna-se indispensável para entendermos o que se passa no mundo com discernimento.

Para um jurista, tal capacidade é indispensável, em especial pela natureza conflituosa das relações sociais que ele deve mediar e compreender, ou até mesmo para permitir o avanço e o cumprimento dos direitos de grupos historicamente oprimidos na realidade brasileira, como negros, indígenas, mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+.

Contudo, exemplos recentes demonstram que o mundo jurídico também reproduz preconceitos inaceitáveis, como demonstra o caso recente do advogado que, em petição, afirmou que a juíza se tratava de uma “magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites”.

O racismo do advogado, para além de uma conduta criminosa, reflete uma falta de compreensão do contexto maior em que está inserido de miscigenação e racismo estrutural, uma vez que ele reproduz o discurso de que pretos e pardos são cheios de “vitimismo” ou “mimimi” por lutarem justamente para que situações como esta tornem-se inexistentes e inaceitáveis.

Assim, comprova-se a necessidade da imaginação sociológica para o exercício pleno do direito enquanto meio de transformação e avanço rumo à uma sociedade mais justa e igualitária.

A Importância de um Pensamento Altruísta e Imparcial para a promoção da Justiça

 

Atualmente, observa-se uma constante negação dos direitos humanos em razão de ideologias extremistas. Nesse sentido, quando tais situações invadem a jurisdição, imediatamente, preocupamo-nos. Pois, afinal, o tribunal deveria ser um ambiente de imparcialidade.

Imagine-se na seguinte situação: você sofreu um crime de importunação sexual. No entanto, o juiz que julgou seu caso acredita firmemente que isso só aconteceu porque VOCÊ, de alguma maneira, provocou isso, seja pela sua roupa ou mesmo por seu comportamento. Certamente, o que o juiz acredita, nestes casos, está ligado com a sua própria ideologia como um ser humano, o que muitas vezes não condiz com a realidade e não possui fundamentos práticos. Consequentemente, você e muitas outras pessoas, que poderiam passar por esta situação, são constrangidas e privadas de alcançar a sua justiça, por causa da falta de profissionalismo destes juristas. René Descartes nos introduz essa mesma ideia com o princípio de “Deve-se evitar toda a precipitação e preconceito ao se analisar um assunto”.

É interessante analisar que, quando colocadas sob a realidade social, as ideologias se tornam egoístas e causam até mesmo injustiças, o que é paradoxal com o objetivo mor da justiça em sua matriz. Portanto, é ideal que profissionais relacionados à área jurídica tenham, principalmente, altruísmo para com quem necessita de ajuda judicial.

Faz-se mister lembrar que somos humanos e que é quase impossível ser TOTALMENTE imparcial. Entretanto, é necessário que juristas parem de “olhar para o próprio umbigo” e pensem menos no “o que eu acho que é certo” para que esqueçam de suas ideologias durante a mediação de um caso. Dessa forma, a justiça, no seu conceito ideal, poderá ser mais facilmente alcançada quando uma situação é julgada com base em fatos da realidade social.

Ao imaginar sociológico

 Em uma sociedade que busca por informações express, e indivíduos que se veem necessários de assumirem personas “especialista de mundo” e “filósofos da internet”, que tudo sabem e a todos assuntos dominam, criamos pessoas incapazes de pensarem por si próprios, e fazerem decisões assertivas desenvolvidas por uma linha de pensamento sem bruscas influências externas.


No entanto, essa falta de razão própria, performando-se como uma questão coletiva, possivelmente se atribui a algo ou alguém, existindo motivos para que a sociedade se encontre pouco cativada aos seus próprios pensamentos. Então, a quem deve ser atribuída a culpa de uma cultura de pouco ou nenhuma assimilação de suas próprias opiniões e desejos? Aos homens que se sentem confortáveis na mediocridade do pensar, que preferem não sentir o desconforto que é adquirido durante a descoberta, a aqueles que são indiferentes as calamidades do mundo e se tornam apáticos a terceiros, ou até mesmo ao capitalismo, que se fortalece ao estar apoiado na facilidade que é encontrada ao manipular uma mente já adormecida e mansa? 


Tendo esses questionamentos, é possível conectá-los a conclusões alcançadas por C. Wright Mills, quando elabora sobre os aspectos da vida do homem enquanto jurista de seus próprios atos e discorre “Sua visão, sua capacidade, estão limitadas pelo cenário próximo [...] e permanecem espectadores”. É viável então, observar uma análise crítica de um cenário social deslocado do mundo das ideias, que apenas observa a vida passar aos seus olhos sem ver a necessidade de iluminá-la com uma visão própria dos seus arredores. 


E com essa limitação forma-se a sociedade alienada a uma básica absorção de conteúdos vazios que são entregues a espectadores famintos por opiniões prontas, não se permitindo elaborar a linha de pensamento, citada anteriormente, para a obtenção de uma retórica própria a si, dependendo solenemente de ferramentas de escape moldadas para transformarem um indivíduo pensante em um produto de captação.


Finalmente, em contrapartida, basta a nós estudantes nos libertarmos das amarras de uma estética formulada para massas e caminharmos ao encontro da nossa própria imaginação sociológica, trabalhando nosso individualismo, para que finalmente possamos encontrar alívio na auto-análise de nossos pensamentos.


Maria Helena Freitas - Direito, 1ºano Noturno.

A consciência do pessoal inserido no social.

  Em uma sociedade extremamente individualista e globalizada, seguindo as tendências capitalistas, um pode se imaginar como ente separado do coletivo. Nesta realidade distante da vida comunitária, o individuo muitas vez não é capaz de entender que suas ações são influenciadas pelo seu contexto social. O dever do cidadão, assim, é o de entender o todo e, portanto, compreender a si próprio: ele é um produto do social.

   A pessoa individualista se faz prisioneira de uma bolha, e é incapaz de analisar seu entorno. Não percebe quando seus problemas - e os dos outros - são fruto de mazelas sociais. Por isso, se faz necessário o entendimento daquilo que é chamado de "imaginação sociológica" por Charles Wright Mills. A imaginação sociológica é a capacidade de entender as relações entre o todo e o privado (pessoal). Em muitas sociedades tribais, há a noção de comunhão com o povo, natureza e ancestrais. Num sentido secular, essa é a imaginação sociológica. 

   Em conseguinte, o estudo da sociedade é uma ciência submetida a todos os seus métodos tradicionais: tese, pesquisa e análise, sendo também falseável, mas sempre com a sensibilidade necessária para tratar de problemas humanos. É a habilidade de ver o indivíduo como parte de uma teia maior de relações sociais históricas e de entender como isso influencia seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. O sociólogo, dessa maneira, não pode se alienar de suas ideologias pessoais, porém precisa se manter o mais neutro possível.

A FALTA DE IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA E O CONFLITO DA CULTURA DE MASSAS.

A cultura de massas foi um conceito estabelecido por Adorno e Horkheimer, sociólogos alemães que perceberam uma extensiva produção cultural voltada para o entretenimento e lucro, caracterizada, também, pela ausência de autenticidade. Tal conceito, extrapola apenas os limites comerciais e passa a ser molde ideológico nos países, de tal modo que passa a ser importante para que as potências econômicas contemporâneas exportem sua “cultura de massa”, como meio de propagação ideológica.

A imaginação sociológica, por sua vez, desenvolvida inicialmente por Walter Mills, busca demonstrar como a vida particular dos indivíduos se vincula aos mais amplos contextos sociais. Trata-se sobre o olhar com maior nível crítico àquilo que está a sua volta, perceber como aquilo que, muitas vezes, parecem pequenas ações, afetam o coletivo ou vice versa.

Feita essa breve apresentação sobre ambos os conceitos, chega o momento de uni-los. Inegável é o embate  geopolítico entre o Ocidente e o Oriente, sendo a parte ocidental fortemente influenciada pela maior potência econômica atual, os Estados Unidos (EUA) e a parte oriental têm visto a ascensão da China no cenário global. É óbvio que ambas as nações entram em embates, sejam econômicos, como também em exportação cultural. Especificamente o Brasil se apresenta dividido, parte da nação vê os EUA como molde a ser seguido, enquanto outra parte toma a crescente chinesa como algo a se espelhar. Ante o cinema (uma das formas de propagação da cultura de massas) a China figura com sua animação “Ne Zha 2” entre os 5 filmes de maior bilheteria da história, sendo o único não produzido pelos EUA, apenas exemplificando tal embate.

Posto o cenário (de embate entre cultura de massas), há de se olhar para o problema, a falta de imaginação sociológica da população, portanto, de olhar crítico para que o que ocorre. Tal ausência permite justamente que uma dominação ideológica ocorra, quase que de forma imperceptível, não apenas isso, como também gera pessoas que apoiem a exportação cultural. Porém, quando isso acontece em um país dividido por duas ideologias diferentes e tidas como opostas, há um conflito de ódio, onde não há argumentos a excessão daqueles pautados em pré-conceitos enraizados. O ponto fundamental é, se a população possuísse uma imaginação sociológica, perceberia essa forma de dominação e o verdadeiro conflito seria para não se render a ela e não sobre qual defender.










O silêncio dos desiguais

O princípio da isonomia diz que igualdade perante a lei significa tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida das suas desigualdades. Contudo, mesmo após a abolição da escravidão por exemplo, ainda há resquícios de racismo - ainda que de forma inconsciente – o chamado racismo estrutural, em várias esferas da sociedade.

A escritora Grada Kilomba trata em seu livro sobre o racismo no meio acadêmico. Nele, ela descreve sua experiência estudando na Alemanha e como somos ensinados sobre história pelo ponto de vista eurocêntrico. Estudiosos brancos involuntariamente tendem a calar a voz daqueles que na obra a autora se refere como “outros”, colocando-os em subordinação ao sujeito branco.

No Brasil, a Lei de Cotas foi um mecanismo criado que reservou 20% das vagas para pretos e pardos em concursos federais e universidades públicas. Esta é uma política afirmativa que tem como objetivo diminuir as desigualdades raciais em nosso país. Todavia, isso não acabou com o racismo.

Kilomba relata em sua obra sobre um episódio em que foi impedida de entrar na biblioteca da Universidade Livre de Berlim por uma funcionária branca. O que nos remete a dificuldade que pessoas marginalizadas têm de frequentarem certos espaços. Que seus corpos – nesse caso – não são lidos como corpos acadêmicos.

Conclui-se, portanto, que o princípio da isonomia vale para todos. E é necessário que toda a sociedade colabore e dê condições para que as classes marginalizadas ocupem os espaços que querem e que lhes cabem.

Lorraine de Oliveira Maciel – 1º ano – Direito - Matutino

A Imaginação Sociológica como força motriz do progresso

 

A ditadura militar é um período da história brasileira que é cotidianamente citado pelas figuras da extrema direita que atuam movendo massas nas redes sociais, através da propagação de ideias que vangloriam esse período de extremo autoritarismo político. Esse cenário é apresentado como seguro, moralmente correto e estável, sendo associado diversas vezes a figura de Jair Bolsonaro, atualmente inelegível, como a pessoa que será responsável por trazer esse “momento de glória” de volta ao país.

No entanto, o cômico dessa situação é que esses grupos, defensores do golpe militar e clamadores pelo seu retorno, organizam-se para se manifestar através de passeatas nas ruas ou pelas redes sociais, sendo que as manifestações de qualquer tipo eram repreendidas violentamente e indivíduos que se posicionassem contra o governo, torturados. Em outras palavras, os manifestantes estão lutando pela volta de um Estado que é contra as manifestações, tornando claro a falta de embasamento científico e racional de suas ações.

Nesse sentido, a ideia do termo Imaginação Sociológica, de Charles Wrigth Mills, apresenta-se para explicar o contexto das questões sociais sobre os assuntos recorrentes no cotidiano, ou seja, acabar com as concepções não científicas do mundo sobre o que é comentado. Dessa forma, ao utilizar a concepção do termo usado por Mills, o desejo da volta do regime militar seria extinguido pela observação dos acontecimentos presentes naquele período e a contradição das ideias de grupos defensores dele.

Portanto, a Imaginação Sociológica mostra-se importante para a sociedade ao impedir que que os indivíduos cometam erros dos quais se arrependerão ou que repitam os mesmos erros de seus antepassados, contribuindo para um progresso da humanidade e uma libertação do seu ciclo vicioso de ordem e caos.


Matheus Goes Rosella, 1º ano - Direito (Noturno)

 

Tic Tac: o ressoar da perturbação.

O amanhecer de um novo dia vinha acompanhado da necessidade de encarar sua atual situação, estava desempregado. Encarar o relógio enquanto tomava seu café somente o lembrava que em exatos 15 minutos deveria comparecer a rodoviária municipal para iniciar mais um dia de trabalho. Hoje não seria assim. Ele não possuía mais um emprego. O tic tac ressoava pelo ambiente e penetrava seu ser como se o relógio estivesse instalo dentro de si e não na parede da cozinha. Não aguentaria ficar dentro de casa. Precisava procurar um novo emprego. Precisava findar suas perturbações.

...

O bar de seu Jão era o ponto de encontro dos finais de semana com os amigos para beber. Hoje era quarta feira e ele estava lá. Não era noite e não havia nenhuma comemoração, ele estava desempregado, mas ali não havia relógios nas paredes. Não havia o tic tac incessante. Não havia a rotina perdida. Não havia somente suas perturbações. Havia os outros. Havia suas conversas. Havia bebida; e suas perturbações eram deixadas de lado por algumas horas. Era um escape. Seria somente hoje, um único dia e depois ele enfrentaria os relógios que ressoavam dentro de si.

...

Não fora somente uma noite. No dia seguinte ele voltara lá, conversara com outros, falaram de suas perturbações. Não foram duas ou três conversas. Foi-se uma tarde toda. Descobriu que outros também sentiam os tics dos relógios dentro deles. Que eram desempregados e que o bar de seu Jão era o refúgio durante o dia. Que também eram perturbados. Nunca reparara que existia tantos como ele, que não era o único assim.

...

Ele parou de ir ao bar do Jão, eram muitas pessoas iguais a si. Tentara ir a um boteco em outro bairro mais afastado, mas a situação foi a mesma. Todos que iam ali nesse mesmo horário estavam em situações semelhantes. No fim ele desistiu, decidiu voltar para sua casa. Ao menos lá ele não se depararia com outros dele mesmo, lá teria que lidar somente consigo mesmo. E é claro, com o relógio. Esse era uma inquietação que poderia resolver naquele momento. Ligaria a TV, o som dela de certa forma não o deixaria ouvir o tic tac do objeto. Agora só faltava arrumar um novo emprego e tudo iria voltar ao normal.

Em casa, ele ligou a TV. O jornal era o programa daquela hora. Fazia tempo que não o via, não possui quase momentos para o ver. Era empregado, tinha rotina a seguir até não ter mais, até poder ir ao bar de quarta feira e depois no boteco do bairro vizinho, tudo a tarde. Não a noite.

Foi ali enquanto pensava nos últimos acontecimentos que a TV lhe mostrou a reportagem, os números que na verdade eram pessoas. Pessoas como ele, desempregadas. Eram muitas, não só no bar, não só no bairro vizinho. No país todo. Essa perturbação não assombrava somente ele, mas sim uma nação. Não, não era uma perturbação, agora já era uma questão! A e que diferença ele viu! Não era só ele que procurava emprego, não era só um bar, só um bairro, eram milhares!

Ali, naquele momento, ele reparou que naquele contexto talvez fosse ainda mais difícil resolver essa perturbação, ou seria questão!? Não importava, poderia dedicar-se infinitamente, mas ele estava no meio de um problema social, e não deveria partir somente dele uma resolução.

Maria Clara Moro Genesini, 1º ano de direito, período noturno.

Inundações no Rio Grande do Sul: o Negacionismo Ambiental e a Imaginação Sociológica


Segundo Charles Wright Mills, “A imaginação sociológica nos permite compreender a história e a biografia e as relações entre ambas dentro da sociedade” de maneira que a biografia reflete as perturbações pessoais de cada indivíduo e a história a percepção científica, instrumento que conecta experiências pessoais a contextos sociais mais amplos. Essa abordagem permite que indivíduos compreendam como suas vidas são influenciadas por forças sociais, históricas e culturais. Ao aplicar essa perspectiva às inundações ocorridas no Rio Grande do Sul em 2024, considerada a pior tragédia climática da história do Estado, podemos observar como as perturbações pessoais se entrelaçam com uma percepção científica distorcida, em razão de um negacionismo ambiental.

 

Mills argumenta que muitos problemas enfrentados pelo homem são frequentemente vistos como questões isoladas ou meramente individuais. No entanto, ao adotar a imaginação sociológica, é possível perceber que essas "perturbações pessoais" estão profundamente enraizadas em estruturas sociais e políticas. As enchentes no Rio Grande do Sul não afetam apenas a vida de quem perde sua casa ou seus bens; elas refletem uma série de decisões coletivas sobre urbanização, uso da terra e políticas ambientais que têm sido moldadas ao longo do tempo.

 

O negacionismo ambiental é um fenômeno que se manifesta na recusa em aceitar evidências científicas sobre as mudanças climáticas e seus impactos. Esse comportamento pode ser visto como uma forma de perturbação pessoal, onde indivíduos ou grupos minimizam a gravidade das inundações e suas causas para evitar confrontar realidades desconfortáveis. Ao considerar as inundações neste contexto, podemos observar como a falta de aceitação das evidências científicas leva a uma percepção distorcida dos riscos envolvidos e perpetua uma visão limitada da realidade social.

 

Através da lente da imaginação sociológica de Mills, torna-se evidente que as inundações no Rio Grande do Sul não são apenas um problema local; mas uma questão de maior abrangência. Essa desconexão entre a experiência vivida e a realidade científica é um exemplo claro da necessidade de desenvolver uma imaginação sociológica mais robusta. Visto que, conforme o sociólogo, “nesta Idade do Fato, a informação lhes domina com frequência a atenção e esmaga a capacidade de assimilá-la”.

 

- Letícia de Oliveira Silva, 1° semestre de Direito, matutino 


Além do plural: a Imaginação Sociológica e a construção de uma análise singular.


             O grande desafio da Sociologia, por consequência, do sociólogo, é analisar os fenômenos sociais a partir de uma ótica distanciada, afinal, o objeto de estudo da disciplina é o próprio pesquisador que, nesse contexto, representa metonimicamente a sociedade. O conceito de "imaginação sociológica", elaborado por Charles Wright Mills, colabora para superarmos a dificuldade que a Sociologia enfrenta a todo momento: estudar a si mesma. Além disso, a ideia de Mills surge como ferramenta imprescindível para a tomada de consciência a respeito da indissociabilidade do indivíduo e do coletivo, da vida privada e pública, do singular e do plural, ou seja, perceber como o todo molda a parte e, ao mesmo tempo, como o elemento que é moldado também é capaz de realizar transformações sociais.

       Entendida a importância da "imaginação sociológica", surge o questionamento: como ela induz à tomada de consciência? Basicamente, o modus operandi de tal ideologia está sustentado em sair da zona de conforto, abandonar nossa bolha de realidade intacta e experimentar outras perspectivas que, realmente, representem os problemas existentes na sociedade. Em outras palavras, isso simboliza que, se quisermos entender o que se passa no micro, precisamos, antes de tudo, entender o macro e vice-versa. E através desse exercício de alteridade, somos capazes de questionar normas e padrões impostos a nós desde a infância, fenômeno esse descrito por Émile Durkheim como "Socialização". Tal conceito afirma que os indivíduos internalizam valores e comportamentos do lugar onde estão inseridos, permitindo, assim, que façam parte da coletividade e mantenham a coesão social. E isso entra em concordância com a teoria de Mills, visto que para o filósofo, as experiências privadas são, sobretudo, determinadas por questões sociais mais amplas.

              Além disso, uma relação de extrema relevância no entendimento da "imaginação sociológica" é entre a Biografia e a História. A primeira caracteriza-se por ser a identidade do sujeito, portanto, todos os aspectos sociais, culturais e profissionais que o individualizam. Por outro lado, a segunda é tudo que compõe nossa sociedade, como as instituições, normas e conceitos, e que determina a Biografia, dessa forma, fica evidente como somos um produto da História. Vejamos um problema recorrente no país, por exemplo a violência contra as mulheres no Brasil que, em 2023, atingiu um número recorde de 1,2 milhão que foram atingidas por alguma modalidade de violência, segundo dados levantados pelo Anuário de Segurança. Se pensarmos nessa questão utilizando da "imaginação sociológica" o correto não seria falar em "violência contra a mulher"? Afinal, ao evidenciar o singular, portanto a Biografia, nós nos atentamos para cada caso, no qual cada vítima sofreu por problemas específicos, assim, não deveriam ser colocadas como algo coletivo e meramente estatístico. Entretanto, apesar de nos voltarmos para o individual, não há como negar que as razões para tamanha agressão direcionada ao público feminino partem, de acordo com a ideologia de Mills, de um contexto social coletivo (História), como o machismo enraizado, por exemplo.

                   A partir dos argumentos supracitados, constata-se como a "imaginação sociológica" de Charles Wright Mills oferece uma ferramenta essencial para a Sociologia, permitindo ao sociólogo ultrapassar a barreira de uma análise abstrata do contexto social e mirar sua interpretação para a interconexão entre a parte e o todo. Ao adotar essa ideologia, somos levados a sair de uma zona de conforto e perceber que os fenômenos sociais, como a violência contra a mulher, não devem ser vistos em forma de problemas meramente coletivos, mas, na realidade, como manifestações de questões mais amplas (machismo), que recaem sobre o individual. Assim, ao entender a indissociabilidade entre o micro e o macro, abrimos espaço para a individualidade de expressões dos problemas em nossa sociedade, analisando-os por uma perspectiva mais profunda e possibilitando, por fim, a subversão dessas problemáticas.


Otávio Rodrigues Ferin, 1º ano - Direito (Noturno).

 

ociais.


A Ausência da Imaginação Sociológica nos Dias Hodiernos

Nos dias atuais, percebe-se que os indivíduos estão cada vez mais fechados e presos aos seus pensamentos e achismos, como numa bolha. O problema reside no fato de que ao fazer isso eles tendem a fechar a mente para outras ideias que estão além de um simples olhar. Com isso, têm-se a abertura para consequências e influências maiores.

É nítido que o individuo que não se abre à outras ideias e não procura o entendimento destas além de sua superficialidade, acaba se tornando incapaz de absorver a totalidade da realidade e de sua concretude.

Ao falarmos que um jovem negro foi assassinado nas favelas e morros de São Paulo, é falar que o Brasil sofreu uma violenta colonização, e é por causa disso e de outros fatores que o Racismo está enraizado na sociedade. É falar também que há uma desigualdade social, a mesma que estereotipa o negro e o coloca como bandido por ser morador de periferia.

Deste modo, a imaginação sociológica proposta por Wright Mills é justamente essa capacidade de apreender os fatos e buscar entender a sua origem, a sua causa, a sua consequência e o motivo de porque ele ocorre na sociedade. Uma notícia no jornal, um caso de racismo, a necessidade de cotas raciais e sociais; apenas entende-se o significado dessas coisas quando se têm uma imaginação sociológica por trás.

Brenda Diniz


O caso Luighi

    Recentemente, em um Palmeiras vs Cerro Porteño, time da capital paraguaia, válido pela Libertadores sub-20, um episódio tomou as manchetes dos jornais. Um jogador do Palmeiras, chamado Luighi, foi alvo de ofensas racistas por parte da torcida paraguaia.    
    O caso logo chamou atenção da mídia brasileira. Houve, claro, o clássico festival de notas de repúdio. Além disso, o acontecimento levou a mídia e os espectadores mais atentos em direção a uma pergunta: como pode um paraguaio, um latino, com um povo que descente majoritariamente de populações indígenas, ser tão vil e preconceituoso com um brasileiro? O questionamento pairou no ar.     
    Logo depois, em outro jogo, a torcida do Flamengo, clube brasileiro, chamou Luighi, aos gritos, de "chorão". Tal fato também leva a uma reflexão: os flamenguistas, e todas as outras torcidas que se manifestaram de forma paralela à torcida do Flamengo, também não se veem como uma vítima do ato execrável que aconteceu com o palmeirense? Mais uma vez, a pergunta ficou sem resposta. 
    Para dar fim ao festival de atos racistas, dias após o jogo do Palmeiras, o descartável presidente da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) Alejandro Dominguez disse, em um evento, que o Brasil fora da Libertadores seria como "Tarzan sem Chita". Sim, Chita é um macaco que acompanha Tarzan, um homem branco, no filme da Disney.
    Toda essa salada de eventos tristes me faz pensar como a ausência de uma compreensão da realidade é maléfica para uma sociedade. Os paraguaios, os flamenguistas, o presidente da Conmebol e todos aqueles que comungam do racismo velado e exposto, além de preconceituosos, contém, em si, uma completa dificuldade de alcançar um grau de imaginação sociológica que os consiga ver além de seu narciso. Não conseguem ver como o mundo influencia suas vidas, como as amplas estruturas moldam os eventos em que estamos inseridos e como isso afeta as vidas particulares, como defendido por Charles W. Mills em sua obra. Falta aos paraguaios ver que eles também são um povo marginalizado pelo Ocidente Branco, como também falta ao torcedor brasileiro entender que racismo não é uma provocação do jogo, mas sim um ataque ao que significa ser brasileiro, que é a característica que une palmeirenses, flamenguistas e corinthianos. E ao presidente da Conmebol, bom, faltam coisas demais para alguém que ocupa um cargo tão relevante. 

As antíteses da vida pelo olhar sociológico de Charles Wright Mills

Em “A Imaginação Sociológica”, Charles Wright Mills argumenta que os homens, nos dias de hoje, sentem-se acorrentados pela vida; tudo o que sabem e o que fazem está restrito a seus pequenos universos: a casa, o trabalho e as pessoas com quem mantêm convivência. Com isso, o autor também frisa que a quantidade exorbitante de informações recebidas diariamente, somada a perspectivas morais próprias, fazem com que o indivíduo desenvolva uma consciência falsa de sua posição social. Nessa ótica, enquanto eu lia esse trecho da obra, imediatamente me recordei de algumas antíteses contemporâneas tão presentes nacional e internacionalmente. No Brasil, o “pobre de direita” é um conceito bastante discutido; afinal, sendo uma pessoa de baixa renda, seria racional apoiar governos que propagam políticas elitistas? A mesma lógica serve para o “imigrante xenofóbico”, fenômeno de destaque na última eleição americana – vencida por Donald Trump, candidato cuja campanha se baseou, principalmente, na retirada de imigrantes dos Estados Unidos e no “Make America Great Again”, slogan de cunho extremamente nacionalista. Diversos estrangeiros, inclusive brasileiros, demostraram apoio a Trump através de posts e vídeos na internet, exaltando o atual presidente como um político de boas intenções. Novamente, paramos e pensamos: isso tem algum sentido? Como um imigrante em terras estadunidenses, seria racional apoiar um candidato que, de maneira explícita, manifesta interesse em desmontar sua vida construída com muito esforço, te retirar de casa e te enviar de volta para o seu local de origem? 

Em primeiro plano, para responder as perguntas supracitadas, é importante não cair na simplificação de que o “pobre de direita” e o “imigrante xenofóbico” são, simplesmente, pessoas de pouca inteligência. Como justificado por Charles Wright Mills, o que está em jogo na sociedade atual é um complexo sistema de fatores sociais e culturais, identidades e medos que guiam escolhas, mesmo que inconscientemente. Em contexto brasileiro, os governos de direita possuem estratégias de reafirmação ao pobre, fazendo-lhe acreditar que programas públicos de auxílio e acesso são, na verdade, prejudiciais à força de vontade individual, reforçando a – falsa – existência da meritocracia no país. É como se, ao votarem em candidatos direitistas, esses eleitores buscassem reafirmar sua dignidade, mantendo-se distantes dos estigmas de dependência do Estado e de pautas progressistas, consideradas uma ameaça a seus valores morais e normalmente influenciados pela religião. 

Acerca do “imigrante xenofóbico”, uma passagem da obra de Mills detém muita semelhança no que tange o comportamento desse grupo, alegando que, em defesa do “eu” e de sua particularidade, os homens tornam-se moralmente insensíveis, ou seja, perdem a empatia e a noção de que, muitas vezes, estão inclusos em alguns discursos odiosos que julgam apoiar. Muito disso também se vale do egoísmo inato observado na humanidade, quando, ao prezarmos pela exclusividade, não queremos que outras pessoas tenham as mesmas oportunidades que tivemos. 

Para solucionar os entraves citados – intrínsecos à falta de consciência de classe –, Mills só vê uma solução: o desenvolvimento da Imaginação Sociológica, qualidade de espírito que permitiria aos indivíduos usar a informação e desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que ocorre no mundo e dentro deles mesmos. Assim, com tal noção em seu âmago, as amarras que acorrentam o homem dentro de seu pequeno universo seriam rompidas e tudo o que interrompe sua evolução, extinto. 


Ana Carolina Tiozzo Mascarenhas, 1° ano de direito matutino. 



A Física Social e a verdadeira Inclusão

A Teoria do Positivismo, desenvolvida por Auguste Comte, defendia o desenvolvimento de uma Física Social para o estudo dos fenômenos humanos, na qual haveria uma racionalização das ciências e uma observação empírica para chegar a conclusões sobre episódios sociais - criando, portanto, a Sociologia.

O sociólogo concebeu a famosa frase “Ordem e Progresso”, expressa na bandeira nacional brasileira, que defende que a ordem e estabilidade social liderará para o progresso científico da nação. Comte também acreditava firmemente na hierarquia social por conhecimento e racionalidade. Tal afirmação – com um toque humano – acabou corroborando para o desenvolvimento de uma justificativa para o racismo, abrindo brechas para a escravidão e exclusão social de pessoas negras.

Segundo a escritora e psicóloga Grada Kilomba, em seu livro “Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano”, há o silenciamento explícito dos negros no âmbito educacional devido ao preconceito estrutural em que a sociedade foi constituída. Ela demonstra – com exemplos pessoais – o quão racista são as instituições por mais que sigam uma “ordem”, já que estas foram baseadas em uma estrutura europeia colonizadora e ocidentalizada. Com esta mentalidade colonizadora, essas instituições tratam as pessoas pretas como “um grupo subalterno” e os desprezam e os oprimem, de modo que a educação – um direito constitucional – transforma-se apenas em uma longínqua utopia.   

Deste modo, observamos que a criação da Física Social serviu apenas para aprisionar, dentro dos parâmetros científicos, uma sociedade que está em constante transformação. A ideia de que a ordem levaria ao progresso é derrubada, visto que é possível presenciarmos o constante preconceito sofrido por grupos cotidianamente – não só racismo, como homofobia. Embora progressos científicos tenham se consolidado, a inclusão dos grupos oprimidos no corpo social nunca ocorreu e o preconceito estrutural se consolidou fortemente – fazendo mais vítimas na contemporaneidade. 


GEOVANA DE MORI - 1º ANO - DIREITO MATUTINO 

Origem e fortalecimento de grupos reacionários: uma breve análise sob o viés da imaginação sociológica

   O autor Wright Mills, em “A imaginação sociológica”, coloca esse tipo imaginário como sendo de extrema importância para o verdadeiro entendimento de sua sociedade, uma vez que possibilita a fuga de uma visão limitada pelos aspectos cotidianos do círculo social no qual um indivíduo está inserido. A partir disso, é possível construir uma visão ampla do corpo social por meio do abandono de  valores e crenças prévias, e assim, de fato, entender as relações entre o ser humano, a sociedade e a história.

   Ademais, Mills afirma que a velocidade e quantidade informações que recebemos é prejudicial no processo de desenvolver um pensamento, refletir sobre ele e absorvê-lo, por esse motivo, é gerada grande frustração no homem, que não é capaz de assimilar a tempo as mudanças ocorridas, assim, incapaz de lidar com o choque de ideias e valores, externaliza esse sentimento através do ódio, preconceito, intolerância e violência. Dessa forma, cria-se um grupo de pessoas que voltam a ganhar força na atualidade, os reacionários, aqueles que creem no retrocesso, que lutam pela volta dos costumes tradicionais.

   

Diante disso, é assustador a velocidade na qual medidas de cunho radical conservador estão sendo tomadas nos EUA, com o recém iniciado mandato de Donald Trump, evidenciando a volta em massa de uma população intolerante, radical e conservadora, visto que o atual presidente, em suas campanhas eleitorais já vinha prometendo tomar medidas questionáveis, tal como o fechamento do Departamento de Educação, que felizmente não foi conquistada devido a dificuldades com a aprovação da medida no congresso. Além disso, vale ressaltar o corte de financiamentos a escolas públicas que são acusadas de se pautar em ideologias “antiamericanas” sobre raça e gênero, e a colocação de funcionários da DEIA ( agências de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade) em licença remunerada. Com isso, nota-se a repressão ao desenvolvimento da imaginação sociológica, a fim de limitar o aprendizado a valores obsoletos e opressores

    

Assim, pode-se notar que grupos, como o de Trump e seus apoiadores, são impossibilitados de fazer o uso da imaginação sociológica, uma vez que são incapazes de afastar-se dos valores que lhes foram ensinados e aceitos devido ao amor e apego que têm pelos mesmos. De acordo com Mills, quando os homens sentem seus valores ameaçados, experimentam crise. Sendo assim, a volta ao poder dos ultra conservadores e os consequentes retrocessos advém do estranhamento que tiveram ao deparar-se  com uma sociedade que vinha tornando-se mais tolerante e inclusiva.

    

Em suma, temos que a imaginação sociológica é imprescindível para a compreensão da relação entre o homem e a sociedade, mas que para atingi-la é necessário desgrudar-se de valores pessoais. Entretanto, existem homens tão apaixonados por seus valores pessoais que o mínimo choque de ideias é inaceitável e deve ser oprimido, a fim de que os seus próprios se sobressaiam. Portanto, hoje, o amor incondicional aos próprios valores, ódio e a inflexibilidade aterroriza toda uma parte da sociedade que já lutou e ainda luta  por seus direitos, qualidade de vida e igualdade.


Catharina Passos Tomasella - 1ºano Direito (matutino)


O Capital, a "Mobilização Sociológica" e a Escala 6x1

Pedro Duarte Silva Sinicio Abib - Direito NOTURNO    

Ao descrever o fenômeno da “Imaginação Sociológica”, Charles Wright Mills disserta sobre a separação do indivíduo de seu senso social e coletivo, levando o homem a se enxergar no tecido social enquanto único e individual, no famoso discurso do “cada um que cuide da sua vida”, retirando qualquer espírito de mobilização e luta de classes de seu cerne, e limitando sua consciência sobre suas próprias posições, projeto esse que é essencial para que o Capital possa continuar atuando e impondo suas políticas impostas desde os tempos de Revolução Francesa.


São inúmeros os exemplos desse projeto de dessocialização e despolitização da sociedade, o primeiro deles, o voto individual e passivo, tirando qualquer possibilidade de participação política ativa do povo e promovendo uma atuação individual e “secreta”, levando a política de um campo coletivo para um individual. Permitindo que o Capital continue dominando e explorando os meios econômicos e políticos, enquanto entrega uma falsa sensação de participação a uma classe destituída de qualquer capacidade de mudança, devido ao sucesso do projeto burguês individualizante.


Em acontecimentos mais recentes, vimos a mobilização na internet acerca do projeto de lei da deputada Erika Hilton (PSOL) sobre a proibição da Escala 6x1 na jornada de trabalho brasileira. Por mais que pela primeira vez em tempos, a esquerda tenha se unido em prol de uma causa trabalhadora, luta essa que é o cerne de sua existência, foram inúmeros os casos de políticos e trabalhadores que foram contra a causa. A participação de trabalhadores em protesto contra melhores condições para eles próprios é mais um exemplo do sucesso do projeto dessocializante. A individualização se tornou tão profunda, que mesmo a ação política coletiva em prol do trabalhador gera protestos com frases como “Não quer escala 6x1, então se demita, que tem gente desempregada querendo trabalhar”, mostrando perfeitamente a falta de qualquer consciência coletiva para se portar perante a exploração do Capital, escolhendo se aliar ao seu projeto e negociar com ele enquanto indivíduo, perdendo enorme força de barganha e auto sabotando qualquer possibilidade de melhoria de vida, uma vez que a negociação nunca esteve em estado de igualdade, além de demonstrar falta de conhecimento sobre problemas estruturais da gestão pública como o desemprego. Escolher agir enquanto indivíduo é, em casos como este, agir contra o coletivo e sua luta.


Percebe-se, então, a importância fundamental da Imaginação Sociológica, permitindo a união de classes sociais e garantindo que pensem enquanto um todo, tomando conhecimento de suas limitações, processos históricos e injustiças sofridas no passado e no presente, e permitindo que lutem contra elas no futuro. Entretanto, tal objetivo só pode ser alcançado a partir do entendimento do contexto histórico-social enquanto um todo, tornando esses indivíduos passivos, em um coletivo ativo no tecido social.



A Falta de Imaginação Sociológica e a Política Brasileira

    Pablo Marçal foi um dos nomes mais comentados em 2024. O candidato do PRTB ascendeu muito rapidamente na política do país, chegando a quase ser eleito como prefeito de São Paulo. Tal fato assustou a muitos, visto que, mesmo suas condutas e falas sendo constantemente  agressivas e desrespeitosas, ele conseguiu o apreço de vários paulistanos. Esse modo informal de se portar conquistou muitos brasileiros, sendo esta uma das tantas ocasiões em que candidatos se elegem com base nessas características individuais, e não em seus planos de governo. Tal realidade relaciona-se muito à falta de habilidade do povo de discernir o individual do geral, o particular do comum, a perturbação pessoal da questão pública, além de não saber situar-se no tempo e no espaço. Essas qualidades podem ser adquiridas por meio do desenvolvimento da chamada Imaginação Sociológica, conceito desenvolvido por Wright Mills e que explica muitos desses dilemas da atualidade.

     Em seu livro, dentre outros fatores, Mills explica que o homem contemporâneo, devido à configuração social vigente, é inquieto e indiferente. Inquieto pois está sempre sob o risco de mudança, em um mundo instável que gera ansiedade e insegurança. Indiferente porque só enxerga o que o cerca e luta para defender e garantir o seu antes de olhar para o outro. Essas duas qualidades, somadas à falta de Imaginação Sociológica, retratam a maioria dos brasileiros. Tal perfil abre espaço para uma política populista e falha, que coloca no governo pessoas desinteressadas no desenvolvimento da nação. Além disso, ela se torna superficial, visto que os candidatos buscam apelar para o carisma, de modo a virar uma disputa de personalidades e não de projetos.

      Exemplo disso é a presença em massa de personagens midiáticas como concorrentes aos cargos públicos. O ex- ator de comédia Tiririca retrata isso, ao, em 2010 ter sido eleito deputado com mais de 1,3 milhão de votos, a segunda maior votação para esse cargo da história, segundo o UOL. Além disso, pesquisas do Datafolha revelam que o cantor Gusttavo Lima teria altas chances de se eleger caso se candidatasse à presidência. Isso mostra como os brasileiros são facilmente enganados e votam com base na emoção e em premissas pessoais antes de analisar os projetos dos candidatos.

       Assim, conclui-se que a Imaginação sociológica, apesar de importantíssima para o desenvolvimento de um olhar crítico e consciente, não está presente em maior parte do povo brasileiro. Isto abre espaço para  política populista, superficial, desonesta e ineficiente, de modo a prejudicar uma possível melhora das condições de vida do povo brasileiro.


Eloisa Prieto Furriel - 1°ano matutino - direito