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sábado, 11 de dezembro de 2021

 

DIREITO: DE FERRAMENTA DE MANUTENÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL À INSTRUMENTO DE ENFRENTAMENTO DO RACISMO

            Segundo a perspectiva de Achille Mbembe, apresentada pelo Dr. Jonas na palestra, o racismo é uma construção histórica decorrente de relações de poder de determinados grupos sobre outros. Com o advento do sistema capitalista, o racismo se tornou uma ferramenta de dominação para organizar o capital e o conceito de raça, que é uma ficção útil para o autor camaronês, serviu para estruturar o referido sistema.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a questão da raça importa para o Direito, uma vez que o sistema jurídico é um instrumento de manutenção do racismo e, para tanto, corrobora a ficção da raça. Primeiramente, Mbembe destaca a função do sistema jurídico no esvaziamento da pessoa negra nos séculos XV e XVI, haja vista que o tráfico negreiro neste período retirou o nome, a língua nativa e a cultura das populações africanas.

Ademais, tal esvaziamento foi acompanhado pelo processo de dessubjetivação do grupo social em questão, também promovido pelo Direito, no qual os indivíduos negros foram transformados em objetos passíveis de comercialização. Ainda, a transformação do negro em um “não-ser” foi realizada pelo Direito a partir do não reconhecimento dos direitos civis e políticos à comunidade negra e, no caso brasileiro, pela não revogação da escravidão até a segunda metade do século XIX. Logo, tais elementos são reflexo da preservação do racismo pelo sistema jurídico.

Atualmente, verifica-se essa perversa função do Direito diante, por exemplo, da impunidade da violência policial com a população negra – e que caracteriza a necropolítica exercida pelo Estado –, e a deficitária assistência gratuita estatal para a comunidade negra, posto que a defensoria pública está constantemente sobrecarregada, demonstrando a falta de concretização dos direitos constitucionalmente garantidos aos negros.

Ante o exposto, constata-se a importância da perspectiva de estudo decolonial, utilizada por Mbembe, no campo jurídico para não mais conceber o Direito como uma ferramenta de opressão à comunidade negra, mas sim, transformá-lo em um instrumento de enfrentamento do racismo. Como exemplo dessa importante função, pode-se citar o Habeas Corpus 154.248/DF, no qual o STF equiparou a injúria racial ao racismo e auxiliou na diminuição da impunidade dos casos de discriminação racial. Para tal fim, é crucial o protagonismo dos movimentos negros no mundo jurídico.

                                                                 NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA

                                                                 TURNO: NOTURNO

O direito e a questão da raça

    Boaventura de Souza Santos e Sara Araújo apontaram em seus trabalhos a existência de um direito hegemônico ocidental que possui como principais características o universalismo normativo, a desconsideração das particularidades de cada local e também a contribuição para a reprodução do capitalismo. Para esse direito a questão da raça e seus desdobramentos não é algo importante, uma vez que na visão por este aplicada, os negros são objetos que durante muito tempo possuíam valor de mercadoria, “seres humanos não humanos”.

    Nesse sentido, é preciso relembrar que o processo de colonização no Brasil e na América como um todo, foi marcado pela presença de mão de obra escrava trazida do continente africano. Durante esse período, o negro foi transformado em moeda, deixando de ser visto como um sujeito e passando a ser tratado como “uma figura pré-humana incapaz de superar a sua animalidade [...]” (MBEMBE, p.39, 2014). A validação dessas ideias veio a partir da fabricação de legislações e teorias científicas - até mesmo religiosas -  a partir da razão branca, que também buscava a ratificação da existência das raças e uma hierarquia entre elas. 

É perante esse contexto, que a diferenciação racial faz com que os negros fossem destitui dos de suas condições cívicas “pela consequente exclusão de privilégios e de direitos assegurados aos outros habitantes da colônia.” (MBEMBE, p.42, 2014). Com esse processo de construção da incapacidade jurídica, o negro perde o direito de recorrer aos tribunais, sendo apontando como uma “não-pessoa do ponto de vista jurídico.” (MBEMBE, p. 42, 2014)

Com a abolição da escravidão e o fim das relações entre metrópoles e colônias, as mesmas questões de heterogeneidade e diferença são trazidas atona, enquanto as novas elites “se apropriam da ideologia da mestiçagem para negar e desvalorizar a questão racial” (MBEMBE, p. 35, 2014). Estas, tentavam apagar e pormenorizar a contribuição dos negros no desenvolvimento histórico da América. Além disso, depois de todo esse processo de inferiorizarão, objetificação e animalização desses indivíduos, nenhuma medida de auxílio lhes foi prestada. 

Dessa maneira, é possível perceber como o direito hegemônico funciona, sendo ele capaz de validar todas as ações, por mais brutais que sejam, que contribuam para a reprodução do capitalismo. A partir do momento em que o negro deixa de ser uma mercadoria valiosa, essa força dominante contribui para a marginalização desses indivíduos, buscando ignorar os danos à eles feitos e não realizando nenhuma medida de reparação pelas lesões feitas ao longo de vários séculos. 

Assim, os contextos históricos podem ter mudado, mas a realidade ainda é a mesma: o direito predominante não se importa com a questão da raça. Na atualidade, principalmente durante a pandemia, foram as periferias - nas quais se encontram grande parte da população negra - que o vírus da Covid-19 mais se espalhou e fez vítimas. Ademais, devido a essas diferenças discriminatórias, esses indivíduos não puderam ficar em casa, se isolarem, se protegerem ou terem uma noção correta sobre o que estava acontecendo. É devido a uma negligência organizada por parte do Estado, com a condescendência do direito em um fenômeno conhecido como racismo estrutural, que essa população é a mais vulnerável seja juridicamente,  com a ausência da efetivação de direitos, seja economicamente - graças às desigualdades provocadas pelo capitalismo.    

Por fim, em concordância com o pensamento de Boaventura, Sara e Achille Mbembe, uma alternativa a essa hegemonia existente no sistema jurídico, a ideia de um pluralismo jurídico surge como uma esperança para a mudança. Abandonar a razão branca e os ideais ocidentais de universalização de direitos que favorecem apenas o capitalismo, pode ser vista como uma possível maneira de combate ao racismo estrutural e também uma forma de valorizar a questão da raça, colocando-a em debate na sociedade. Através desse olhar conferido por meio de diversos mundos diferentes, busca-se uma efetivação de direitos e políticas públicas que de fato são igualitárias, atendendo, de forma específica, esses grupos historicamente discriminados na nossa sociedade.  



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.



Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno 


DIREITO E RAÇA

 

             Na discussão sobre a questão de raça de Achille Mbembe, apresentada pelo professor e doutor Jonas Rafael do Santos, traz a discussão em torno do racismo na perspectiva de Mbembe. Para o intelectual camaronês o racismo é a construção histórica a partir de relações de poder que sempre teve por objetivo a subjugação de grupos “racializados”, devido a necessidade de legitimação da superioridade de grupos em relação a outros, ou seja, é uma tecnologia de dominação fundamental para organizar o capital no período da modernidade.

            Nesse aspecto, a construção de raça não passa de uma ficção útil, uma construção ideológica para construção de outras lutas como de classe, com apenas um intuito, o de acumulação de riqueza, para isso, durante o colonialismo, ou posteriormente com o neocolonialismo, a África era um “não lugar”, lugar onde habitava os não seres, os negros. O Brasil, foi palco do colonialismo português, fazendo uso da mão de obra escrava africana para a produção de riqueza para a metrópole, por meio da exploração colonial implementada via plantation.

Por consequência do processo do colonialismo, o racismo do brasil, é estrutural e sistêmico, que funda instituição, estrutura e replica o preconceito, a discriminação em todas as instituições e esferas do país, além de criar uma subcidadania para os negros, como Clarice Lispector, em sua obra “A Hora da Estrela”, descreve Macabéa como um parafuso indispensável em um sociedade técnica, assim como acontece com os pretos, colocando-os em uma situação de precarização dos seus direitos, como política instituída, uma vez que não havia projetos que viabilizassem a garantia de direitos, a ascensão econômica , a ascensão social por parte da população parte negra, dita em outras palavras dar ao negro uma dignidade, ser reconhecido como ser humano que também tem suas necessidades, que é dotado de sentimento.

Ao analisar essa construção histórica do racismo atrelada a questão dos tribunais brasileiros sobre raça, é possível observar o racismo no sistema judiciário, um país onde a maioria da população encarcerada é negra, cerca de 66%, representa mais de 60% dos presos injustamente, e quase todas as vítimas da violência policial são os negros, e a maioria privada de seus direitos são os negros, desse modo podemos afirmar que a raça é fator de análise para o judiciário. Tivemos casos recentes da violência do estado, com a política da morte, em regiões de favelas, ou para Mbembe “regiões de zoneamento”, sinônimo de não lugar, onde viver o não ser, ou seja, o negro e o pobre. Exemplo dessa política da morte é o caso da chacina de jacarezinho, no Rio de Janeiro, que deixou 29 negros mortos pela violência policial, mesmo com a medida do STF proibindo ações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia. Outro evento ocorreu em São Paulo, com um jovem negro, de 18 anos, algemado sendo puxado por um PM de moto, a maneira como se deu a prisão pode ser considerada tortura, abuso de poder e até racismo, mas como de praxe o PM não responderá nenhum desses crimes, pois faz parte da política de “segurança” implementada pelo Estado.

Cássio Goulart - 2ºSemestre Direito/Diurno

Direito e raça: O futuro e a desconstrução

     Para o Direito, a questão da raça importa?

    Cabe a nós, neste primeiro momento, analisar os objetos de tal questão: o direito e a raça.

Partindo para o que diz Mbembe sobre o segundo, é necessário ter em mente que a “raça” é um atributo simbólico e imaginário, criado a titulo da dominação para subjugar o negro. Para efetuar uma análise do que diz o autor, vale uma simples caracterização biológica da natureza dos animais, que mesmo possuindo cores de pelagem/pelos diferentes ainda são colocados como sendo da mesma “raça”. Em uma busca puramente empírica da realidade é de fácil afirmação dizer que um leão de pelos brancos ou pretos não deixa de ser um leão, ao passo que um homem negro é separado de um homem branco em uma categorização nada menos que abstrata. A raça é, portanto, imposta e impositiva, criando uma separação imaginária de algo não visto em qualquer outra esfera da biologia.

Indo em direção ao que se tem por direito, observamos seu significado sendo atribuído por diferentes pensadores ao longo dos séculos, passando por doutrinas distintas e até mesmo opostas. Em busca da viabilização de um viés crítico, tomemos como base o que diz Roberto Lyra Filho quando afirma que o direito não é, e sim está sendo.             Para o escritor da obra “O que é Direito”, a ferramenta legal é mais do que sua esfera positivada e construída, perpassando e refletindo – em grande escala – o caráter real e natural de demandas e conflitos sociais ao longo de construções históricas. Assim, a ferramenta que temos hoje é tida basicamente como um combustível social, alavancando mudanças e representando a esfera conflituosa de diferentes grupos distribuídos na dicotomia simbólica dos oprimidos e opressores.

Tendo em mente a caracterização dos diferentes conceitos, observamos que para a esfera jurídica e do direito propriamente dito a raça apresenta papel de destaque, uma vez que representa uma criação dentro de outra criação. Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 2019 apontou que mesmo os negros sendo maioria no Brasil (56,10% da população), estes ocupam apenas 10% dos lugares nas maiores bancas de advogados da nação, dos quais 9% são estagiários e 1% advogados. Outro levantamento efetuado pelo CNJ em 2018 mostra que a população negra ocupa apenas 19% do poder judiciário brasileiro, enquanto os outros 81% são ocupados por brancos.

Quando a análise parte para o quadro do sistema carcerário a realidade é ainda pior, com 64% dos presos brasileiros sendo negros e sua proporção de encarceramento crescendo 14% nos últimos 15 anos, ao passo que a dos brancos diminuiu 19%. Curioso pensar, com todos esses dados expostos, que ainda existem os que creem que a racialização da vida é um fenômeno acadêmico e insignificante.

Por fim, cabe salientar que a questão da raça não é importante só ao direito, devendo ser pensada e repensada em todas as esferas da vida em sociedade. Cabe a nós, em conjunto, desconstruir a visão racial que objetifica o corpo negro e o expõe à inferioridade em todas as escalas do cotidiano, fazendo-o menos, inatingível e insuficiente. O futuro está à frente, e a nós fica a tarefa de modificá-lo e sermos como Carolina Maria de Jesus que com a mente forte e o estômago vazio “não gostava do mundo como ele é”.

Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno.