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domingo, 27 de maio de 2018

Judicialização: a solução que pode trazer problemas


 A linha tênue que separa a política do direto, a ineficácia de reação dos poderes executivo e legislativo frente a crises políticas esporádicas e a maior confiança da população no judiciário do que em outras instituições, fazem da judicialização não apenas um fenômeno de caráter peculiar, mas um fato comum das democracias liberais ocidentais. Hoje, judicializa-se desde pedidos de tratamentos pioneiros e caros, políticas públicas (vide a ADPF contra as cotas da Universidade de Brasília) à conflitos restritos ao seio familiar.[1]
É importante que não se confunda judicialização com ativismo judicial: enquanto a primeira refere-se a questões de grande relevância político-social sendo levadas aos tribunais, a segunda caracteriza-se por ações (maneiras não convencionais de interpretar a lei) de magistrados em prol de uma causa ou demanda social (BARROSO, 2009). Entretanto, é válido ressaltar que mesmo o dito “ativismo judicial” não deve ser interpretado como de todo ruim, visto que decisões como o reconhecimento da união homoafetiva em determinadas localidades seriam praticamente impossíveis sem o uso de tal recurso.[2]
Ainda assim, é importante que as devidas precauções sejam tomadas, uma vez que ambos os fenômenos (embora distintos) têm a capacidade de fazer com que um poder se sobreponha aos outros. Há aí uma potencialidade para que o poder judiciário se infle, podendo retirar a autonomia e liberdade de seus cidadãos sob o pretexto de protege-los, algo muito bem abordado por Maus em “O judiciário como superego da sociedade”.
Constata-se, portanto, que em determinadas situações a atuação do judiciário pode se fazer necessária em certos momentos pontuais, seja para que se garanta direitos existentes, ou para que se atendam demandas sociais, sendo necessária uma ponderação no que será decidido e algum sistema de contrapesos para que se evite uma evolução do Poder Judiciário para um poder autocrático e com tendências ditatoriais.

Felipe Bucioli - Turma XXXV - Noturno




[1] Como por exemplo o casal norte-americano que entrou na justiça para que seu filho de 30 anos saísse de casa: Casal americano entra na Justiça para obrigar filho de 30 anos a sair de casa e vence. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/casal-americano-entra-na-justica-para-obrigar-filho-de-30-anos-a-sair-de-casa-e-vence.ghtml

[2] No que tange a união homoafetiva, o Brasil não foi o único de onde a legalização veio por parte da justiça. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, Áustria e África do Sul.

A judicialização como fenômeno dual


Em um país onde a população se vê assolada pela injustiça, o poder judiciário acumula responsabilidades que a ele não foram destinadas e assim, ocorre a judicialização. Em suma, o fenômeno consiste na exaltação desse poder em detrimento dos outros dois, legislativo e executivo, contrariando a teoria de Montesquieu e também o sistema jurisdicional em que o Brasil está inserido.

Segundo Barroso, os efeitos buscam uma compensação para inefetividade do legislativo, que sobrecarregado com inúmeros projetos de lei em busca da manutenção dos privilégios da elite controladora, se abstém da função de resolver problemas emergenciais por meio da legislação. Desta forma, procura atender a demanda social se desvencilhando da norma regente.

Diferentemente, Maus critica o atual modo de atuação do judiciário ao afirmar que este é um retorno do poder autocrático, posto que a decisão irracional dos juízes sem base legislativa pode afetar toda uma população, formada por entes que por vezes se veem desorientados frente as contradições acarretadas em consequência da decisão judicial.

Como exemplificado pelo julgado, essa decisão pode variar conforme os valores e ideias do juiz responsável e assim, representar ou contradizer a vontade democrática e até mesmo a lei vigente. Por vezes, ela pode trazer melhorias ao normatizar reivindicações recorrentes, mas este pode não ser seu único objetivo frente a atual conjuntura político-social brasileira, reconhecida mundialmente por seus conflitos e desigualdades, que tendem a expandir enquanto as respostas aos problemas correntes forem dadas pela classe dominante ao invés da classe afetada.

Bruna Francischini - Direito noturno

Infantilismo político


Não há duvida de que a conturbada trajetória socioeconômica do Brasil contribuiu para a construção de um cenário político extremamente caótico. Na atual conjuntura, produto direto das controvérsias que cercaram a história brasileira, fica claro o predomínio de uma intensa polarização maniqueísta entre alas de esquerda e direita, cujo constante conflito transforma qualquer debate em uma fervorosa guerra de interesses. Nesse sentido, a busca de apoio político, que se dá através da manipulação de massas populares, torna-se fundamental para a perpetuação dos poderes partidários. Essa demagogia, entretanto, evidencia-se vazia de qualquer proposta real de mudança, visto que ambas as partes do espectro ideológico preocupam-se mais com a manutenção de seu nicho eleitoral do que discutir qualquer tipo de pauta que minimamente ameace sua aprovação popular.  
  Tal fenômeno, percebido com clareza em nosso país, é identificado pela análise de Ingeborg Maus como uma espécie de “Infantilismo político”. Segundo a filósofa alemã, as exigências em questões como justiça social e proteção ambiental aparecem com pouca frequência nos comportamentos eleitorais, que, aplicados unicamente à busca por votos, acabam por renegar a consideração de transformações necessárias para a sociedade. Dessa forma, Maus também indica que a esperança de realização dessas mudanças significativas acaba sendo projetada nas decisões do judiciário, o qual, assim, ganha cada vez mais importância.
   Como exemplo dessa crescente importância do judiciário, é pertinente a observação do recente caso envolvendo a discussão da adoção do sistema de cotas pela Universidade de Brasília. Em processo ajuizado no Supremo Tribunal Federal, a ação movida pelo partido DEM pretendia acabar com o sistema de cotas instaurado na UnB, acusando-o de criar um “tribunal racial”. A decisão final do julgamento, conforme a tendência judicial explicada, ficou encarregada aos ministros do STF, que, por unanimidade, corretamente decidiram pela constitucionalidade das cotas raciais. Outrossim, é cada vez mais evidente a ocasião de situações como a citada, em que questões de grande repercussão politica estão sendo decididas por órgãos do poder judiciário, ao invés das instancias tradicionalmente responsáveis por essa tarefa: o Congresso Nacional  e o Poder Executivo.
   Profundamente influenciado pelo advento da constituição federal de 1988 e pela consequente redemocratização brasileira, tal é o processo de Judicialização do sistema brasileiro, que, motivo de grande controvérsia, é acusado por muitos de politizar a justiça e não respeitar as regras democráticas. Sabe-se, entretanto, consoante ao que argumenta Luís Roberto Barroso, que a Judicialização é uma consequência necessária, não um exercício deliberado de vontade política. Decidindo porque é o que lhe cabe fazer, sem alternativa, o judiciário acaba funcionando como um fórum de princípios, velando pelas regras do “jogo”, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tenha mais votos. Nesse diapasão, percebe-se a profunda importância dos efeitos do judiciário sob a sociedade, os quais, muitas vezes clamados como ganhos da esquerda ou da direita, são, na verdade, conquistas do Direito e da Jurisprudência.

João Manuel Pereira Eça Neves Da Fontoura - Turma XXXV Noturno

  

Vínculo Judicial

      Questões urgentes e hodiernas referentes às práticas sociais polêmicas constituem dever de ilustres pensadores serem abordadas, tal qual a da legitimidade democrática concernente à judicialização e ao ativismo judicial, sob os princípios criteriosos de Luiz Roberto Barroso e Ingeborg Maus.
      Nesse sentido, é cabível a menção da política de cotas raciais iniciada pela Universidade de Brasília (UnB), na qual houve a reserva de cotas para indivíduos negros e pardos, no ano de 2009. Os debates acerca do ocorrido intensificaram-se no momento em que o Partido Democrata (DEM) utilizou-se de uma arguição de descumprimento de preceitos fundamentais (ADPF), baseando-se em uma possível inconstitucionalidade da ação afirmativa, fato propulsor de questionamentos em toda a sociedade. 
       Desse modo, define-se o fenômeno da judicialização como o processo no qual questões de grande repercussão social e política estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, tomando o lugar do Congresso Nacional e do Poder Executivo nesse aspecto. Sob o viés de Barroso, a ocorrência citada representa "um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária", ressaltando o caráter não-mecânico dos juízes e dos tribunais, já que estes possuem o encargo de conceder concretude às expressões vagas do texto constitucional.
       Já o ativismo judicial refere-se a uma participação mais evidente do Judiciário na efetivação de valores e fins constitucionais, proporcionando uma maior interferência nos aspectos atributivos dos outros dois Poderes, o Legislativo e o Executivo. Vale mencionar a teoria da tripartição dos Poderes, proposta esta por Montesquieu, o qual foi responsável pela formulação da separação e distinção entre esses ramos. Percebe-se, pois, que, por um lado, o ativismo realiza uma aplicação mais direta da Constituição às situações não prevista pelo legislador, amplificando seu alcance quando o caso assim o exige, como foi visualizado na não confirmação de inconstitucionalidade da ação afirmativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decorrência de uma demanda social localizada entre o Direito e a Política, considerando que não houve uma efetiva articulação entre os partidos políticos e os recentes agentes sociais, defensores da política de cotas em virtude da perceptível desigualdade social entre os membros da nação brasileira.
       Por outro lado, Maus defende a ideia de que o Poder Judiciário, ao atender às exigências dos movimentos sociais, realiza uma ampliação de seu campo de ação, interferindo, assim, em meios não condizentes com a sua finalidade. O Tribunal Federal Constitucional, por exemplo, segundo o autor, garante sua própria história constitucional ao submeter outras instâncias à sua interpretação, como verificou-se no julgado quando novas considerações foram concedidas ao inciso I do artigo 206, do qual é provinda a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. Teoricamente, tal escrito constitucional foi desprezado. 
      No entanto, de acordo com Barroso, a Constituição Federal de 1988 abriu espaço à atuação do Judiciário, nos instantes em que fosse necessário, logicamente, não se caracterizando tal situação em uma "ditadura do Judiciário", como muitos afirmam. Levando em conta essas explanações, referente ao tópico da legitimidade democrática, o jurista concede a concretização dos princípios constitucionais e das leis, manifestações estas dos representantes do povo, configurando, portanto, uma corroboração das vontades e exigências populares.
     Dessarte, malgrado exista pontos de vista relacionados à extrapolação dos deveres do Judiciário, faz-se mister ressaltar a necessidade da atuação deste em questões de relevante apelo social que não são contempladas pelas instâncias tradicionais e que demandam interpretações expansivas, além do vínculo entre a população e o Poder Judiciário, no que tange à materialização de seus maiores anseios de Justiça, haja vista a política de cotas raciais nas Universidades, consecutiva da marginalização histórica de determinadas etnias brasileiras e os seus decorrentes precários acessos aos ensinos fundamental e médio. 


Giovanna Siessere Gugelmin - direito matutino - turma XXXV. 










" A pele em que habito"


A busca por mão de obra barata e submissa ocorreu de forma constante na história geral antiga. O crescimento da União Ibérica deu-se a partir de suas colônias, as quais eram sustentadas pela mão de obra vinda da África, onde mercadores encontravam vantagens comerciais. Assim, a etnia negra considerada mercadoria era vista como inferior as demais, porém, o conceito de subordinação não permaneceu apenas no período colonial. Dessa forma, é perceptível que a democracia racial aparentemente vigorada pela Lei Áurea, somente permitiu ao negro liberdade da escravidão mas não a inserção social, por isso é válido analisar a eficácia de medidas como a lei de cotas, tentando reparar os reflexos dessa escravidão.
   A priori, é indubitável que o combate ao racismo chegue ao início do século XXI de modo forte e atuante, devido ao problema ser crescente na estrutura social do Brasil em virtude da durabilidade da escravidão neste país, além do descaso governamental da época em leis que amparassem os negros libertos, assim, resultando no posicionamento dos negros nas mazelas da sociedade. Destarte, a lei de cotas surge a fim de tratar desigualmente quem possui oportunidades desiguais, pois em uma análise histórica aponta que nunca entraram tantos negros na universidade, desta forma esta medida visa selecionar talentos negros, uma vez que para se utilizar das cotas deve-se prestar o vestibular da mesma forma que os demais candidatos. Desse modo, à luz do discurso de Barroso as cotas são exemplo do ativismo judicial, por ser um mecanismo para contornar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado, como no caso do racismo no Brasil.
   A posteriori, dado ao conceito de judicialização: questões de grande repercussão social e política sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, a lei de cotas torna-se um exemplo positivo desta, já que traz importância para essa discussão, a qual por muito tempo foi tratada na hipocrisia da inexistência do racismo no país, onde vive-se uma "libertação aparente", segundo Diva Guimarães  em seu discurso "A pele em que habito" na FlIP ( Festa Literária Internacional de Paraty)2017.
   Portanto, segundo Joaquim Barbosa, o qual o voto foi positivo para afirmação da Lei de Cotas "[...] Essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem."

A busca pela validade da Constituição


Através dessa grande ideia de que o poder judiciário está garantindo um bem a população em geral entra o ativismo judiciário, que é definido por ser uma imposição ou abstenção de condutas do poder judiciário. Essa é uma atitude é impossível de se conter, podendo se tornar algo comprometedor à aplicação do direito em umas situações e em outras a única saída possível.
                            Essa postura ocorre por meio de estímulos sociais, como manifestações favoráveis a condutas que o judiciário deve seguir, assim, esse poder passa a se tornar o representante de uma “moral social” que ele acredita ser a moral que representa a maior parte da sociedade. Essa é uma posição extremamente crítica pois decisões pautadas somente na moral não são capazes de representar uma sociedade que vive em um regime democrático, desconsiderando a pluralidade existentes dentro do nosso país.
                            Concomitantemente, a judicialização é uma decorrência natural de um estado de direitos, ocorrendo quando ocorre o transbordamento dos  conflitos sociais para o poder judiciário. Podendo ser exemplificado com a judicialização da saúde, em que no Estado de São Paulo os gastos de  47,1 mil ações já ultrapassaram 1 bilhão de reais, somente em 2016, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde. Esses dados revelam que a disfuncionalidade do Legislativo e do Executivo levam a judicialização de diversas esferas da vida, e concomitantemente, cabe ao Judiciário tratar das cotas e de sua implementação nas universidades brasileiras.   
                            As cotas também entram na seara de direitos garantidos pela nossa bela Constituição de 1988, uma vez que o princípio de isonomia é uma das principais garantias estabelecias por esse documento. Contudo, como é claramente visível na sociedade, todas as garantias constitucionais não efetivadas de modo abrangente a toda população brasileira, sendo essas garantias restritas a uma pequena parcela da população. Cabe ao Judiciário fazer valer  a lei para as demais pessoas do país.
                            Sendo assim, deve-se utilizar o judiciário como instrumento na busca de legitimação dos nossos direitos constitucionalmente garantidos. Essa busca é intensificada quando existe a falta de representatividade e de legitimidade no poder executivo e legislativo, assim os juízes acabam por atuar por conta própria quando não existe outra saída para se garantir a legitimidade da Constituição.
                            Toda via, essa legitimação da autonomia do poder judiciário pode trazer grandes danos a sociedade pois ocorre a naturalização do fato de que o judiciário tem capacidade de tratar de todos os assuntos e concomitantemente, ocorre a hipertrofia do poder judiciário, que se torna extremamente saturado de processos que não é capaz de lidar sozinho. Com a hipertrofia do judiciário, os processos passam a demorar mais de um ano, como é o caso do Tribunal de Justiça  do Rio de Janeiro, o mais rápido do Brasil segundo pesquisa feita pela CNJ em 2016, que leva em media 1 ano e 7 meses de tramitação de processos em 1a instância.
                            É evidentemente claro que a abstenção do poder público na tomada de decisões acarreta uma sobrecarga no judiciário, que se vê imerso a questões de todas as naturezas. Contudo, não cabe ao judiciário negar tomar conta de questões sociais, como as Cotas, pautado unicamente pelo argumento de que essa questão não esta na sua alçada de poder. 
                            Cabe ao judiciário respaldar as pessoas com os direitos que lhes foram concedidos, não só pela Constituição de 1988- como também no caso das cotas raciais- mas também pela dívida histórica que o país tem com a população afrodescendente. Já que os demais poderes são omissos, cabe ao judiciário tomar partido dos casos, que muitas vezes são de grande repercussão social, e buscar trazer justiça a tona e expandir suas funções em nome da Constituição.

Bárbara Tolini, 
Noturno XXXV

Cotas Raciais e o Fenômeno da Judicialização


A Universidade de Brasília apresentou-se como pioneira na utilização do sistema de cotas raciais em seu vestibular, determinada política que gerou diversas dissidências no país. Esse debate foi intensificado com a publicação lei nº 12.711, de agosto de 2012, conhecida também como Lei de Cotas, a qual torna obrigatória a separação de cotas no quesito social e racial.
Como exemplo da discordância sobre o tema houve, a pedido do partido político Democratas (DEM), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), visto que a lei em questão foi aprovada pelo Poder Judiciário ao invés do Legislativo, contrariando a tradicional separação dos três poderes e explicitando uma constate na atualidade, que é o fenômeno da judicialização, abordado por Ingeborg Maus e Luís Roberto Barroso.
Nas palavras do jurista, a judicialização trata-se de uma ação natural, gerada pela fluidez dos limites entre política e justiça no mundo contemporâneo:
“A judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente”.
Para a socióloga alemã, a judicialização é uma forma de mecanismo com  estímulos sociais para a extensão dos poderes judiciais em campos fora de suas ações, como explicitado em sua fala:
“Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social–controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização política democrática”.
Tendo como base ambas determinações sobre o fenômeno, há o conhecimento de que deve ser realizado com restrição, para não ferir o aparato democrático do país. Porém sua ação é necessária em diversas questões, visto que, pela sua definição de atuação trata-se de uma intervenção pontual do Judiciário em assuntos de grande repercussão social e política, como o caso das cotas raciais. Assunto que extrema importância, posto que, o Brasil encontra-se em face de grande dívida histórica com a população negra por séculos excluída e subjugada socialmente. Dessa forma, as cotas raciais encontram-se como de alta relevância no contexto social do país, visto que esse apresenta um sistema de Estado social, que busca como objetivo erradicar as mazelas da sociedade, por exemplo, a exclusão e o preconceito sofrido pela população negra.

Isadora Mantovani Semedo- Direito Diurno Turma XXXV

O judiciário como um atalho jurídico


A judicialização do direito tem sido pauta de diversas questões após o judiciário tomar frente em decisões que dizem respeito à outras esferas jurídicas: a legislativa e a executiva.  A preocupação se encontra na possibilidade do enfraquecimento da segurança jurídica à medida que as decisões se inclinam para ideias que não estão previstas na constituição. Uma pergunta pertinente é: Que outro caminho levaria a uma solução mais rápida e eficaz senão levar o problema para o judiciário? Segundo o ministro Barroso e a Ingeborg Maus esse processo acontece de forma natural na sociedade e as questões analisadas pelo judiciário são levadas até essa esfera, ficando a mesma impossibilitada de se abster de uma decisão.  
No que tange a decisão proferida pelo STF favorável a aplicação de cotas raciais na Universidade de Brasília, temos um claro exemplo do que os autores aqui tratados chamam por judicialização do direito. A questão que norteia o processo iniciado pelos Democratas é a alegação de que as cotas raciais inferem preceitos fundamentais da constituição e sua aplicação causaria muito mais problemas do que soluções para o cenário social brasileiro. A priori, é necessário entender que quando se trata de cotas, sejam elas raciais ou sociais, não estamos falando de um sinônimo de privilégio, a visão distorcida da sociedade sobre tais impede que essas ações afirmativas sejam analisadas de forma justa pautada na história e em dados atuais.  Segundo o princípio de equidade de Aristóteles, é necessário tratar de maneira desigual os desiguais entre si para se alcançar uma uniformização da sociedade, o que coincide com a ideia da implantação das cotas raciais.
É indubitável que a diversidade raramente se encontra presente no contexto universitário, a causa disso não é uma questão de mérito como a maioria defende, os motivos se encontram muito mais profundos na história brasileira e em seus reflexos atuais. O racismo velado brasileiro tem graves consequências, é algo que vai muito além de ser descendente ou não daqueles que foram escravizados; é ser julgado e sofrer os mais variados tipos de violência baseadas no fenótipo individual, tornando-se involuntariamente uma vítima do preconceito e da discriminação. Ao se analisar dados do IBGE do ano de 2015 temos que 53,6% da população brasileira pertence ao grupo de pretos e pardos e que nessa mesma população somente 12,8% dos jovens presentes no ensino superior pertencem ao grupo supracitado, as faculdades consideradas fontes de pesquisas e referencias em estudos não poderiam considerar a inexistência de um fator problema que justifica esses dados discrepantes e, não obstante, calar-se para o problema. Consequentemente a aplicação de cotas foi vista como uma maneira de se nivelar gradativamente o acesso ao ensino superior, concomitantemente com o investimento do governo na educação de base para todos os brasileiros.

O reflexo das cotas raciais na sociedade contemporânea


As cotas raciais, algo tão importante para a sociedade atual e complexa, foram utilizadas, pela primeira vez, na Universidade de Brasília. Elas representam um grande avanço diante de uma população preconceituosa e, por conta disso, geraram uma grande polêmica ao serem instituídas, posteriormente — 2012 —, na legislação brasileira. Ela ocorre porque as pessoas não possuem a consciência da dívida histórica com os negros, tendo em vista os três séculos de escravidão e a segregação após a mesma, o que os deixou em uma situação desigual especialmente em relação à alfabetização e às oportunidades acadêmicas.

Com isso, é possível relacionar essa questão com a ideia de Barroso sobre judicialização, ou seja, quando questões de grande repercussão social e política são decididas pelo Poder Judiciário ao invés do Executivo ou Legislativo. As cotas não estavam previstas na legislação quando a UnB implantou-as, porém, devido à demanda social e a escassez de negros no nível superior, foi necessário sua aplicação. Além disso, ele diz que a judicialização é intensificada com os problemas gerados pelo sistema, por isso ela é muito utilizada atualmente. O ponto positivo é que, mesmo não sendo o papel do Judiciário, isso acaba atendendo as necessidades da população que não podem ser satisfeitas exclusivamente pelo parlamento.

Uma das maiores polêmicas acerca desse assunto é a “meritocracia”, defendida por aqueles que são contra as cotas raciais, pois acreditam que o ingresso à universidade deve ocorrer por mérito próprio sem nenhum auxílio – no caso, as cotas –, no entanto, esse argumento é invalidado quando observamos a história dos negros e constatamos que eles nunca tiveram as mesmas oportunidades de acesso ao ensino qualificado, portanto, sempre houve uma hegemonia branca nas instituições acadêmicas. Em 1977, apenas 1,8% dos negros estavam no ensino superior, enquanto em 2011 esse número pulou para 11,9%. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Aplicadas), a matrícula de jovens entre 18 e 24 anos quintuplicou entre os negros.

Diante dos fatos expostos, fica indubitavelmente evidente a importância das cotas raciais e seu reflexo positivo na sociedade, com uma maior representatividade negra nas universidades e a tentativa de suprir a divida histórica que tanto os segregou e os deixou em uma situação econômica, social e política desigual à dos brancos. Isso foi possível devido às ações dos tribunais e à Judicialização, defendida por Barroso e, embora tenha pontos negativos, ela é um fator essencial na garantia dos direitos fundamentais das minorias.

Marcella Medolago - Direito noturno.

A Interferência judicial no sistema de cotas


O processo de judicialização da política não é passível de maniqueísmos que o caracterizam como bom ou mal: ele é apenas um fenômeno natural decorrente do processo natural do estado democrático de Direito. A interferência do Poder Judiciário em assuntos como Cotas é impossível de conter, e cabe apenas analisar até que ponto é possível ter legitimidade nesse processo e qual serão seus impactos. É necessária cautela para que, apesar de quase sempre poder interferir, o judiciário nem sempre o faça, como disse José Roberto Barroso, uma vez que analisar sociologicamente a sociedade apenas pelo âmbito do Direito significa perder de vista processos mais profundos de mudanças políticas e sociais.

Segundo o Ministro Barroso, cada esfera de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) exerce um controle sobre a atividade de cada um, justamente para que possa evitar instâncias hegemônicas que podem ameaçar a democracia ou o próprio Direito. A judicialização tem sua importância mas, uma vez que a sociedade órfã, carente de um símbolo de união, como defenderia Ingeborg Maus, enxerga o Judiciário como símbolo de poder absoluto, é necessário precaução. Por isso, pode-se dizer que, na visão de Maus, nem sempre a opinião do Judiciário em relação a fatores como as cotas é de total confiança e legitimidade, pois ele se esconde através da admiração da sociedade em quase tudo que opina.

A cotas são um dos meios de reparar as consequências de anos de escravidão para a população negra, que até hoje raramente se encontra ocupando as melhores escolas, altos cargos e lugares prestigiados da alta sociedade. Cerca de 50% da população brasileira se considera negra ou parda mas nada perto dessa porcentagem se encontra posicionada de uma maneira igualitária em relação à outra metade branca. A melhoria na educação pública seria outro ponto importante, uma vez que grande parte dos alunos que a frequentam são negros, que poderia inclusive suspender a ação das cotas. Contudo, como é preciso um bom tempo para a reparação de longos anos de danos, as cotas seriam, atualmente, a melhor maneira de permitir que negros tenham acesso à universidade pública e que consigam, por meio dos estudos, ascender socialmente.

Barroso defende que nem sempre um juiz, um membro do Poder Judiciário, dispõe do tempo ou do conhecimento para analisar o impacto de certas decisões e tampouco é responsabilizado por escolhas desastradas. O que pode vir a acontecer é a população sofrer as consequências de decisões malfeitas e ser vítima do que quem é contra as cotas a as acusam de ser: um tribunal racial. É necessário cautela ao lidar com o que é considerado raça pois se trata de uma questão de identidade pessoal e não cabe a nenhum dos Poderes definir de maneira superficial, sem qualquer tipo de análise aprofundada, quem estaria apto de receber as cotas ou não.

Pontos positivos e negativos da Judicialização


A discussão acerca da validade ou não da existência das cotas raciais levantada pela ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental) à pedido do Partido dos Democratas, que possuía como objetivo demonstrar que era inconstitucional a implementação de reserva de vagas utilizando como critério a “raça” de uma pessoa pela Universidade de Brasília (UnB), demonstra claramente o fenômeno da judicialização comentado pelo ministro Luís Roberto Barroso e Ingeborg Maus.
Segundo o ministro, “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo”. No processo iniciado pelos DEM, isso é evidente, por levarem a questão ao Judiciário e forçá-los a decidir pela inconstitucionalidade ou não das cotas raciais, a decisão do STF a favor dessas cotas, extrapola o campo jurídico e entra na esfera política, exemplificando a Judicialização e a necessidade de preencher as lacunas deixadas pelo Legislativo e Executivo ao ignorarem, não só essa, mas outras questões e debates emergentes na sociedade contemporânea.
Desse modo, o fenômeno da judicialização, tem sido mais solução do que problema enquanto fator que ampara os novos debates sociais emergentes e negligenciados pelos outros dois poderes, garantindo que certas camadas sociais possuam suas necessidades sanadas, mesmo que essas não estejam previstas em lei, o exemplo das cotas raciais cabe novamente pois entramos em contato com um grupo social que sempre foi excluído e negligenciado da sociedade e sempre encontrou dificuldades para se inserir no meio, pelo preconceito que sofria, comprovado pelos dados a seguir: os negros representam 76% da parcela mais pobre da população e nas universidades eram apenas 2% dos estudantes.
Contudo, existe a necessidade de nos atentarmos para que não ocorra uma sobrecarga de funções para o Judiciário, pois, além da possibilidade de atrapalhar a sua função principal, ele poderia começar a interferir em excesso em assuntos fora de sua função. Assim, fica claro que o país precisa de uma reforma política, mas não cabe aos juízes promovê-la.