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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Expansividade de direitos
             Em meio a uma sociedade conservadora e demasiadamente preconceituosa, que julga, de forma discriminatória, aqueles que não se encaixam nos padrões por ela adotados como “normais”, seres humanos sofrem por não se encaixarem nesse meio injusto e exclusivo.
              O julgado que trata da transgenitalização aborda essa perspectiva de tentar incluir aqueles que vivem a margem do meio social. Nesse caso, a parte-autora que apresenta sexo masculino de nascimento, desde os 7 anos de idade sofre com a inadequação e rejeição de seu fenótipo biologicamente proporcionado a ela., visto que, psicologicamente, se concebe como mulher. Para esse efeito, pleiteia a alteração de sexo por meio de cirurgia, bem como a alteração do nome em todos seus documentos pessoais e no registro civil para que não conste mais pertencente ao sexo masculino. Além disso, desde os 15 anos passou a ingerir hormônios a fim de se feminilizar. É válido ressaltar que, embora haja quem considere essa questão como algo patológico, o próprio Conselho Federal de Psicologia, apresenta a transsexualidade como um modo de ser e de viver. Como aparece durante o caso referido,” “patologizar” as diferenças é desumanizar o ser humano.”
              O Direito, como instrumento regulador das condutas para que a coexistência humana seja ordenada, apresenta aspecto de dever abordar todos os indivíduos da sociedade. A partir disso, à luz da racionalidade estudada por Max Weber, há uma possibilidade de analisar o caso concreto apresentado. Weber considera haver quatro tipos de racionalidade, que são: racionalidade formal, material, teórica e prática. Interessa nesse sentido, a contraposição existente entre as duas primeiras. A racionalidade material é definida de acordo com determinados postulados valorativos (de qualquer natureza), isto é, a partir de preceitos racionais carregados de valores, exigências éticas, políticas, é aquela que tenta capturar a realidade a partir de valores próprios Já a racionalidade formal, de conteúdo inequívoco, algo calculável, expectável em relação às ações e seus efeitos.
                   Para Weber a realidade apresenta um confronto permanente entre racionalidades distintas, e a racionalidade pura (formal) seria uma utopia. Assim a aplicação do direito puramente técnico se relaciona com a racionalidade formal. Encontra-se no julgado, onde o direito formal (que em teoria deveria ser universalizante), ou seja, o direito positivado, se depara com uma demanda que, embora relacionada com o art. 13 do Código Civil e, o pedido da parte-autora da cirurgia que, mediante laudos psiquiátricos e psicológicos poderia ser realizada, já que a paciente sofre além de discriminação, constrangimento pessoal, bem como sintomas depressivos (que em casos como este, podem levar à morte),pelo sexo biológico que apresenta, diante da omissão estatal, não foi realizada.
              Nesse aspecto, a partir da concepção de Weber de que a forma engloba um artifício a determinado grupo,à medida que ela é produzida por um indivíduo sem neutralidade, não pode ser considerada como universal, visto que beneficiará alguns, em detrimento de outros. Uma visão de caráter solucionador é a abertura ou expansividade do catálogo constitucional de direitos fundamentais. Assim, como novos direitos fundamentais podem surgir a partir de outros já existentes. O direito à identidade, por exemplo, configura um direito fundamental, além de humano. Assim, a forma passa a abordar não apenas o biológico, como também o psiquico, o social e cutural.

              Dessa maneira, a partir da dinâmica de racionalização do direito, que vai do formal ao material, e, pela expansividade do direito positivado, isto é, a forma, dentro da pluralidade que o Direito deve englobar, de modo a comparar com o que Weber afirma: “as decisões de problemas jurídicos sofrem a influência de normas qualitativas, como imperativos éticos, regras de convivência (utilitárias ou de outra natureza) ou máximas políticas que rompem com o formalismo jurídico”. A decisão dada pelo juiz desse caso, a atuação do Judiciário, de que o Estado deve custear a cirurgia requerida, infere-se nesse aspecto. De formal a material, os direitos fundamentais devem ser efetivos para todos, ainda que haja muito debate para discutir por se tratar de um assunto que contraria o conservadorismo social.






https://direitosfundamentais.files.wordpress.com/2009/07/calvin3.jpg

Gabriela Cabral Roque
1º ano - diurno

Muito além de rótulos e de positivações

Na 19ª Parada Gay de São Paulo¹, realizada em junho de 2015, Viviany Beleboni, uma transexual brasileira, representou claramente a problemática enfrentada pelo movimento transexual no Brasil. A encenação de uma “crucificação” gerou críticas e inclusive foi um dos possíveis motivos pelo qual Viviany foi agredida meses depois². O estigma, o preconceito e o tabu em relação ao assunto acabam por precarizar o diálogo de uma demanda social que reivindica reconhecimento e igualdade em direitos, visto que, o direito deve ser geral, contemplando o dinamismo social, como o próprio sociólogo Max Weber aponta.
No caso analisado em sala, uma parte-autora solicitou a cirurgia de mudança de sexo e a alteração do registro civil, modificando o nome e o gênero sexual. A parte requerente afirmou estar inteiramente consciente em relação à cirurgia, visto que, realizou acompanhamento psicológico, motivado pelos seus anseios pessoais, além de todo o sentimento de não pertencimento ao corpo que possui. Ademais, é apresentado o sofrimento físico e psicológico que sofreu, pois não reconhecia-se no corpo masculino, assim necessitava da cirurgia para identificar-se,  biológica e civilmente, uma mulher. Durante o caso julgado, é apresentada toda a justificativa para a solicitação, o que em uma perfeita utopia, a necessidade desse requerimento judicial não ocorreria, visto que, as pessoas poderiam tornar-se o que bem entendem, escolhendo sua identidade e gênero sexual livremente, dispondo de um amplo apoio governamental e social. Nessa esfera, a transexualidade não seria mais tratada como uma patologia, mas sim como um modo de viver, como foi apresentado na documentação. Para tanto, o direito, como instrumento de alteração social, deveria refletir uma realidade pura, convergindo com as demandas abrangentes, sendo este um tipo ideal. No entanto, o direito objetivo, apresentado em Weber, não conflui com o direito positivado, que não é neutro, sempre sendo esboçado em vista dos anseios de um determinado grupo hegemônico. E embora a decisão tenha se pautado em um racionalismo formal, a partir de uma solicitação material, a ação judicial, nesse caso, é suscitada pela lacuna legislativa existente no país. Assim, o direito posto não reflete o ideal de uma generalidade, refletindo também em uma racionalidade material, já que essa generalidade, em tese, é abstrata.
 Direitos do pós Revolução Francesa, como o direito à liberdade, acabam por dar encaminhamento para outros direitos, como o direito à identidade, por exemplo. O transexual nada mais busca do que uma identidade formal na qual se reconhece. Dessa forma, a cirurgia de transgenitarização poderia se relacionar com o direito à liberdade, à identidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Com isso, pode-se verificar um entrave entre direitos fundamentais e os direitos positivados, associando-os à Weber em sua colocação quanto ao direito natural material e o direito natural formal, respectivamente. A divergência entre eles decorre da necessidade de determinados grupos que, muitas vezes, não corresponde ao que se encontra no código, visto que, o grupo que se encontra no poder age de acordo com seus interesses. Contudo, o direito deve moldar-se com as reivindicações de diversos grupos, como o do LGBT, por exemplo, que são despertados pela ação da racionalidade do grupo dominante. Portanto, o direito, deve sim, pautar-se pelas mudanças e demandas sociais, alcançando, mesmo sendo abstrata, a universalidade, para que “crucificações”, sendo estas os julgamentos sob a perspectiva de uma sociedade hierarquizada e estereotipada, não mais ocorram.
Desse modo, na cidade de Jales, interior do estado de São Paulo, uma decisão foi tomada a partir de um inteiro respeito aos direitos fundamentais humanos que a parte requerente dispõe mesmo estes não estando positivados. Uma demanda humana, que vai muito além de rótulos e positivações, conquistou caminho em uma sociedade que, muitas vezes, parece desumana.




¹ CRAVEIRO, Pedro. Crucificação na Parada Gay é alvo de polêmica com religiosos.  Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1639631-atriz-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-recebe-ameacas.shtml>  ; acesso em 15 de outubro de 2015, às 18:48.
² SÃO PAULO, Folha de. Transexual que encenou crucificação na Parada Gay afirma ter sido agredida. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1666504-transexual-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-afirma-ter-sido-agredida.shtml> ; acesso em 15 de outubro, às 18:52.

Lara Costa Andrade
1º ano – Direito Diurno

Max Weber: racionalidades no contexto contemporâneo

Na perspectiva weberiana, considera-se a existência de duas racionalidades – a racionalidade formal, aquela que diz respeito ao que é calculável, que pode se ter como expectável, uma razão que tenta capturar as coisas a partir de uma perspectiva calculada, e a racionalidade material, aquela que leva em consideração os valores, exigências éticas, políticas e morais, sendo formatada a partir da razão, mas carregando uma série de valores relacionados a alguns indivíduos ou grupos e sua visão de mundo. Nesse sentido é que se percebe o fato de que, na realidade capitalista, o Direito caminha do formal ao material, ainda que no plano político da sociedade moderna dirigida pela classe burguesa.
Tais aspectos mencionados da teoria de Max Weber não se encontram distantes da realidade atual – tomando como referência o pedido levado ao Judiciário, na cidade de Jales, em 2013, relativo à realização de cirurgia de transgenitalização (troca de sexo) e alteração de gênero em documentos, pode-se perceber que a ideia das racionalidades exposta por Weber encontra-se escancarada. Quando o Judiciário determina que sejam realizados os procedimentos demandados pelo transexual, percebe-se que houve uma clara transição da racionalidade formal para a racionalidade material, tal como descrevia Weber.
Conforme mencionado nos documentos relativos ao respectivo processo, o direito fundamental à identidade é assegurado constitucionalmente (racionalidade formal) – porém, tal direito não é positivamente garantido com especificidade aos transexuais. Assim, quando o Judiciário toma a decisão baseado na ideia de expansividade do Direito e dos princípios constitucionais, admitindo a ideia de direito à identidade transexual, tendo por base a doutrina e a jurisprudência, nada mais faz do que transitar do formal ao material, pois leva em consideração as exigências pessoais e morais de um grupo, conferindo importância a valores específicos desse grupo, e não apenas da sociedade conservadora de maneira hegemônica.
E este é outro ponto em que o caso em questão dialoga com a teoria weberiana – Weber é defensor da ideia de que o pesquisador, o cientista, que no caso pode ser associado à figura do juiz, deva olhar para as situações que a ele se apresentam com base em valores que vão além daqueles que ele tomou para si próprio – e foi exatamente dessa maneira que o Judiciário procedeu: ao conceder o direito ao procedimento e à alteração de documentos ao transexual, o juiz mostrou-se extremamente capaz de entender e lidar com a flexibilidade do Direito, promovendo uma espécie de abalo formal.

Assim, pode-se concluir que, como mencionado, a teoria de Max Weber acerca do Direito, da sociedade e dos valores muito se relaciona com as mais diversas situações da atualidade – ainda que o caso concreto mencionado seja pontual ele já representa, de alguma maneira, uma projeção da transição entre racionalidade formal e racionalidade material mencionada por Weber. O Direito e a teoria weberiana se apresentam, nessa situação, como instrumento de extensão de direitos e sustentação de um direito fundamental constitucional, conferindo, em alguma proporção, bem estar e aceitação a um indivíduo – um indivíduo que, na realidade, representa um grupo todo conquistando termos de especificidade do Direito. 

Heloísa Ferreira Cintrão
1º ano - Direito Diurno

Em Busca do Reconhecimento

          Em Jales, uma requerente foi à Justiça para conseguir não somente a realização de um sonho, mas a concretização do direito de liberdade, igualdade, privacidade e dignidade humana. Seu desejo era conseguir uma cirurgia de transgenitalização e alteração de seu nome e gênero nos documentos de identidade. É conhecido que a pessoa ao não se sentir pertencente ao sexo que nasceu passa por diversos transtornos, como depressão, problemas psicológicos, constrangimento ao se apresentar como do sexo contrário ao seu íntimo, sem contar a estigmatização e o tratamento de possuir uma patologia. Todos esses transtornos foram mencionados como sofridos pela parte requerente.
          Os problemas relacionados à transexualidade é tratada não apenas como um problema social, mas também como um fator que pode causar riscos à saúde. É um problema social uma vez que há consolidada na sociedade um tipo ideal de indivíduos, que faz com que apenas essa forma de indivíduos seja considerada aceitável e gerando preconceito com as demais, a sociedade age, portanto, de acordo com a ação tradicional weberiana que é baseada em costumes e hábitos tradicionais. Traz problemas à saúde também, já que por causa da opressão que a sociedade impõe para a conduta pessoal, que gera problemas psicológicos de não reconhecimento e de depressão a uma pessoa que já sofre para se "auto reconhecer" e se "auto afirmar" como deseja, o que pode levar ao suicídio. Isto explica o fato de que muitas pessoas que não se identificam com o sexo que nasceram afirmarem que se não sofressem com o preconceito não sentiriam necessidade de procurar a cirurgia de transgenitalização.
          Por mais que não haja uma norma específica falando que as pessoas possuem o direito de serem reconhecidas de acordo com o sexo e da forma que se identificarem e que é dever do Estado garantir todas as medidas necessárias para que este reconhecimento seja efetivado, possuímos na Constituição Federal, art. 5º, que todos os direitos fundamentais que constam na constituição não excluem outros direitos e garantias baseados no mesmo princípio e é exatamente através dessa ótica que o Direito pode ligar com o caso. Como diria Weber, através de disposições jurídicas abstratas e com uma lógica jurídica deve ser encontrada uma decisão, pois o Direito não deveria possuir lacunas, e o caminho adotado pelo juiz Fernando Antônio de Lima baseado na abertura que a Constituição Federal dá para novas concepções de direitos está de acordo com essa lógica proposta por Weber.
          A racionalidade formal é expressa como uma ideologia, essa ideologia pode estar positivada na Constituição e nos Códigos, já a racionalidade material pode ser encontrada no caso de acordo com os valores e exigências sociais e políticas da sociedade diante da questão da transgenitalização. Muito pode ser discutido também a respeito da "parlamentarização do Judiciário", já que atualmente o Judiciário não apenas faz com que cumpram-se as leis, mas delibera acerca delas, tomando em alguns casos decisões além do que a lei estabelece, como o juiz Fernando Antônio buscou fazer no julgado.
          O importante para a análise do caso da transgenitalização, então, é mostrar que é necessário urgentemente um debate parlamentar onde os eleitos da sociedade estejam de acordo com a sociedade plural moderna, que é tendenciosa a fugir dos tradicionalismos dos séculos anteriores, para que os direitos fundamentais possam cada vez mais estar abertos às minorias e à realidade contemporânea. Através desse processo e da promoção da educação cívica e social poderemos aos poucos diminuir os constrangimentos que as pessoas passam para serem reconhecidas, o que facilitaria tanto a aplicação do Direito quanto a convivência social.
 
Alexandre Roberto do Nascimento Júnior
Sociologia do Direito - 1º ano diurno

Identificação e Direito

Em setembro de 2015, a estadunidense Erica Maison postou nas redes sociais a gravação da reação de sua filha adolescente de catorze anos, Corey, ao descobrir que iniciará o tratamento hormonal. Nascida num corpo biológico do sexo masculino, a garota assumiu a identidade feminina desde os doze anos e sua mãe critica a falta de compreensão referente ao transgênero e como isto deve ser mudado. Da mesma forma, há o caso de uma mulher transgênero que luta judicialmente pelo reconhecimento tanto jurídico quanto social de sua condição de pessoa pertencente ao sexo feminino por meio da mudança do nome no registro civil assim como a alteração do sexo masculino ao feminino, além da cirurgia de transgenitalização. Porém, questiona-se se este realmente é um assunto referente à esfera judicial e não, apenas à pessoal.
Levando-se em conta que esta é uma questão que diz respeito à identificação do indivíduo com o gênero expresso biologicamente por seu corpo, até que ponto o Poder Judiciário deveria ser capaz de decidir sobre tal situação ainda que seja o Estado o responsável pelos custos do tratamento? Considerando o Direito descrito por Weber como extremamente técnico, inacessível a sociedade, “um aparato técnico com conteúdo desprovido de toda a santidade racional e, por isso, modificável a cada momento, conforme fins racionais.” (WEBER, p. 153), pode-se duvidar da competência para deliberar sobre tal caso.
Analisa-se o caminho do Direito partindo da racionalidade formal para a material sendo esta formatada a partir de preceitos racionais e discorre sobre valores, exigências éticas, políticas etc.; enquanto aquela é uma perspectiva calculável, esboça algo a partir da razão esperando determinado resultado. Aplicando ao caso, tem-se o ato em si, ou seja, a parte-autora pleiteia mudança do prenome e cirurgia de transgenitalização e, para alcançar estes objetivos, entra com uma ação na justiça. E têm-se todos os aspectos que envolvem a circunstância, como: o tratamento psicológico e psiquiátrico pelo qual a mulher se submeteu a fim de que fosse constatado que realmente encontrava-se num corpo biológico diferente do psicológico tanto quanto dos transtornos psicológicos que adviriam desta condição e se a transgeneridade deve continuar a ser considerada uma patologia.
Por conseguinte, ao analisar um caso de tamanha abstração uma vez que o fator preponderante da transgeneridade é a forma como o indivíduo enxerga a si mesmo e como este deseja ser aceito e respeitado pelo restante da sociedade, critica-se um Direito puramente técnico que poderia vir a ser aplicado a tal caso evitando que essas questões fossem refletidas de maneira plena e não, apenas puramente ligada às codificações.
Em suma, percebe-se pela crítica da mãe da adolescente transgênero que é necessária a aceitação por parte da sociedade da individualidade e da identificação em relação ao próprio corpo de todo e qualquer indivíduo assim como pela análise do caso, pode-se inferir que o Direito deve transcender a pura tecnicidade adequando-se à sociedade e suas demandas.









Camila Migotto Dourado

1º ano - Direito Diurno


A dialética das racionalidades em Weber

“Porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma!” - Agrado, personagem transgênera do filme Tudo Sobre Minha Mãe (Pedro Almodóvar, 1999)

Uma tutela tratando sobre transgenitalização foi deferida por um magistrado da cidade de Jales (SP). Segundo sua decisão, o Estado deveria oferecer a cirurgia, bem como a mudança do nome e de todos os documentos da parte transgênera. Uma conclusão que aplica e amplia direitos constitucionais (liberdade, igualdade, privacidade, intimidade) e princípios (dignidade da pessoa humana), desarticulando conservadorismos que, por vezes, mostram-se calcados na sociedade brasileira, gerando preconceito e prejudicando a busca de direitos das minorias.
Nesse sentido, segundo um estudo sobre saúde mental feito pela “Transgender Equality Network” em favor da comunidade transgênera da Irlanda, 78% de “transgêneros” pensaram em se suicidar e 44% tentaram-no pelo menos uma vez. Esses dados, segundo a fonte¹, com certeza se estendem para outros locais do globo, e o Brasil não fica de fora. Na tutela analisada, psicólogos e psiquiatras já haviam comprovado, após vários anos de terapia da parte, que a mesma sofria constantemente com o não pertencimento ao seu corpo, lidava com preconceitos, além do estresse e quadro depressivo que poderia levá-la ao suicídio. Portanto, baseado plenamente em direitos constitucionais, no Código Civil e no princípio da proporcionalidade do direito, o juiz deferiu a tutela antecipada.
Ora, tal caso pode ser analisado à luz de Weber, por seus conceitos de racionalidade formal e material. O magistrado, ao decidir conforme o direito posto, obedece a racionalidade formal: para Weber, tudo aquilo que pode ser calculado, tem causa e efeitos previstos. Entretanto, não se pode negar a existência concomitante, e é aí o ponto chave da teoria Weberiana, da racionalidade material, pois, para o autor, nada é puramente formal. Na verdade, o ideal seria que lacunas no direito não existissem; o direito deveria ser para todos, mas isso não ocorre, principalmente em uma sociedade capitalista e cada vez mais especificista, que segrega o não padronizado. Ou seja, as minorias ficam à margem da sociedade, e o legislativo, não abarca seus anseios, estando focado na concretização de uma racionalidade formal baseada nos valores de quem o compõe, com o pretexto de serem decisões e legislações “gerais”, quando na verdade não o são.
Porém, esta jurisprudência analisada é essencial como gatilho para a modificação dessa situação. O julgamento ético, por valores ou costumes, apresenta-se em qualquer tipo de decisão, os indivíduos não conseguem escapar deles. Sendo assim, os valores da parte transgênera foram, nesse caso, amplamente considerados, a medida que tornou-se uma provocação para a aplicação da racionalidade formal.
No caso, o juiz manteve-se como o aplicador da lei, cumprindo o seu papel de expandir os preceitos constitucionais, por analogia, já que, o legislador não poderia prever todas as situações que seriam apresentadas no campo jurídico. Utilizou-se do implícito dentro do explícito, aperfeiçoando uma hermenêutica necessária para a realidade social vigente.

¹ http://ipco.org.br/ipco/noticias/78-de-transgeneros-pensaram-em-se-suicidar#.UzVjw6zYMuQ


Ana Flávia Toller - 1º Ano Direito Diurno - Aula 1.2 - Weber - Sociologia do Direito

Racionalidade formal e material: aplicação e atualidade

No intuito de analisar a aplicação prática do direito sob a ótica da sociologia de Max Weber, considerando, assim, seus conceitos de racionalidade material e formal, em torno dos quais sua teoria sociológica gravita, procedo a uma breve descrição de um caso julgado. A esta segue-se a transposição das noções weberianas ao caso em questão, com a qual completo e finalizo a análise, concluindo-a posteriormente.
A tutela dos direitos ao procedimento cirúrgico de transgenitalização, bem como à mudança do prenome e do gênero sexual nos documentos de identidade - todos derivados de garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas (liberdade, privacidade e identidade) e das próprias circunstâncias que sustentam um regime democrático e pluralista - foi concedida a uma mulher na cidade de Jales, São Paulo. A autora buscou a referida tutela alegando sentir-se infeliz, constrangida e mentalmente prejudicada pelo fato de ter, em certas ocasiões, que admitir a identidade masculina perante à sociedade, gênero esse que, segundo a agente, representava imperfeitamente suas opções e sua consciência. O termo do acórdão se dá com a declaração de deferência da tutela dos direitos em questão por parte do juiz, o qual julgou tal providência como sendo a mais justa e adequada ao caso em questão.
À luz dos relevantes conceitos weberianos de racionalidade material e formal, os quais podem ser aplicados com muita precisão no campo do direito, é possível constatar claramente, no caso citado, a forma segundo a qual a matriz positivo-abstrata do direito racionalmente formal amplia seu campo de aplicação em meio à sociedade. Isto se dá como consequência da agregação de concepções plurais e diversificadas que emergem no contexto jurídico a partir do emprego racionalmente prático do direito. De fato, noções como liberdade, igualdade, privacidade e identidade são concepções racionais tipicamente formais, principiológicas e positivadas. A aplicação de tais ideais em qualquer circunstância que seja, no entanto, somente se pretende formal, não verdadeiramente o sendo, por resvalar em preceitos éticos e culturais -  caracterizando, assim, o direito racionalmente material. No caso de Jales, os conceitos de liberdade, identidade e privacidade partiram de sua precípua e substancial fonte formal para serem instrumentalizados segundo um ethos democrático e plural, que busca lograr a coexistência harmoniosa de múltiplas opções e convicções individuais.
Compreende-se, pois, a partir da elaboração de uma verificação como a estabelecida acima, na qual a teoria weberiana tão perfeitamente se encaixa em uma circunstância de última atualidade, toda a grandiosidade do pensamento de Max Weber, o qual nem um século, dois conflitos mundiais e uma revolução tecnológica foram suficientes para contestá-lo.