A memória é uma ferramenta essencial que conecta o passado ao presente, permitindo que histórias individuais e coletivas se encontrem e contribuam para formação da nossa identidade. É nesse diálogo entre o ontem e o hoje que somos chamados a revisitar narrativas apagadas e interpretá-las a luz da atualidade.
No livro Memórias de Plantação: episódios de racismo cotidiano, Ganda Kilomba nos convida a refletir sobre o racismo no mundo contemporâneo e a forma como ele permanece profundamente enraizado em várias esferas da sociedade. A autora destaca que essa problemática também afeta o ambiente acadêmico e a produção de conhecimento que surge dele. Kilomba demonstra como, atualmente, aqueles que se dizem responsáveis por gerar conhecimento frequentemente desqualificam suas ideias, usando argumentos impregnados de preconceito, mas mascarados de neutralidade. Esses argumentos buscam rotular o saber da autora como subjetivo ou emocional, desviando-o do que é considerado "legítimo".
Nessa perspectiva, o pensamento positivista de Auguste Comte, ao priorizar a ciência como única forma legítima de conhecimento e relegar outros saberes a esferas secundárias, ajuda a compreender a crítica de Kilomba ao racismo epistemológico presente na academia. Enquanto o positivismo buscava uma suposta neutralidade científica, muitas vezes excluindo narrativas subjetivas, Kilomba mostra como essa "neutralidade" tem sido usada para deslegitimar experiências e memórias de grupos historicamente silenciados. Assim, sua obra desafia essa herança ao evidenciar o saber ancestral como um elemento essencial para a construção de um pensar mais justo e inclusivo, pois em um mundo em que a desigualdade social se mostra como uma ferida aberta e há muitos séculos não cicatrizada, a memória e o conhecimento tornam-se os melhores dos curativos: resistência.
Assim, pode-se compreender a memória enquanto uma poderosa arma contra as estruturas que sustentam o racismo. Ao resgatar histórias apagadas e dar voz ao que foi silenciado, reafirmamos a importância de enfrentar preconceitos enraizados e construir uma sociedade mais justa. É no ato de lembrar e recontar que nasce a possibilidade de transformação, de cura e de resistência frente à opressão e preconceito. E tal luta deve ser diária, constante e provavelmente será eterna, para que um dia possamos nós contarmos nossas narrativas e sermos os próprios que constroem nossa memória.
Pedro Augusto da Costa Leme - 1º ano Direito, matutino